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Internacional

Edição 152 > Karl Marx e seus artigos para o New York Daily Tribune

Karl Marx e seus artigos para o New York Daily Tribune

Pedro de Oliveira
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Marx é muito referenciado como filósofo, economista, historiador, revolucionário ou sociólogo – e mesmo como matemático –, mas dificilmente é lembrado como jornalista

Nos primórdios de seu desenvolvimento intelectual, Marx se envolveu com um estudo acadêmico voltado fundamentalmente para a filosofia, a teologia e o direito, sendo que em matéria de economia e política ele ainda se revelava um iniciante. Foi neste contexto que concluiu seu doutorado na Universidade de Jena, em abril de 1841, com uma tese sobre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. Mas logo percebeu que suas pretensões de trabalhar nas lides universitárias haviam sido dificultadas pelo reacionarismo que tomava conta daquela sociedade prussiana.

As primeiras experiências como jornalista

Diante do ambiente de conservadorismo dominante em sua época na Renânia, ele resolveu escrever seu primeiro artigo para a imprensa em fevereiro de 1842, para um jornal de Dresden, o Deutsche Jahrbücher (Anuários Alemães). O tema do artigo era a questão da censura à imprensa, polemizando fortemente contra as instruções normativas de restrição à liberdade de imprensa assinadas pelo rei Frederico Guilherme IV. Seu artigo foi prontamente censurado e o jornal fechado logo em seguida por um decreto do Parlamento Federal.

Um dos biógrafos de Marx, Francis Wheen, foi sistematicamente acusado de fazer não um trabalho histórico, acadêmico, mas um trabalho com viés jornalístico sobre a vida do biografado. Esta era uma maneira muito comum, entre a intelectualidade, de desqualificar uma obra. Crítica essa que Wheen enfrentou se declarando sim um jornalista, como era o caso também do objeto de seu livro, Karl Marx. Neste trabalho, o biógrafo defende a tese que escrever para jornais é uma disciplina muito útil, pois ela força o cidadão a se engajar com o aqui e agora, obrigando-o a testar suas teorias contra a realidade da vida, e aplicar sua compreensão da história aos acontecimentos concretos, tendo de escrever de forma clara para atingir as consciências das pessoas comuns.

Em um artigo para a Gazeta Renana, Marx escreveu em 1842 que “desde que a verdadeira filosofia tornou-se a quintessência de seu tempo, o tempo deverá chegar em que a filosofia não apenas internamente por seu conteúdo, mas também externamente por sua forma, deverá entrar em contato e interagir com o mundo real do dia a dia”. Esta reorientação de seu trabalho exigiria um grande esforço de auto educação.

O próprio Marx chegou a admitir, anos depois, que “como editor da Gazeta Renana experimentei pela primeira vez o embaraço de participar de discussões sobre os então chamados interesses materiais” como está registrado em um livro editado por James Ledbetter intitulado Karl Marx e seus artigos para o jornal New York Daily Tribune.

Um dos artigos mais famosos deste período e que bem espelha essas suas preocupações foi uma longa reportagem que escreveu para a Gazeta Renana, em que procurava desvendar o que estava por trás de uma nova lei que tratava dos “roubos” de lenha em florestas privadas na Renânia. Uma antiga tradição camponesa permitia que os moradores das redondezas apanhassem galhos e gravetos caídos das árvores para o aquecimento de suas lareiras e fogões. Com a nova lei, todos os que fossem pegos catando madeira nas florestas estavam condenados a ser presos. Pior ainda, aqueles que fossem pegos cometendo esse “crime”, teriam que pagar pela lenha coletada aos proprietários das florestas. Aliás, quem assistiu ao filme “O Jovem Karl Marx”, dirigido por Raoul Peck, vai lembrar destes fatos que aparecem logo nas primeiras imagens da película.

Ao elaborar essa reportagem, Marx foi obrigado a pesquisar profundamente sobre aquela situação concreta de exploração dos camponeses pelos ricos proprietários de terras. Assim, talvez pela primeira vez em sua trajetória, ele teve de estudar questões de classe, propriedade privada e sobre o papel do Estado.

