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Internacional

Edição 152 > Universalidade e singularidade histórica da Revolução de Outubro

Universalidade e singularidade histórica da Revolução de Outubro

João Quartim de Moraes
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Nesta segunda parte de seu artigo sobre a singularidade histórica da Revolução Russa, o professor Quartim de Moraes destaca os posicionamentos teóricos de Lênin e os registros de Gramsci a respeito do impacto do Outubro soviético sobre a esquerda europeia

Parte 2

 

O sentido corrente do termo “ortodoxia”, predominantemente pejorativo (=dogma), designa as mentalidades estreitas, temerosas de qualquer ideia diferente daquilo que pensam saber. Literalmente, no entanto, o termo significa opinião correta. Esta ambiguidade não é fortuita, é dialética. Os fatos e argumentos que fundamentam uma tese justa podem se modificar; persistir em considerar correta a mesma tese em condições modificadas é ser dogmático. 

Lênin foi um marxista dialeticamente ortodoxo. Diante de fatos novos que Marx e Engels não poderiam ter levado em conta, ele discernia, com extraordinária capacidade de articular a universalidade da teoria fundamental com as situações concretas, as teses cuja esfera de validade correspondia a determinadas condições históricas, mas não a outras. Foi, sobretudo em relação ao Manifesto Comunista, que os bolcheviques trouxeram inovações que atualizaram e concretizaram o programa revolucionário formulado em 1848. As duas principais foram o partido de vanguarda (organização revolucionária “de tipo novo”) e a aliança operário-camponesa. 

1 O segundo capítulo do Manifesto, Proletários e comunistas, após declarar liminarmente que os comunistas não são um partido particular contraposto aos outros partidos operários, assinala que eles se distinguem em dois pontos: nas lutas nacionais eles salientam os interesses comuns de todo o proletariado; eles defendem sempre os interesses do movimento em sua totalidade. Enfatiza em seguida que eles “são na prática a parte (Teil) mais decidida dos partidos operários de todos os países, a que impulsiona todas as outras e, quanto à teoria, eles têm, relativamente à massa restante do proletariado, um discernimento mais avançado das condições, da marcha e dos resultados gerais do movimento proletário.” (21). O quarto capítulo, que é o último e o mais curto, expõe a “posição dos comunistas perante os diferentes partidos de oposição”, reiterando a mesma caracterização do segundo capítulo e preconizando apoio a todos os combates revolucionários, inclusive àqueles da revolução burguesa alemã em curso. 

Embora sustentem em comum a ideia de posição de vanguarda dos comunistas, não somente em relação à massa do proletariado, mas também aos demais partidos operários, é forte o contraste entre a concepção de partido da Liga dos comunistas, em nome da qual Marx e Engels tinham redigido o Manifesto, e a dos bolcheviques. No Manifesto as questões de organização não são discutidas pela clara razão de que não apareciam como problemas práticos demandando uma elucidação teórica. Devemos a Lênin esta elucidação, sinteticamente exposta em 1901, no curto escrito Por onde começar?, que anunciou o célebre Que fazer?, publicado no ano seguinte. Como toda grande obra fundadora, ele se enraizava nas condições concretas do combate revolucionário clandestino sob a autocracia czarista, mas o alcance da teoria do partido de vanguarda da classe operária, articulado por revolucionários atuando permanentemente como uma só vontade segundo os princípios do centralismo democrático, é universal. Diferentemente dos partidos de massa da socialdemocracia, que se atrelaram à lógica da luta parlamentar, o partido leninista não renunciou, no plano dos princípios, a nenhuma forma de luta, mas tampouco as fetichizou: cabe à análise histórico-materialista, em cada situação concreta, determinar as linhas de força do programa e da tática. Em situações de crise, em que a contrarrevolução suprime as instituições parlamentares e instaura um regime de exceção, os partidos leninistas constituem a espinha dorsal da resistência à violência reacionária. O mais grandioso exemplo histórico foi o da luta dos comunistas europeus contra o nazi-fascismo.

2 No Manifesto Comunista, o camponês (der Bauer) é apresentado, como os outros estamentos médios (Mittelstände), como “conservadores, mais ainda, reacionários, já que tentam virar para trás a roda da História.” (22). A ortodoxia do próprio Marx, entretanto, era dialética: bem sabemos que ele nunca foi um marxista dogmático. Em dois escritos importantes de seus últimos anos de vida, ele relativizou esta avaliação, declarando com ênfase na Resposta a Mikhailovsky (novembro de 1877) que o desenvolvimento do capitalismo não acarretava inelutavelmente em toda parte a dissolução das aldeias camponesas (23). Ele foi mais longe na correspondência com Vera Zasulich (fevereiro/março de 1881). Em especial, na carta de 8 de março de 1881, após ter lembrado que no Capital a “fatalidade histórica” da “expropriação dos cultivadores” foi “expressamente restringida aos países da Europa ocidental”, Marx concordou com a tese de que a comuna rural “é o ponto de apoio da regeneração social na Rússia.” (24).

