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Edição 150 > Revoluções industriais e metamorfoses do capitalismo: aspectos históricos e teóricos
Revoluções industriais e metamorfoses do capitalismo: aspectos históricos e teóricos
As grandes transformações financeiras e técnicas sequenciais que ocorrem no capitalismo desde o início dos anos 1980, com a ascensão do neoliberalismo, e impulsionadas pela crise dos anos 1970, originaram uma nova fase no capitalismo. Um novo patamar – degraus – no interior do estágio imperialista do sistema capitalista

Marxismo e revoluções industriais
É nos capítulos sobre a Manufatura e a Maquinaria (O Capital) que Marx analisa a gênese das forças produtivas capitalistas, como se constituem as bases técnicas desse modo de produção pela transformação do artesanato, que dá origem à manufatura, e finalmente como vai ser revolucionado o regime de produção pela introdução da maquinaria organizada como grande indústria. Ou seja, o capítulo da maquinaria mostra como é revolucionada a organização da produção por meio da criação das bases técnicas adequadas ao capital.
Na transição estrutural seguinte, a partir da década de 1870, iniciava-se o desenvolvimento do movimento explosivo que foi denominado de Segunda Revolução Industrial. Dando lugar a novos ramos de produção, vai sendo gestado um novo padrão tecnológico – do aço, da eletricidade, do motor a combustão interna, da química pesada etc. Essa nova tecnologia já não era produzida e difundida por homens práticos, mas resultava da aplicação consciente de conhecimentos científicos nos processos produtivos.
Ademais, é fundamental compreender que, se a Primeira Revolução Industrial deve ser periodizada entre 1760 e 1840, de outra parte, é nos novos estudos sobre a teoria de Marx e Engels, destacadamente dos pesquisadores da nova MEGA2 (Marx e Engels – Gesamtausgabe), que se encontram vários cadernos em que Marx examinou detalhadamente as crises capitalistas de 1848, 1857, 1866 e 1872. Quer dizer, crises capitalistas que ocorreram exatamente no processo que antecedeu a passagem da primeira revolução industrial para a segunda.
E, atenção: nesse movimento de centralização de capitais, de fusões, combinações etc., os bancos passavam a assumir um papel central, dada sua posição estratégica de monopolizadores de crédito. A pesquisa tecnológica começava a ser desenvolvida no próprio interior das grandes empresas que surgiam, e agora o capital assalariava cientistas e técnicos, e buscava deliberadamente as inovações. Dessa forma, a inovação tecnológica passava a ser resultado do planejamento e de pesquisas, e não mais produto da ação individual.
A propósito, simplesmente notável que Marx tenha assim formulado algumas de suas conclusões, ainda em 1857-1858, dos estudos dos Grundrisse (Capítulo do capital”. São Paulo/ Rio de Janeiro: Boitempo/ UFRJ, 2013, p. 387-388):
“No entanto, à medida que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza efetiva passa a depender menos do tempo de trabalho e do quantum de trabalho empregado que do poder dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que – sua ‘poderosa efetividade’ –, por sua vez, não tem nenhuma relação como o tempo de trabalho imediato que custa sua produção, mas que depende, ao contrário, do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produção. (Por seu lado, o próprio desenvolvimento dessa ciência, especialmente da ciência natural e, com esta, todas as demais, está relacionado ao desenvolvimento da produção material).”.
A primeira revolução industrial
Notemos que, entre 1760 e 1840 (Hobsbawm), a revolução industrial ficou limitada, primeiramente, à Inglaterra. Houve o aparecimento de indústrias de tecidos de algodão, com o uso do tear mecânico. Nessa época a utilização das máquinas associadas ao vapor, à água e ao ar contribuiu para a continuação da revolução. Entre 1840 e 1870 a industrialização espraia-se pelos EUA, Alemanha, França.
Sublinhe-se então que uma questão nodal é que o ponto de partida desse processo é constituído pela transformação da ferramenta em máquina-ferramenta, ou seja, pelo estágio em que se retira a ferramenta das mãos do trabalhador e a torna elemento de um mecanismo. Isto é:
“É desta parte da máquina, da máquina ferramenta, que parte a revolução industrial do século XVIII” (Marx, O Capital, livro 1, vol. I, cap. XIII, p. 426, Civilização Brasileira, 1968).