Marx como correspondente do New York Daily Tribune

Alguns anos depois desses acontecimentos, em 1848, um jornalista editor do New York Daily Tribune, Charles A. Dana, foi enviado a Colônia para a cobertura de vários episódios revolucionários mais ou menos simultâneos ocorridos na Europa naquele ano. Nesse período, uma grande quantidade de camponeses se transformou em trabalhadores fabris, vários monarcas foram derrubados por uma nascente classe intermediária criada pela Revolução Industrial, ao mesmo tempo uma série de descobertas científicas, tecnológicas, numa verdadeira onda de choque impactou a Europa, a Ásia, as Américas e a África.

Durante essa viagem, Dana foi apresentado a um poeta radical chamado Ferdinand Freiligrath, que por sua vez o introduziu a Karl Marx, que naquela altura estava com quase 30 anos de idade, e já havia publicado junto com Friedrich Engels o Manifesto do Partido Comunista – que por sinal em 2018 completa 170 anos de publicação. Apesar de não existir nenhum registro do encontro de Marx com Dana, sabe-se que três anos depois esse mesmo editor do Tribune enviou uma carta a Marx convidando-o para elaborar uma série de artigos sobre as repercussões dos tumultuosos acontecimentos na Europa do final da década de 1840 e início da de 1850.

O jornal New York Daily Tribune foi fundado em 1841, com uma linha editorial progressista — antiescravista, antibelicista, antitabagista, antibebidas alcoólicas, antigrandes conglomerados comerciais, antibordéis, anticasas de jogo – como foi caracterizado por G.G. Van Deusen em um livro sobre o fundador do jornal, Horace Greeley.  Com essa orientação o jornal acabou angariando muitos leitores e chegou a circular com 200 mil exemplares nos Estados Unidos, ou seja, era considerado o maior jornal do mundo naquela época. Com seu crescimento seus proprietários resolveram montar uma equipe de correspondentes estrangeiros, para a qual Marx foi convidado a escrever.

Sem dúvida este convite foi providencial para família de Marx que enfrentava grandes dificuldades econômicas. Ele aceitou a tarefa mesmo sabendo que seria um fator de dispersão de seu foco no trabalho de elaboração de sua obra principal, O Capital. Foi nesta situação que alguns artigos assinados por ele foram escritos por Engels, a seu pedido. 

As relações de Marx com seu editor nos Estados Unidos, no entanto, não foram tranquilas. Até o ex-presidente dos Estados Unidos — John F. Kennedy, um dos principais responsáveis pela tragédia da Guerra do Vietnã —, numa conversa com grandes proprietários de jornais, fez referência ao trabalho jornalístico de Marx de forma jocosa: “Vocês devem lembrar que em 1851 o New York Herald (sic) Tribune, sob a direção de Horace Greeley, empregou como seu correspondente em Londres um obscuro jornalista chamado Karl Marx. Sabemos que Marx, este correspondente estrangeiro, estava quebrado, com sua família doente e subalimentada, e que constantemente apelava a Greeley e seu editor Charles Dana por um aumento em seu salário de cinco dólares por mês, um salário que ele e Engels tacharam de forma ingrata de ‘um desprezível descaramento pequeno-burguês’”. Mas quando todos os apelos foram desconsiderados, Marx procurou outros meios de subsistência e fama, acabando por encerrar seu relacionamento com o Tribune e devotando todos os seus esforços em tempo integral à sua causa, deixando um legado para o mundo das sementes do leninismo, do stalinismo, da revolução e da Guerra Fria. Se ao menos esse jornal capitalista de Nova Iorque o tivesse tratado de forma mais carinhosa, se ao menos Karl Marx tivesse permanecido como um correspondente internacional, talvez a história tivesse sido diferente”. (ver: )

As particularidades do jornalismo em Marx

O jornalismo praticado por Marx em quase uma década de contribuições regulares para o jornal New York Daily Tribune, se distinguia do jornalismo tradicional de várias formas. A primeira, lembrada pelo organizador de uma seleção de artigos publicados por James Ledbetter, foi sem dúvida o desprezo pelo uso de citações de fontes exclusivas das altas esferas da sociedade. Ele não era um confidente de diplomatas e mandarins, não vivia de participar de importantes jantares e colóquios secretos. Mas procurava estudar todos os aspectos do assunto tratado, após intensas pesquisas na Sala de Leitura do Museu Britânico (Round Reading Room) e em outras fontes qualificadas em vários países. Buscava a independência acima de qualquer questão, não temendo denunciar poderosos e reis. Não se tratava de ir atrás do furo jornalístico, mas de desvendar as raízes e os aspectos históricos daquele acontecimento em tela.