Em sentido contrário, empenhado em salientar, contra o socialismo agrarista dos populistas, o papel de vanguarda da classe operária na luta contra a autocracia czarista, Lênin procurou mostrar, duas décadas depois, em alguns de seus primeiros escritos importantes, nomeadamente A que herança renunciamos?, de 1897, e O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, de 1899, que o avanço das relações capitalistas nas zonas rurais era inexorável. Teria ele defendido a ortodoxia marxista mais do que o próprio Marx? Naquele contexto e naquele momento, sim. Mas como a de Marx, a ortodoxia de Lênin era dialética, e sua dialética, materialista. Ele estava certo ao pôr em evidência o avanço do capitalismo na economia russa. Nem tanto, porém, no que concerne a seus efeitos desagregadores sobre as comunidades camponesas. Elas foram sem dúvida afetadas pela crescente monetarização das trocas, mas em ritmo lento, adaptando-se em graus diversos às relações mercantis em expansão. 

Lênin não perdeu de vista, entretanto, as massas camponesas em luta pela terra, portanto contra o czarismo pela supressão dos restos feudais. Já em seu projeto de programa agrário de 1899, no programa agrário de 1903 e sobretudo no de 1907, ele completou dialeticamente a tese “ortodoxa” sobre a inevitabilidade do desenvolvimento do capitalismo na Rússia com o “heterodoxo” apoio da classe operária ao imenso campesinato russo. A revolução de 1905 confirmou amplamente o acerto dessa linha política, que se consolidou durante o período de feroz repressão policial dos anos seguintes, e depois durante a retomada da mobilização popular até as vésperas da guerra de 1914. Os bolchevistas foram, ao lado dos partidos socialdemocratas da Sérvia e da Bulgária, as únicas seções da II Internacional em deliquescência a condenar a conflagração geral desencadeada naquele ano.     

Revolução contra o Capital ou contra o Manifesto?

Num artigo publicado originalmente no jornal Avanti de 24 de novembro de 1917, Antonio Gramsci deixou um notável registro do impacto do Outubro soviético sobre a esquerda europeia. Já no título ironicamente paradoxal, La Rivoluzione contro il Capitale, ele enfatiza a singularidade da revolução que acabara de triunfar na Rússia. As boas ironias são as que fazem pensar. Embora injusto com Marx, o artigo tem o mérito de apontar para o componente heterodoxo da Revolução de Outubro. “Contra O Capital” porque “Il Capitale di Marx era, in Russia, il libro dei borghesi, più che dei proletari” (O Capital de Marx era, na Rússia, o livro dos burgueses, mais do que dos proletários). Em dois sentidos pelo menos esta afirmação tem fundamento: (a) eram sobretudo os intelectuais de extração burguesa, principalmente pequeno-burguesa, que o estudavam; (b) predominava entre os leitores russos de O Capital uma interpretação fatalista da lógica objetiva da história social, segundo a qual a Rússia teria necessariamente de passar pelo desenvolvimento capitalista antes de que o proletariado pudesse sequer pensar em sua própria revolução.
 
Mas, prossegue Gramsci, “os fatos superaram as ideologias”. O principal destes fatos era a guerra. Marx tinha “preveduto il prevedibile” (previsto o previsível). Não podia prever que a guerra europeia “avrebbe avuta la durata e gli effetti che ha avuto” (teria tido a duração e os efeitos que teve) e que “tre anni di sofferenze indicibili, avrebbe suscitato in Russia la volontà collettiva popolare che ha suscitata” (três anos de sofrimentos indescritíveis teriam motivado na Rússia a vontade coletiva popular que motivou). Uma vontade popular unitária normalmente (é Gramsci que enfatiza o termo) “a bisogno per formarsi di un lungo processo di infiltrazioni capillari; di una larga serie di esperienze di classe” (necessita, para se formar, de um longo processo de infiltrações meticulosas; de uma ampla série de experiências de classe); a anormalidade instaurada pelo dilúvio de chumbo, aço e fogo que se abateu sobre o continente europeu acelerou a história social: 

