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Edição 150 > Seminário internacional aborda impactos da crise e da inovação tecnológica no mundo do trabalho
Seminário internacional aborda impactos da crise e da inovação tecnológica no mundo do trabalho
A quarta revolução industrial e a crise econômica mundial foram temas de seminário internacional promovido pela CTB. Sindicalistas de 26 países puderam debater as consequências e perspectivas da evolução tecnológica e do baixo crescimento econômico da última década para os trabalhadores

No último dia 24 de agosto, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) realizou no Gran Hotel Stella Maris, em Salvador, Bahia, o seminário internacional “A crise econômica global e o mundo do trabalho”. O evento antecedeu a realização do 4º Congresso Nacional da CTB e foi assistido por dirigentes sindicais de 26 países.
O seminário foi dividido em duas mesas. Na parte da manhã, falaram Peter Poschen, diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil; Sérgio Barroso, assessor especial da CTB e pesquisador da Fundação Mauricio Grabois; e Augusto Praça, membro da Comissão Executiva da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN). Eles debateram o tema “A crise capitalista e os impactos no mundo do trabalho”.
Na mesa da tarde, intitulada “Globalização, direitos e democracia”, falaram Ronaldo Carmona, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), e Michael Makwayiba, eleito no ano passado presidente da Federação Sindical Mundial (FSM) e diretor de um dos mais fortes sindicatos sul-africanos.
No intervalo entre as duas mesas, lideranças sindicais internacionais se revezaram na tribuna abordando aspectos da conjuntural e do movimento sindical em tempos de crise econômica.
Poschen: reformas trabalhistas não trouxeram avanços
Durante o seminário, os sindicalistas foram apresentados a uma série de dados estatísticos e informações técnicas que comprovam os efeitos deletérios da crise mundial no mercado de trabalho.
Uma das falas mais elucidativas neste sentido foi a do alemão Peter Poschen, diretor da OIT no Brasil.
Crítico da reforma trabalhista, Poschen afirmou que a necessidade de adaptação das normas trabalhistas às novas formas de trabalho é um fenômeno global, mas é necessário que os critérios sejam discutidos de forma a alcançar coerência e consenso. Segundo ele, a afirmação de que a reforma vai gerar empregos “tem poucas evidências” na experiência internacional.
Estudo publicado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) - Drivers and effects of labour market reforms: Evidence from a novel policy compendium -, produzido pelos pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano, indica que reformas legislativas laborais e de mercado de trabalho foram realizadas em 110 países entre 2008 a 2014.
Os dados mostram que novas formas de trabalho, como terceirização, trabalho intermitente, temporário e parcial podem ser positivos para algumas profissões e carreiras mas, sem salvaguardas, isso pode ser extremamente negativo para outros trabalhadores.
O fundamento comum observado nas diversas iniciativas de reformas, no contexto da grave crise e estagnação econômica com desemprego, foi o de aumentar a competitividade das economias (leia-se reduzir o custo do trabalho) e criar postos de trabalho (leia-se flexibilizar contratos de trabalho para gerar ocupações precárias).
Poschen destacou que esse impacto negativo é desproporcional sobre mulheres, jovens e migrantes.
Realidades diferentes, impactos diferentes
No início de sua fala, o representante da OIT chamou atenção para as assimetrias do impacto da crise econômica mundial. “Mesmo a crise estando espalhada pelo mundo todo, há diferenças entre continentes e países com diferentes níveis de desenvolvimento econômico e de riqueza. É importante ver que esta crise econômica, um evento cíclico de conjuntura, se sobrepõe sobre realidades estruturais muito diferentes entre os países”, disse Poschen. Ele lembrou que na última década o mundo passou por taxas baixas de crescimento se comparadas com as que tivemos nas décadas de 1990 e 2000.
Poschen mostrou gráficos que revelam que o emprego está aumentando, mas a taxa de participação caiu quase 3%. “São mais de 100 milhões de pessoas que estiveram no mercado de trabalho e hoje não estão”, afirmou.
Em 2017, a OIT prevê que o número de pessoas desempregadas no mundo inteiro chegue a mais de 200 milhões, com um aumento adicional de 2,7 milhões previsto para 2018, já que o ritmo de crescimento da força de trabalho supera o de criação de empregos.
Empregos vulneráveis
Segundo Poschen, o problema não é só uma crise de quantidade, mas sobretudo de qualidade dos empregos.