Porém – prossegue Marx –, nesse estágio,
“A máquina da qual parte a revolução industrial substitui o trabalhador que maneja uma única ferramenta por um mecanismo que ao mesmo tempo opera com certo número de ferramentas idênticas ou semelhantes àquela, e é acionada por uma única força motriz, qualquer que seja a sua forma. Temos então a máquina, mas ainda como elemento simples da produção mecanizada.” (IBIDEM, p. 428).
A primeira revolução industrial, ao catapultar a grande indústria, implica um violento processo histórico de desagregação da pequena produção, a incorporação massiva de proletários (mulheres e crianças) ao trabalho fabril, superexploração com jornadas de trabalho de até 16 horas diárias.
Da segunda revolução industrial
A partir da década de 1870 começava o processo denominado segunda revolução industrial. Dando lugar a novos ramos de produção, vai sendo gestado um novo padrão tecnológico: do aço, petróleo, da eletricidade, do motor a combustão interna, da química pesada, do telégrafo sem fio, do telefone etc., essa nova tecnologia já não era produzida e difundida por homens práticos, mas resultava da aplicação consciente de conhecimentos científicos nos processos produtivos.
A formidável ampliação e urbanização das cidades, do emprego e do tamanho das empresas impactam extraordinariamente o curso da passagem da primeira à segunda revolução industrial – sendo que, ainda por volta de 1880, cerca de 40% dos trabalhadores londrinos viviam na pobreza (HOBSBAWM, A era do capital, Paz e Terra, 1977, p. 223-226).
Hobsbawm exemplifica que o grupo alemão Krupp (Essen), em 1848 possuía 72 trabalhadores; em 1873, alcançara 12.500. O grupo francês Schneider tinha 12.000 trabalhadores em 1870, o que correspondia a mais da metade da população de Creusot trabalhando em fornos e maquinaria diversas da empresa [1].
Nesse processo, implicante em centralização de capitais, com fusões, aquisições, combinações etc., recorde-se que os bancos passavam a assumir um papel central, dada sua posição estratégica de monopolizadores de crédito.
Lenin, monopólios e capital financeiro
Para a caracterização da passagem à etapa monopolista do capitalismo, V. Lenin parte da identificação da transformação estrutural pela qual passava o regime de produção nos países avançados, e situa a mudança básica no grau atingido pela concentração da produção. Após demonstrar como a livre concorrência engendrava organicamente o monopólio, argumenta ele:
1. Décadas de 1860 e 1870, ponto culminante de desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios são ainda germens apenas perceptíveis.
2. Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais constituem ainda uma exceção, não são ainda sólidos, ainda representam um fenômeno passageiro.
3. Auge de fins do século XIX, a crise de 1900 a 1903: os cartéis convertem-se em uma das bases da vida de toda economia. O capitalismo transformou-se em imperialismo.
Note-se bem: A grande depressão (1873-1896) engendrou uma fase de transição entre a etapa concorrencial do capitalismo e a monopolista. Apesar dos avanços no processo de centralização de capitais, os monopólios ainda não eram generalizados e as empresas individuais típicas do capitalismo concorrencial ainda dominavam a estrutura econômica.
Também o novo padrão tecnológico ainda não era dominante, com exceção do aço, cuja produção supera a do ferro no período. Assim, os ramos da produção baseados na antiga tecnologia dominavam a economia no momento em que estavam ainda em gestação os setores ligados ao novo padrão técnico.
Da 3ª revolução industrial
Emerge entre 1950 e 1960, e desdobra-se na década de 1970. Tem como núcleo as transformações na microeletrônica, a informática, a máquina CNC (Controle Numérico Computadorizado), surgem o robô, o sistema integrado à telemática (telecomunicações informatizadas), a biotecnologia; sua base mistura à Física e à Química a Engenharia Genética e a Biologia Molecular. O computador é a máquina da terceira revolução industrial. Desenvolve-se na ascensão do neoliberalismo.