Na mesma introdução ao livro Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx considera que “a prodigiosa documentação sobre a história da economia política reunida no Museu Britânico, o posto favorável que Londres oferece para a observação da sociedade burguesa e, por último, o novo estágio de desenvolvimento em que esta parecia entrar com a descoberta do ouro californiano e australiano, conduziram-me a recomeçar e a estudar a fundo, com espírito crítico, os novos materiais.”

Os editores de Marx, cientes de suas ideias socialistas e comunistas, faziam questão de observar na introdução de alguns artigos que as opiniões dele não significavam necessariamente a linha editorial do jornal. Além disso é preciso dizer que o jornal foi vítima de uma das crises do capitalismo que o próprio Marx bem reportou no ano de 1857. Em 1861, durante a guerra civil nos Estados Unidos, o Tribune foi obrigado a demitir todos os seus 17 correspondentes estrangeiros, menos Karl Marx. Em 1862, entretanto, seu editor Dana escreveu-lhe uma carta pedindo-lhe que encerrasse sua colaboração com o jornal.

Em 1864, já terminado seu trabalho como correspondente jornalístico, Marx — em nome da Associação Internacional dos Trabalhadores — enviou correspondência ao presidente Abraham Lincoln cumprimentando-o por sua reeleição e pela vitória da luta contra a escravidão nos Estados Unidos. Lincoln, por sua vez, escreveu uma carta resposta e pediu ao embaixador dos Estados Unidos, em Londres, que a entregasse pessoalmente a Karl Marx.

A questão mais sensível desse período de trabalho regular de Marx para o New York Tribune, sem dúvida, foi o fato de que o trabalho jornalístico o retirava de seu foco mais importante que era a produção da sua crítica à economia política, que ganharia o nome de O Capital. Naquela mesma introdução ao livro Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1859, acima citada, Marx faz um balanço do seu trabalho como jornalista no New York Daily Tribune, dizendo: “Uma colaboração de há oito anos para o New York Tribune, o principal jornal americano, provocou – na medida em que só excepcionalmente me ocupo do jornalismo propriamente dito – uma extraordinária dispersão dos meus estudos. Entretanto, os artigos sobre os acontecimentos econômicos de relêvo na Inglaterra e no continente formavam uma parte considerável das minhas colaborações, em que fui levado a familiarizar-me com os pormenores práticos que não são do domínio da ciência pura da economia política”.

O fato de haver um quase completo desconhecimento do trabalho jornalístico de Karl Marx com certeza não está relacionado a questões de qualidade do material publicado. Marx lastreou seus artigos ao escrever para o Tribune em seu profundo conhecimento da história, apesar de na forma de apresentação de suas ideias ele não ter seguido o protocolo tradicional dos jornalistas de sua época. Por exemplo, não se preocupava em dar “furos de reportagem”, que é uma demanda permanente dos editores de jornais até hoje em dia, e ao mesmo tempo procurava sempre dar um profundo quadro histórico de cada acontecimento tratado.

Talvez a maior diferença entre os textos jornalísticos de Marx em relação a seus contemporâneos seja o desprezo que ele tinha por utilizar fontes palacianas, ou declarações dos grandes líderes econômicos e políticos, evitando desta forma que os protagonistas do capitalismo nascente orientassem de uma forma ou de outra o trabalho publicado nos jornais, eludindo os seus reais interesses e a realidade da vida econômica concreta.

Um reconhecido jornalista americano, Murray Kempton, que também se debruçou sobre o trabalho jornalístico de Marx, escreveu: “de todas as ilusões que uma pessoa pode ter com o jornalismo, uma das mais úteis que se deverá abandonar é a ilusão de ter acesso a fontes exclusivas (...) personalidades envolvidas nos acontecimentos correntes frequentemente não têm consciência da importância daqueles fatos, ou quando têm essa possibilidade – geralmente mentem deslavadamente (...). Marx não tinha nem a tentação e nem a oportunidade de acesso a estas fontes”.