Relatório da OIT divulgado no início de 2017 mostra que as formas vulneráveis de trabalho – como trabalhadores familiares não remunerados e trabalhadores por conta própria – devem constituir mais de 42% da ocupação total, ou seja, 1,4 bilhão de pessoas em todo o mundo em 2017.
Em países emergentes, é metade da força de trabalho. Em países em desenvolvimento, na África, por exemplo, este índice chega a 80% dos trabalhadores.
Situação do Brasil
Poschen optou por usar a situação concreta do Brasil para ilustrar a gravidade dos impactos da crise no mundo do trabalho. Ele apresentou um detalhado mapeamento da realidade trabalhista e econômica no país e destacou a estagnação da indústria e o aumento da desigualdade de renda simultâneo à elevação da concentração de renda. “Se fizéssemos um retrato hoje, teríamos um país com forte desindustrialização e PIB em queda”, diz Poschen.
“Nos últimos dois anos, quase todos os índices positivos caíram. A desocupação duplicou. Em 2013 o Brasil experimentou a menor taxa de desocupação da série histórica, hoje chega a 13%. A boa notícia é que parou de crescer”, acrescentou.
O representante da OIT disse que o País necessita de um projeto de nação que possa aglutinar diversas forças. Para tanto, Poschen defendeu a centralidade do trabalho – que tem papel fundamental para o indivíduo e a sociedade – para transpor a estagnação econômica atual. Para endossar a sua posição, ele citou relatório de 2013 do Banco Mundial que indica que “o desenvolvimento acontece através do trabalho”. Apesar da constatação da instituição financeira internacional que efetua empréstimos a países em desenvolvimento, o mundo do trabalho brasileiro tem características consideradas, segundo Poschen, nocivas. Uma dessas é o alto índice da informalidade, em torno de 40%, cuja tendência, com as mudanças trabalhistas recentes, é aumentar. “A informalidade é nociva porque desprotege e cria dificuldades de acesso a políticas que poderiam melhorar a vida desses trabalhadores”, explicou. Ele também criticou a rotatividade no mercado de trabalho brasileiro (em 2013 era de 63,7%). “Um caso único no mundo, pelo exagero”, observou.
Outros pontos negativos, segundo ele, são o baixo nível de organização sindical e a forte desigualdade de gênero e raça. “Menos de 20% dos brasileiros são sindicalizados. As mulheres negras são as piores remuneradas, vindo, na sequência o homem negro.” Para ele, o futuro do trabalho no País é difícil com a Lei 13.467: “Os salários melhoraram na última década, mas o futuro é incerto.” Acrescente-se a esse quadro, prosseguiu, outros itens que ele definiu como desafios: o fim do bônus demográfico, o que vale dizer que o Brasil já não é um país de jovens e enfrenta um envelhecimento rápido; produtividade estagnada e desindustrialização prematura. Um agravante é “a desigualdade brasileira enraizada, com concentração de renda e o predomínio de impostos indiretos, um obstáculo concreto ao desenvolvimento e crescimento”.
Poschen apontou algumas sugestões para o enfrentamento desse cenário hostil ao trabalho e ao desenvolvimento: priorizar a produtividade; investir nas pessoas, e não apenas em tecnologia ou em infraestrutura, com formação técnica, profissional e de aprendizagem; reduzir a diferença de gênero e raça, assim como a informalidade, a rotatividade e a desigualdade de renda.
O representante da OIT finalizou sua participação no evento anunciando que a organização prepara um amplo documento que repensa o papel da organização “na governança dos direitos da classe trabalhadora” e sistematiza soluções e estratégias para lidar com o futuro do trabalho no mundo.
Inovação e produtividade
O mais recente relatório da OIT divulgado no Brasil afirma que a inovação é uma importante fonte de competitividade e criação de empregos para as empresas.
As empresas inovadoras, em geral, tendem a ser mais produtivas, criar mais empregos, contratar mais mulheres trabalhadoras e empregar trabalhadores mais qualificados, o que significa que elas empregam trabalhadores mais educados e oferecem mais oportunidades de treinamento.
Em alguns casos, no entanto, a inovação levou a um uso mais intenso de trabalhadores temporários (especialmente em empresas com inovação de produtos e processos), com mais mulheres representadas no emprego temporário. Por exemplo, as empresas que implementam a inovação de produtos e processos tendem a empregar 75% mais trabalhadores temporários do que as empresas não inovadoras.