Um pioneiro estudo, no Brasil, sobre a evolução dessas mutações foi apresentado por Luciano Coutinho (A terceira revolução Industrial e tecnológica: as grandes tendências de mudança, Economia e Sociedade,1992), em cujo novo paradigma tecnológico encontrar-se-iam:
a) O peso crescente do complexo eletrônico;
b) um novo paradigma de produção industrial – a automação integrada flexível;
c) a revolução nos processos de trabalho;
d) transformação das estruturas e estratégias empresariais;
e) as novas bases da competitividade industrial e bancária;
f) a “globalização” como aprofundamento da internacionalização; e
g) as “alianças tecnológicas” como nova forma de competição.
Processualmente, ela implicou:
1) amplo espectro de aplicação em bens e serviços;
2) oferta crescente e suficiente para suprir a demanda na fase de difusão acelerada;
3) rápida queda dos preços relativos dos produtos portadores das inovações, reduzindo continuadamente os custos de adoção destas pelos usuários;
4) fortes impactos conexos sobre as estruturas organizacionais, financeiras e sobre os processos de trabalho;
5) efeitos redutores generalizados sobre os custos de capital e efeitos amplificadores sobre a produtividade do trabalho.
Sublinhe-se aqui o impacto da “flexibilização” do trabalho, o que deriva da profunda reestruturação da organização do trabalho na empresa: um sistema de chamado de polivalente, integrado em equipe, menos hierárquico; e computadorizada, a programação do conjunto é passada a cada setor da fábrica.
Conforme registrara G. Dupas [3], entre as décadas de 1980 e 1990, notadamente na Europa, a discussão sobre exclusão social apareceu na esteira do crescimento dos sem teto e da pobreza urbana, da falta de perspectiva decorrente de desemprego de longo prazo, da falta de acesso a empregos e rendas por parte de minorias étnicas e imigrantes, da natureza crescentemente precária dos empregos disponíveis e da dificuldade que os jovens passaram a ter para ingressar no mercado de trabalho.
Assim, muito distintamente do curso assinalado por Hobsbawm, sobre a segunda revolução industrial, a terceira – que se efetiva após duas guerras mundiais –, já incide fortemente na destruição do emprego.
A 4ª revolução industrial
Analisando essa aceleração das mudanças tecnológicas anteriores às mais recentes, conclui o ideólogo neoliberal K. Schwab (Edipro, 2016), a 4ª revolução industrial promove uma “fusão de tecnologias, borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas”. Ela fomenta a inteligência artificial, a robótica, a impressão 3D, os drones, a nanotecnologia, a biotecnologia, a estocagem de dados (big data) e de energia, os veículos autônomos, os novos materiais, a internet das coisas etc.
Também denominada de indústria 4.0, a diversificação de tecnologias aplicadas à produção manufatureira é seu pré-requisito. Dentre aquelas que são citadas com mais frequência estão: sistemas ciber-físicos (cps), big data analytics, computação em nuvem, internet das coisas (IOT) e internet dos serviços (IOS), impressão 3D e outras formas de manufatura aditiva, inteligência artificial, digitalização, colheita de energia (energy harvesting) e realidade aumentada.
Mas o conceito não se limita à aplicação combinada dessas tecnologias. A indústria 4.0 cria e articula “fábricas inteligentes” em um sistema produtivo e de comercialização substancialmente diferentes (IEDI, “Indústria 4.0: desafios e oportunidades para o brasil”, 2017). Para pesquisadores o MIT (Massachussets Institute of Tecnology), entramos na “2ª era da máquina”, onde seu traço principal é a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físico, digital e biológico.
No entanto, constata-se que a segunda revolução industrial ainda precisa alcançar 17% da população do planeta, pois cerca de 1,3 bilhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica. Em relação à segunda RI, mais da metade da população não têm ainda acesso à internet, ou cerca de 4 bilhões de pessoas. Mas se o tear mecânico levou quase 120 anos para atingir países fora da Europa, a internet espalhou-se em cerca de uma década.
Algumas implicações que merecem registro: (i) a venda mundial de robôs atingiu 225 mil em 2015, 12% a mais que o ano anterior; espera-se 400 mil em 2018, sendo que a Ásia (especialmente China e Coreia do Sul) controla 60% das vendas, seguindo-se o Japão, os EUA e Alemanha. (ii) Em 2014 o Facebook comprou o aplicativo WhatsApp por US$ 25 bilhões, que possuía 55 funcionários; a United continental aérea foi capitalizada em dezembro de 2015 por fortuna similar, entretanto possuindo 82.300 funcionários. (iii) Estima-se que até 2020, 70% dos habitantes do planeta possuirão smartphones; Facebook, twitter, instagram, whatsapp passaram a integrar o dia a dia das pessoas no mundo inteiro. (iv) Noutra direção, o supercomputador Watson (IBM), orientado por um grupo de pesquisadores, após estudo revisado de 100 mil casos médicos, descobriu uma nova proteína para determinado tipo de câncer, o que foi posteriormente confirmado por cientistas da área.