in Russia la guerra ha servito a spoltrire le volontà. Esse, attraverso le sofferenze accumulate in tre anni, si sono trovate all’unisono molto rapidamente. La carestia era imminente, la fame, la morte per fame poteva cogliere tutti, maciullare d’un colpo decine di milioni di uomini. Le volontà si sono messe all’unisono, meccanicamente prima, attivamente, spiritualmente dopo la prima rivoluzione [di febbraio] (na Rússia a guerra serviu para despertar as vontades. Elas, através dos sofrimentos acumulados em três anos, foram sentidas de modo simultâneo muito rapidamente. A carestia era iminente, a fome, a morte por fome poderia atingir todos, esmagar de um só golpe dezenas de milhões de homens.  As vontades decorreram simultaneamente, mecanicamente antes, ativamente, espiritualmente, depois da primeira revolução [de fevereiro]).

Resta compreender por que só na Rússia “le volontà si sono messe all’unisono” com ímpeto suficiente para derrubar o poder de Estado responsável pela carnificina. As perdas de vidas humanas não foram muito diferentes nos diversos exércitos beligerantes. Os dados mais prováveis registram quase 2 milhões de russos mortos no front, além de 5 milhões de feridos. A França registrou cerca de 1,4 milhão de mortos e 4,2 milhões de feridos; a Alemanha, 2 milhões de mortos e 4,2 milhões de feridos; a Áustria-Hungria, 1,4 milhões de mortos e 3,6 milhões de feridos; a Grã-Bretanha, 960.000 mortos e 2 milhões de feridos; a Itália, 600.000 mortos e 1 milhão de feridos e o Império Otomano, 800.000 mortos. Foi o Exército sérvio, porém, que sofreu a pior hecatombe, imposta pela fúria punitiva dos austro-húngaros: somados, seus 130.000 mortos e 135.000 feridos corresponderam a três quartos de seu efetivo total. Os sofrimentos que a guerra impôs ao povo russo são comparáveis aos dos outros povos atolados “no pântano europeu, lamacento e sangrento” (a frase é de Lênin); a classe operária, os camponeses e em especial a juventude de todos eles serviram de carne para canhão nos campos de batalha da Europa e do Médio Oriente. Mas por terem afetado todos os países beligerantes com a mesma implacável indiferença, as destruições e misérias trazidas pela guerra não bastam para explicar as duas revoluções russas. 

Embora inegável, o nexo entre guerra e revolução não corresponde a uma relação mecânica de causa e efeito. Não é qualquer guerra que abre brechas para o surgimento de situações revolucionárias, mas sobretudo aquelas que trazem consequências caóticas para os países derrotados. Basta lembrar o exemplo de Paris em 1871: a capitulação, sem muita luta, do exército francês diante dos prussianos em Sédan derrubou o regime de Napoleão pequeno e propiciou a proclamação da Comuna. Em 1918-1919, ocorreu o inverso: a capitulação do II Reich diante dos franceses derrubou o regime imperial e abriu caminho para o levante spartakista; paralelamente, após o desmantelamento do Império austro-húngaro, uma república soviética foi proclamada na Hungria. Mas enquanto as revoluções populares russas eclodiram em plena guerra, os spartakistas alemães e os sovietes húngaros de Bela Kun levantaram-se nas cinzas dos “impérios centrais”. Em Berlim, o governo socialdemocrata da República recém-proclamada apelou para os chamados Freikorps, veteranos ressentidos do Exército desmobilizado após a derrota, que aniquilaram o levante, massacrando seus dirigentes, nomeadamente Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Ainda em 1919, os Freikorps também foram empregados no aniquilamento da República Soviética da Baviera. Na Hungria, o exército romeno, com apoio do vitorioso imperialismo francês, encarregou-se (movido, além do ódio ideológico, por ambições territoriais) de esmagar os sovietes de Budapeste. A única destas situações revolucionárias que conduziu a classe operária à vitória foi a da Rússia de 1917. 