Um elemento que poderia ser debitado o fato de os artigos de Marx não terem a devida repercussão que merecem é que ele mesmo não deu o destaque necessário a esta dimensão de sua obra.

Apesar de necessitar desse trabalho como correspondente para a própria sobrevivência da família, Marx tinha restrições à forma como eram editados os seus artigos pela direção do Tribune. Aliás para os padrões editoriais da época, os artigos de Marx eram na verdade pouco alterados em comparação com os dos outros profissionais, como lembra James Ledbetter na seleção de artigos de Marx que escolheu para publicar.

O grande problema é que Marx se irritava com a alteração de qualquer palavra em seus artigos e ademais os seus editores utilizavam os artigos de maneira que alguns levavam seu crédito e outros não. Além disso, dependendo das necessidades jornalísticas usavam artigos de Marx como editoriais do jornal, portanto sem assinatura. Certa vez Marx chegou a desabafar em carta para Engels dizendo que o Tribune foi se apropriando de seus artigos de tal forma e colocando sua assinatura apenas naqueles menos importantes... que ele denominou de “lixo”.

O Tribune era um jornal importante para aqueles que se opunham à escravidão. O jornal fez campanha para que seus próprios trabalhadores se organizassem em sindicato e sua administração funcionava como uma cooperativa. Membros da redação, inclusive, eram simpáticos à visão utópica de Charles Fourier. Mas o compromisso de Marx com o socialismo revolucionário, e o tom geral germânico de sua prosa — mesmo em inglês — mantiveram seus editores americanos à distância.

Segundo a escritora Mary Gabriel, que publicou um livro sobre a família de Marx com base em cartas de vários de seus membros, lembra que “o nome de Karl Marx aparecia frequentemente na primeira página do jornal diário mais popular da América na época. Ele podia ser censurado e perseguido ao escrever na própria língua e em seu próprio país, mas na imprensa desregrada e no diálogo político nos Estados Unidos de meados do século XIX, Marx teria encontrado um público ávido. Muitos leitores do liberal New York Tribune teriam concordado com as críticas de Marx às desigualdades políticas e sociais na Europa e com seus artigos abertamente contrários à escravidão e à pena de morte”. 

Apesar de algumas restrições, os editores do Tribune faziam questão de dar crédito a seu correspondente em Londres: «O senhor Marx possui opiniões próprias bastante decididas, algumas das quais estamos longe de compartilhar, mas quem deixa de ler as cartas que ele escreve negligencia uma das mais instrutivas fontes de informação sobre as grandes questões atuais da política europeia».

O trabalho para a New American Encyclopedia

Gabriel ainda relata em seu livro que na primavera de 1857, “talvez porque estivesse usando menos material de Marx em suas notícias, Dana, do Tribune, ofereceu a ele um emprego de colaborador da New American Encyclopedia, um dicionário de conhecimentos gerais em vários volumes, que estava sendo preparado por especialistas americanos e europeus. Marx foi aconselhado a não deixar que seus pontos de vista partidários contaminassem seus verbetes. Apesar das restrições, Marx ficou entusiasmado com o projeto que prometia rendimentos constantes e generosos e demandaria menos trabalho do que os artigos que ele e Engels escreviam para o Tribune. Engels chegou a sugerir que Marx dissesse a Dana que poderia escrever a Encyclopedia inteira sozinho, mas que na verdade Engels, Lupus e Pieper ajudariam.

Diante dos sinais cada vez mais evidentes de uma grave crise no sistema financeiro mundial naquele final dos anos cinquenta, Marx se apressava para fornecer elementos de análise para a compreensão dos ciclos do desenvolvimento capitalista. Em uma carta a um colaborador na Alemanha escreveu que havia “desperdiçado” seu tempo escrevendo para o Tribune e para a Encyclopedia vivendo como um eremita, e à noite trabalhava nas linhas gerais de sua economia política geralmente até as 4 horas da manhã.