Aliás, o sistema tipo Watson já processa traduções simultâneas, respondem à pergunta de celulares, substituem procedimentos de médicos, de advogados, de contadores, de policiais, de economistas, de operadores de mesa de Bolsas de Valores. A inteligência artificial do Watson, que a IBM apresentou em 2007 como um supercomputador capaz de aprender e conversar de igual para igual com humanos para em breve substituí-los em diversas tarefas.
Assim, as chamadas operações de alta frequência – realizadas por programas de computadores com algoritmos que compram e vendem ativos financeiros em milésimos de segundos – correspondem hoje a 70% do volume negociado do mercado de ações norte-americano e 30 a 40% no mercado europeu.
Desemprego estrutural e crescente. Armas
“Não sabemos se a inteligência artificial vai ou não se tornar um pesadelo da ficção científica, mas certamente terá impacto fundamental na natureza do trabalho”, avalia o filósofo americano Jerome Glenn, diretor-executivo e cofundador do projeto Millennium, organização sem fins lucrativos internacional dedicada a analisar e projetar cenários futuros. As interações entre inteligências artificiais e a proliferação da nanotecnologia, da robótica e da automação poderão produzir um cenário de desemprego sem precedentes, avalia Glenn, que há quarenta anos faz projeções para instituições que trabalham com a produção e a difusão de conhecimento, os think tanks.
Segundo concluiu Glenn em um de seus “cenários” prospectivos, “A tendência é de mais desemprego onde não houver planejamento e estratégias públicas de longo prazo, sobretudo em relação à não adoção de novas tecnologias.”. E acrescenta: “A expectativa de que a biologia sintética estimule o crescimento econômico, mas também seja fonte para os desastres biológicos e insumo para o terrorismo.”.
Note-se bem: em agosto deste ano (2017), 116 especialistas em AI e tecnologia avançada, de 27 países, enviaram uma Carta à Convenção das Nações Unidas Sobre Certas Armas Não Convencionais. Entre eles Elon Musk, fundador da Tesla, e Mustafa Suleyman, nada menos que o criador do laboratório de inteligência artificial da Google. Especialistas em AI, líderes políticos e religiosos, e inclusive prêmios Nobel da Paz como Jody Williams advertem sobre os dilemas éticos e legais de se permitir que uma máquina mate seres humanos (impossível determinar o responsável direto pelos “erros” que cometam essas máquinas), assim como o perigo de se desenvolver armas independentes que tecnologicamente estão impossibilitadas de distinguir alvos civis e militares. É necessário impedir uma nova carreira armamentista nessas bases, declaram explicitamente. [Ver: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=230590]
Também no estudo The Future of Employment: How susceptible are Jobs to Computerisation? (O futuro do emprego. Como são suscetíveis os postos de trabalho com a informatização? setembro de 2013) [2], que aborda o que se chama de “desemprego tecnológico” com foco nos EUA, defende-se que, à medida que as tecnologias de “machine learning” e robótica avançarem, será inevitável a substituição de funções ocupadas por humanos hoje. Tarefas e procedimentos bem definidos e repetitivos poderão ser substituídos por algoritmos sofisticados. O estudo estima também que nada menos que 47% dos atuais empregos nos EUA estão em risco. Entre estas funções estão motoristas de veículos como caminhões e táxis, estagiários de advocacia, jornalistas, auditores, desenvolvedores de software, administradores de sistemas de computação etc.
Aliás, no documento apresentado ao Fórum Econômico Mundial (Davos, fevereiro, 2016), The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial Revolution (O futuro dos empregos: emprego, habilidades e Estratégia da Força de Trabalho para a Quarta Revolução Industrial”), com base em pesquisa com 15 grandes economias do capitalismo desenvolvido e em desenvolvimento, conclui-se que haverá até 2020 um acréscimo de perda líquida e de empregos da ordem de 5 milhões de empregos, sendo a razão de 7,1 milhões para a criação de 2,1 milhões.