O engajamento do comércio e das empresas nas cadeias produtivas globais também é estímulo importante para a criação de empregos e o crescimento da produtividade.
Com a estagnação do comércio internacional nos últimos anos, o mesmo aconteceu com os empregos ligados ao setor. Em 2016, 37,3% dos trabalhadores estavam empregados em empresas privadas de exportação formal. Essa parcela é inferior à de antes da crise, de 38,6%. O relatório observa que as empresas exportadoras têm maior produtividade e pagam salários mais altos do que as empresas que não estão envolvidas no comércio internacional.
No entanto, as margens de produtividade para exportação e importação superam a margem de salário em 13 e 5 pontos percentuais, respectivamente, indicando que há margem para compartilhar os ganhos do comércio de forma mais inclusiva.
Augusto Praça: revolução tecnológica a serviço de quem?
O português Augusto Praça, da CGTP-IN, é uma liderança do movimento sindical em seu país e participou ativamente das lutas recentes contra a imposição de reformas restritivas aos direitos trabalhistas em Portugal.
No seminário internacional da CTB, Praça discutiu o tema “A quarta revolução industrial e o futuro do trabalho” e também abordou o papel da educação no avanço civilizacional.
O sindicalista iniciou sua palestra no seminário lembrando que “falar da quarta revolução industrial ou da Indústria 4.0, ou outros nomes que se queira dar, não é uma tarefa fácil para ninguém”. Ele ressaltou que a evolução tecnológica, a partir dos anos 1970 do século passado, instalou e veio aprofundar a possibilidade de substituição do homem pela máquina de forma sem precedentes na evolução humana e que “o mundo capitalista tem utilizado o desenvolvimento das tecnologias para aumentar a exploração dos trabalhadores — aliás, como Marx previa em seus estudos — e concentrar a riqueza produzida nas mãos de poucas famílias”.
Segundo Praça, o desenvolvimento tecnológico é também uma questão ideológica e de classes. “Nos nossos dias, os recursos acumulados pelo 1% dos mais ricos ultrapassa a riqueza do resto da população mundial. Isso confirma que a evolução tecnológica não serve a todos. Ela ajuda a levar à concentração de riqueza nas mãos cada vez mais de um pequeno grupo de famílias”, afirma Praça.
Segundo ele, esta utilização das novas tecnologias para aumentar a exploração dos trabalhadores não é nova, pois pelo menos desde os anos 60 do século passado que os EUA já usam as novas tecnologias para aumentar os lucros das empresas”, disse Praça.
“Naquele período”, diz ele, “um comitê ad hoc avaliou que a cibernética permitiria um sistema produtivo com capacidade ilimitada, produzindo cada vez mais com menos trabalhadores. A cibernética, diziam, está a reorganizar a vida econômica e social para responder às suas necessidades (dos capitalistas) e concluía referindo que a ligação tradicional entre o rendimento e o trabalho e o emprego tinha sido curada”.
O sindicalista português diz que aos sindicatos e aos trabalhadores sempre se colocou a questão de saber como lidar com as transformações tecnológicas. “Deviam eles ficar contra esta evolução, apoiá-la ou se apropriar dela?” questiona, ressalvando que a resposta a esta questão nem sempre foi pacífica.
“Todo conhecimento científico e tecnológico tem que ser colocado a serviço dos trabalhadores e do povo. Para isso, tínhamos e temos que intervir na transformação da sociedade, conquistar o poder e colocar a economia a serviço de todos e não só de alguns poucos como acontece em nossos dias”, defende.
Segundo ele, o processo de sistema produtivo imposto visa, no essencial, transformar o consumidor em produtor sem risco para o capitalista. Ao mesmo tempo, a discussão que se faz, em geral, sobre os impactos da novas tecnologias no emprego, nas novas profissões, na qualificação dos trabalhadores, é quase sempre voltada para o debate sobre o que o trabalhador deve fazer para garantir o acesso os novos empregos criados. “Mas não são levantadas questões essenciais como a garantia dos direitos dos trabalhadores, como garantir as políticas públicas de acesso a plataformas de saúde, educação e habitação”, questiona Praça.