Gramsci contrastou o caráter espontâneo da revolução de fevereiro 1917 (ela ocorreu “meccanicamente”) com a intensa atividade política e organizativa que conduziu “attivamente, spiritualmente” à grande revolução de outubro. Há entre as duas revoluções uma clara relação de antecedente e consequente, cujo suporte foi a vontade popular unitária do povo russo, mas cujo êxito resultou da lúcida e audaciosa política dos bolcheviques. Estes, segundo Gramsci, “rinnegano Carlo Marx, affermano con la testimonianza dell’azione esplicata, delle conquiste realizzate, che i canoni del materialismo storico non sono così feroci come si potrebbe pensare e come si è pensato” (renegam Karl Marx, afirmam com o testemunho da ação concreta, das conquistas realizadas, que os cânones do materialismo histórico não são tão extraordinários como se poderia pensar e como se pensou). Desnecessário insistir sobre a unilateralidade desta avaliação, mesmo porque faltava a Gramsci neste artigo a reflexão, que ele desenvolveria mais tarde em seus célebres escritos consagrados ao “moderno príncipe”, sobre a concepção leninista do partido marxista de vanguarda. Bem sabemos, de resto, que os bolcheviques, longe de renegar Marx, consideravam-se os continuadores do marxismo na Rússia. A ironia maior da tese da “Rivoluzione contro il Capitale” está em que não foi o autor de O Capital, e sim o dirigente maior da Revolução de Outubro que se ateve aos “canoni del materialismo storico.”. Seguindo a ortodoxia de Lênin, os bolcheviques inverteram a ironia do paradoxo com que Gramsci expressou a singularidade da Revolução Russa: eles ficaram com O Capital contra a carta de Marx a Vera Zasulich.  Sem dúvida, como ocorria também alhures, havia entre eles os que consideravam a obra de Marx um conhecimento teórico já pronto para ser aplicado, como se aplica um remédio a um doente; outros, porém, a começar de Lênin, empenhavam-se em compreender o modo correto de desenvolver a teoria marxista nas condições históricas da Rússia. Nem uns, nem outros, entretanto, renegaram Marx. 

Seria pedantismo exigir precisão analítica de um artigo escrito em cima dos acontecimentos. Parece-nos, entretanto, que Gramsci teria tido mais razão se em vez de “Rivoluzione contro il Capitale” tivesse falado em “Rivoluzione contro il Manifesto”. É neste escrito, não na grande obra econômica, que são fortemente anunciadas as expectativas de que a classe operária tomaria o poder político nas sociedades onde mais avançara o modo de produção capitalista e de que, tomando o poder, ela emanciparia o trabalho e libertaria toda a humanidade dos grilhões da exploração e da opressão. No horizonte de 1848, estas expectativas configuravam uma possibilidade histórica perfeitamente plausível, porque baseada na tendência objetiva de aprofundamento e de expansão da contradição entre trabalho e capital. Mas às tendências se opõem contratendências. Vivendo longos anos na Inglaterra, Marx e sobretudo Engels puderam constatar o que chamaram, sem eufemismo e até com certo amargor, o “emburguesamento” de camadas da classe operária. Assim se expressou Engels, com efeito, numa carta que escreveu a Marx em 7 de outubro de 1857, citada por Lênin:

“[...] o proletariado inglês se emburguesa cada vez mais; parece que esta nação, burguesa entre todas, quer chegar a ter, ao lado de sua burguesia, uma aristocracia burguesa e um proletariado burguês. Evidentemente, por parte de uma nação que explora o universo inteiro, isso é até certo ponto lógico.”.
Um quarto de século depois, em 12 de setembro de 1882, Engels reiterou esta constatação em carta a Kautsky:

“Você me pergunta o que pensam os operários ingleses da política colonial. A mesma coisa que eles pensam da política em geral. Não há, aqui, partido operário; só há radicais conservadores e liberais. Quanto aos operários, eles desfrutam com a maior tranquilidade [...] do monopólio colonial da Inglaterra e de seu monopólio sobre o mercado mundial.” (25).

O emprego do termo monopólio duas vezes na mesma frase a propósito das colônias inglesas e do mercado mundial anuncia a teoria do imperialismo, embora Engels não se sirva desta palavra. Mas o fenômeno social está claramente identificado: ao associar subalternamente as camadas economicamente superiores da classe operária dos países dominantes a suas burguesias respectivas, o monopólio colonial gerou uma contratendência à polarização da luta de classes entre trabalhadores e capitalistas, na qual se baseavam as expectativas do Manifesto. Num artigo publicado em janeiro de 1916, mesmo ano em que formulou a teoria do imperialismo, Lênin não se limitou a denunciar “aqueles que votaram pelos créditos de guerra, entraram para os ministérios e advogaram a ideia da defesa da pátria em 1914-1915”, examinou o significado econômico desta política e sua ligação com a história das tendências no movimento socialista:

“A burguesia de todas as grandes potências trava a guerra com o fim de partilhar e explorar o mundo, com o fim de oprimir os povos. Um pequeno círculo da burocracia operária, da aristocracia operária e de companheiros de jornada pequeno-burgueses pode receber algumas migalhas dos grandes lucros da burguesia. A causa de classe profunda do social-chauvinismo e do oportunismo é a mesma: a aliança de uma pequena camada de operários privilegiados com a ‘sua’ burguesia nacional contra as massas da classe operária.” (grifado no original) (26).