O trabalho no Tribune e no livro O Capital

Com o estudo mais acurado dos artigos publicados no Tribune pode-se verificar que determinadas pesquisas realizadas por Marx no Museu Britânico para os artigos jornalísticos, de alguma maneira acabaram sendo utilizadas na sua obra mais profunda e conhecida, O Capital. Em seu livro, Roman Rosdolsky, um estudioso da obra de Marx, constata que “o trabalho de Marx como jornalista provou ter sido útil para ele logo depois: basta que se leia seus numerosos artigos sobre a conjuntura econômica, sobre questões de política comercial, sobre os movimentos da classe operária inglesa e suas greves. Acima de tudo, suas reportagens sobre a situação agrária na Irlanda e na Escócia, e sobre a política inglesa na Índia, comprovaram que seus artigos foram extremamente úteis a este respeito”. São muito reveladoras as comparações que se pode fazer entre os tópicos tratados nos artigos para o Tribune, de um lado, e as mesmas questões aproveitadas na sua obra O Capital, de outro. Vamos utilizar a divisão temática usada por James Ledbetter em seu livro dos artigos escolhidos de Marx para o Tribune.

Os artigos sobre a China

Talvez com exceção da violência da escravidão humana – o tema que mais deixava Marx irado era o comércio do ópio na China. Os colonialistas ingleses, a um altíssimo custo de vidas humanas, aliados às classes mercantilistas que atuavam na região asiática tudo fizeram para manter o fluxo constante deste narcótico da Índia para a China.

Em 1870 quase a metade das importações chinesas era de ópio.

A primeira Guerra do Ópio ocorreu entre 1834 e 1843. E a segunda delas teve início em 1856, exatamente no período que Marx trabalhou para o jornal que denominava de anglo-americano. Esta segunda guerra teve como pretexto um incidente quando no porto de Guangzhou autoridades chinesas prenderam doze cidadãos chineses suspeitos de tráfico – e os ingleses desencadearam o conflito que se prolongou até 1860. Marx escreveu uma série de artigos comprovando que os ingleses queriam, na verdade, manter o monopólio do comércio do ópio vendido na China –textos estes que se tornaram uma peça importante de denúncia do imperialismo como nunca havia escrito antes.

Sobre a guerra, revolução e a contrarrevolução na Europa

Não seria um exagero afirmar que o acontecimento histórico que mais profundamente influenciou o pensamento de Marx foram os levantes revolucionários na Europa Ocidental, em 1848. Durante alguns poucos meses, naquele ano, foi plausível a possibilidade de que os grandes proprietários de terra e os aristocratas fossem varridos e substituídos por coalizões de trabalhadores, camponeses e elementos progressistas da burguesia. O socialismo talvez fosse muito a se esperar – mas certamente se colocava na ordem do dia a ampliação da democracia e a racionalidade de como os Estados-Nação poderiam ser governados.

Em seus artigos dessa temática Marx analisou os processos revolucionários na Alemanha, na Grécia, na França, na Espanha, na Itália, entre outros países.

Sobre a política inglesa e sua sociedade

Do ponto de vista de Marx, por um lado, a Inglaterra – particularmente a dimensão da Revolução Industrial – nos anos da década de 1850, representava a sociedade humana pelo que ela tinha de mais avançado. Por outro, segundo ele, os eleitos para o Parlamento inglês eram quase exclusivamente advindos da aristocracia, que só poderiam gerar políticas de interesse daquelas classes sociais.

Além de analisar as doutrinas econômicas dominantes no cenário político da Inglaterra, Marx acompanhava tão de perto a organização dos trabalhadores, suas greves e especialmente o movimento radical Cartista, que seus líderes chegaram a republicar os artigos do Tribune em seus próprios órgãos de imprensa, como o The People’s Paper.

Sobre a Economia e as Finanças

Na década de 1850 a economia internacional passou por modificações profundas. O volume total do comércio mundial entre 1800 e 1830, por exemplo, cresceu de mais ou menos 300 milhões de libras esterlinas para 400 milhões. No período de 1840 a 1870 houve um crescimento de mais de cinco vezes, chegando a mais de 2 bilhões de libras.