O sindicalista português considera que a evolução tecnológica provoca uma situação em que as relações de trabalho subordinadas parecem mais diluídas, ou seja, em que os que dão as ordens não estão fisicamente presentes, o que permite, aparentemente, esconder a posição de subordinação do trabalhador na relação de trabalho, ou, dito de outra forma, cria uma falsa relação de auto-emprego ou de trabalho independente”, diz ele. E completa: “Hoje, plataformas digitais permitem mistificar as relações de trabalho massificadas, como é o caso dos ‘contratos de zero-horas’ — uma modalidade na qual o empregador não garante ao trabalhador um mínimo de horas de carga por mês e, portanto, tampouco um salário mínimo. O trabalhador só ganha quando é chamado para trabalhar —, o auto-emprego, o falso trabalho independente, o trabalho voluntariado, o trabalho colaborativo, o trabalho social... cujos exemplos mais ilustrativos entre nós é o Uber, o Cabify, a Amazon Mechanical Turk, a atividade bancária, entre outros.”
Praça chama atenção para “algo muito curioso” envolvendo a citada plataforma de “bicos” da Amazon, cujo nome foi inspirado num arremedo de “computador” conhecido como Turco Mecânico. Tratava-se de uma máquina de jogar xadrez supostamente provida de inteligência artificial construída na segunda metade do século 18. O mecanismo parecia ser capaz de jogar uma partida contra um forte oponente humano, mas na verdade era uma ilusão mecânica que permitia a um jogador de xadrez escondido a operar a máquina. A proposta da Amazon (www.mturk.com) é parecida. Ela quer usar a inteligência humana para responder perguntas e realizar tarefas previsíveis e mecânicas – coisas dignas de robô, como analisar milhares de fotos em busca de uma determinada imagem, mas que os computadores ainda não são capazes de fazer. Os que se habilitam para a tarefa recebem em troca alguns centavos de dólar. Praça compara esta relação de trabalho ao trabalho escravo.
Segundo ele, a evolução tecnológica vem confirmar, “de forma cristalina, a afirmação de Marx quando este diz que na sociedade capitalista o trabalho não é mais do que uma mercadoria.
No caso das plataformas digitais, constata-se que a utilização da tecnologia está visivelmente alinhada com os interesses das grandes multinacionais, sendo utilizada como fator de aprofundamento da exploração dos trabalhadores.
Para Augusto Praça, é fundamental a produção de legislação, inclusive multilateral, que enquadre, regule e limite este tipo de atividade, sobretudo diante do agravante de que estas plataformas digitais não estão restritas a um só país.
Contra a precarização
Ao final de sua participação no seminário, Praça reforçou a necessidade de se apostar na formação do trabalhador e destacou lutas recentes do movimento sindical português contra a precarização do trabalho, um processo que vem atingindo, com força, sobretudo os trabalhadores mais jovens.
Segundo a CGTP-IN, as próprias “políticas ativas de emprego” têm sido usadas para fomentar a precariedade, mediante a admissibilidade de contratos a termo para os trabalhadores jovens ou os desempregados de longa duração. A publicitação de ofertas de emprego com contratos precários, a prestação de apoios públicos a medidas de apoio à contratação, os estágios e programas de ocupação de desempregados (CEI e CEI+) usados para substituir postos de trabalho permanentes, bem como a contratação de trabalhadores em situação precária na administração pública, são exemplos preocupantes contra os quais o sindicalismo português tem atuado.
“Muitos jovens vêem-se compelidos a aceitar salários e condições de trabalho degradantes. A precariedade é transversal a todos os setores e não poupa sequer os trabalhadores mais qualificados, contribuindo assim para desvalorizar as profissões e as carreiras profissionais”, diz a Central.
Artigos nesta edição
O terceiro palestrante desta mesa do Seminário foi o diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois e assessor da CTB, Aloisio Sérgio Barroso. Ele abordou o tema da quarta revolução industrial de uma perspectiva marxista, relatando a evolução histórica do desenvolvimento industrial e os impactos econômicos desta evolução num contexto de crise do capitalismo mundial.
De acordo com Barroso, a quarta revolução industrial mudará as relações trabalhistas. “O desemprego e a precarização atingirão novas categorias de trabalhadores e se amplificarão”, disse ele, destacando que os monopólios, desde a sua origem, ampliaram o emprego mas não diminuíram a pobreza.
O conteúdo da intervenção de Sérgio Barroso no Seminário Internacional da CTB está contido no artigo de sua autoria publicado nas páginas 4 a 10 desta edição da Princípios.
A revista publica também, nas páginas 21 a 27, artigo do pesquisador Ronaldo Carmona, que abordou fenômenos atuais da geopolítica na segunda mesa do seminário e destacou a necessidade de um processo de reindustrialização no Brasil.
da redação, com agências