A traição da socialdemocracia aos solenes compromissos assumidos em Stuttgart e em Basileia de lutar contra a guerra tinha, pois, seu fundamento objetivo na diferenciação econômico-social no interior da classe operária dos países capitalistas dominantes. Essa diferenciação reforçava-se pela exploração imperialista do planeta. Discernindo uma tendência que iria se configurar plenamente na segunda metade do século XX, Lênin assinala
 
“[...] a diminuição da imigração proveniente dos países imperialistas e o crescimento da imigração, para estes países, de operários vindos de países mais atrasados, onde os salários são mais baixos. [...] Nos Estados Unidos, os imigrantes da Europa central e meridional ocupam os empregos mais mal pagos, enquanto os operários americanos fornecem a mais forte proporção de contramestres e de operários executando os trabalhos mais bem retribuídos. O imperialismo tende a criar, também entre os operários, categorias privilegiadas que se separam da grande massa do proletariado.” (27).

Gramsci estava certo ao atribuir à vontade popular unitária do povo russo, forjada nas privações e horrores da guerra, o fator determinante da dinâmica insurrecional de fevereiro 1917; na de outubro, reconheceu o papel decisivo do bolchevismo. Era plausível, naquele momento, supor que as caóticas consequências sociais da guerra provocariam novos surtos insurrecionais, mas evidentemente a revolução real que vinha de ocorrer ocupava o centro das atenções. Só retrospectivamente, após o exaurimento das lutas revolucionárias que eclodiram na Alemanha e na Hungria no imediato pós-guerra, bem como do “biennio rosso” (biênio vermelho) na Itália, passou a ter sentido perguntar por que a revolução só triunfou na Rússia. Se a concatenação guerra/revolução não explica por si só o triunfo da classe operária russa (que não somente tomou, mas também conservou o poder), fica evidente que a ação de Lênin e dos bolcheviques foi decisiva em outubro 1917. Em fevereiro daquele ano, porém, Lênin estava longe (embora como sempre, seguindo de perto os acontecimentos). Ele e seu partido vinham lutando para transformar a guerra imperialista em guerra de classes. Até que ponto a agitação e propaganda em torno desta meta contribuíram para elevar a combatividade das massas populares tornando unânime sua revolta, só um estudo historiográfico minucioso pode esclarecer. Só temos certeza de que foi do povo russo o papel principal na derrubada do czarismo.

 

*Esta é a segunda de três partes deste texto a serem publicadas por Princípios. A primeira parte foi publicada na edição 151 (nov. dez. 2017). A terceira e última parte será publicada na edição 153 (mar. Abr. 2018). 

 

João Quartim de Moraes, filósofo marxista, é professor titular (aposentado) de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor, entre outros, dos livros A Esquerda Militar no Brasil e História do Marxismo no Brasil 


NOTAS

As notas de número 1 a 20 estão na primeira parte deste artigo, publicado na edição 151 de Princípios

(21) MARX, K. ENGELS, F. Manifest der Kommunistischen Partei (Manifesto do Partido Comunista). In: Ausgewählte Werke in sechs Bänden (Obras Escolhidas em seis volumes), Band 1. Berlin: Dietz Verlag, 1978, p. 429-430.

(22) MARX, K.; ENGELS, F. IBIDEM, p. 427.
(23) Consultamos a tradução de Maximilien Rubel: MARX, K. Oeuvres, vol. II. Paris: Gallimard, 1968, p.1552-1555.
(24) MARX, K.; ENGELS, F. Correspondance. Moscou: Éditons du Progrès,1971, p.349-350.
(25) LÊNIN, V. I. Impérialisme, stade suprême du capitalisme, op. cit., ibidem, p. 306.  

(26) LÊNIN, V. I. O oportunismo e a falência da II Internacional. In: Oeuvres. Tome 22. Paris-Moscou: Éditions Sociales/du Progrès, 1960, p.119.

(27) IBIDEM, p. 305. Lênin diz “também” entre os operários, porque havia mostrado antes, apoiado em Hobson, as diferenciações que o parasitismo financeiro estabelece no interior da burguesia imperialista. 

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