Esse processo de “globalização” induziu comerciantes mais otimistas a considerarem essa tendência como o segredo do crescimento permanente da economia no mundo. Marx, ao contrário destes, em seus artigos procurou documentar que esse processo em realidade trazia grandes sacrifícios aos trabalhadores, aumentando a pauperização da população com o chamado livre-comércio. E, ao mesmo, tempo percebia que o aumento das exportações inglesas exigia dos que trabalhavam nas fábricas muitas horas extras, deixando de lado as poucas leis que protegiam as relações de trabalho e o trabalho infantil.

Foi de autoria de Marx a expressão que caracterizava os barões da indústria inglesa – em sua exploração dos trabalhadores – como se fossem “vampiros que viviam sugando o sangue de uma geração inteira de jovens trabalhadores”.

Uma grande recessão atingiu a economia global no ano de 1857, possibilidade que Marx havia previsto anos antes em seus artigos. Mas o fenômeno mais destacado desse período identificado por ele, foi o aumento da interdependência entre o Estado e os instrumentos creditícios da economia privada. Ele havia concluído que a Revolução Industrial havia criado novas formas de crédito oferecidos pelo Estado e que este ciclo recessivo implicava uma queda da infraestrutura dos governos europeus. Os artigos de Marx sobre o Banco de Crédito Imobiliário da França, escritos em três partes para o New York Tribune, refletiam essa conjuntura e tiveram grande repercussão naquele período.

Sobre a Índia e o colonialismo

Pode-se dizer que a Índia representou um extraordinário laboratório para as teorias de Marx. Em meados do século XIX, não existia no mundo exemplo mais puro de uma sociedade submetida ao colonialismo do que o caso da Índia. A Companhia das Índias Ocidentais detinha o monopólio quase total do comércio entre a Inglaterra e a Colônia.

Os navios e fábricas da Companhia – além do exército e da administração civil – transformaram não apenas a economia, mas também a estrutura do país, destruíram os métodos tradicionais de produção e distribuição, submetendo os cidadãos indianos virtualmente como escravos. Em seu período de dificuldades econômicas a Companhia chegou a forçar os camponeses indianos a plantarem e produzirem ópio para alimentar o comércio da droga com a China.

Marx, em seus artigos sobre a Índia, de forma dialética considerou que no futuro os próprios indianos poderiam se valer das forças produtivas que os ingleses introduziram no país – incluindo as estradas de ferro e os projetos de imigração – para a sua emancipação política e econômica.

Para o New York  Daily Tribune Marx e Engels escreveram 487 artigos: 350 de Marx, 125 de Engels e 12 textos escritos a quatro mãos. A publicação completa de todos estes artigos para o Tribune ocupam sete volumes dos 50 editados como as obras completas de Marx e Engels (ainda incompletas). Ou seja, há muito ainda o que estudar sobre os trabalhos de Marx como jornalista.

Pedro de Oliveira é jornalista e membro da direção da Fundação Maurício Grabois

 

Os artigos de Marx publicados no New York Tribune estão disponíveis para leitura (em inglês) neste link:  goo.gl/Umc5fD  (link encurtado)

 

Referências

 

DEUSEN, G. G. Van – “Horace Greeley: Nineteenth-Century Crusader” (Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1953.

GABRIEL, Mary – “Amor & Capital”, Zahar, São Paulo, 2011.

HOBSBAWM, Eric – “How to Change the World”, Little Brown, London, 2011.

KEMPTON, Murray – “K. Marx, Reporter” – New York Review of Books, junho, 1967.

KENNEDY, John F. – “The President and the Press: Address Before the American Newspaper Publishers Association”, 1961.

LEDBETTER, James – “Karl Marx. Dispaches for the New York Tribune; Selected Journalism of Karl Marx – Penguin Books, 2007.

MARX, Karl – Prefácio a “Para a Crítica da Economia Política”, publicada pela primeira vez em Londres em 1859, Edição brasileira da Abril Cultural, em 1982.

MARX, Karl -- Rheinische Zeitung, 14 de julho de 1842, Renânia.

ROSDOLSKY, Roman – “The making of Marx’s Capital”, London, Pluto Press, 1968

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