A esse respeito, alguns países do G-20 encaminharam estratégias recentes de médio e longo prazo, apostando firmemente na ideia dessa 4ª revolução industrial como irreversível. A própria China – que se autodefine como economia socialista de mercado ou numa fase primária do socialismo –, que presidiu a reunião de 2016 do G-20, propôs globalmente um Plano de Ação sobre a Nova Revolução Industrial para estabelecer respostas conjuntas quanto ao impacto no emprego, na formação profissional, infraestrutura, proteção da propriedade intelectual e auxílio à industrialização nos países em desenvolvimento. Os EUA, a Advanced Manufacturing (2011); a Alemanha, a Industry 4. 0 (2014); o Reino Unido, a Future of Manufactoring (2013); a França, a Industrie du Futur (2015); a Coreia do Sul, a Manufactoring Inovation 3.0 (2015); a Índia, a Make in Índia (2014); a China, a China Manufactoring 2025 (2015).
Anote-se: a China apresentou em agosto passado um plano de desenvolvimento para se tornar o líder mundial em inteligência artificial (AI, na sigla em inglês) até 2030 (22,15 bilhões de dólares, até 2020; 400 bilhões de iuanes (59,07 bilhões de dólares) até 2025), com o objetivo de superar seus rivais tecnologicamente e construir uma indústria doméstica no valor de quase US$ 150 bilhões. [Ver:https://br.reuters.com/article/internetNews/idBRKBN1A52NR-OBRIN]
Futuro sombrio
Em 2016, se o banqueiro (sionista) Stanley Fischer (Fed) dispensou as análises otimistas – “felizes”, escreveu – da recuperação americana, e as tendências (empíricas) claras daquilo que o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers alcunhou de “estagnação secular”, à vista, o sociólogo alemão Wolfgang Streeck causou certa celeuma com seu livro recém-publicado Como vai acabar o capitalismo? (Verso, setembro de 2016).
Segundo sugere Streeck, “o capitalismo, após mais de 200 anos, tornou-se insustentável porque se tornou ingovernável. Por trás desse distúrbio está aquilo que veio a ser sumariamente chamado de ‘globalização’: a expansão das relações capitalistas de mercado para além do alcance dos governos unificou o capitalismo, mas fragmentou a ação política coletiva.”.
Ainda de acordo com Streeck, três tendências se desenvolveram em paralelo no conjunto das ricas democracias capitalistas desde a década de 1970: a) crescimento em declínio; b) aumento da desigualdade de renda e de riqueza; c) expansão da dívida pública, privada e total. Hoje, essas três tendências parecem estar “se reforçando mutuamente”, onde o baixo crescimento contribui para a desigualdade através da intensificação do conflito distributivo; a desigualdade amortece o crescimento, pois reduz a demanda efetiva; os altos níveis das dívidas existentes obstruem os mercados de crédito, aumentando assim o risco de crises financeiras; um “setor financeiro inchado” tanto resulta quanto contribui para a desigualdade econômica etc.
Sobre o endividamento mundial, como se divulgou, um relatório do FMI (setembro, 2016) assinalara a montanha de débitos globais ter atingido o recorde de US$ 152 trilhões, nada menos que 225% do PIB do planeta, sendo disto dois terços de dívida privada (US$ 100 trilhões). Diz-se lá que “o elevado débito privado não apenas aumenta as chances de uma crise financeira como também dificulta o crescimento, pois devedores muito endividados eventualmente diminuem seu consumo e investimento.”.
Nesse quadro, em recente entrevista, Andreas Dombret (diretor do Bundesbank, o banco central alemão) afirmou que os bancos precisam entender que as demandas do cliente estão em evolução e que a cadeia de valor da intermediação financeira está sendo reorganizada. A digitalização está minando a base de clientes dos bancos. Além disso, o que os clientes mais jovens esperam é bem diferente do que esperam os clientes atuais – e essas expectativas estão em processo de mudança.
A concorrência das fintechs (tecnologia financeira), com seus modelos de negócios inovadores, já está corroendo a participação de mercado de muitos bancos. Além disso, a cadeia financeira de valor tradicional já está sendo desmontada e reorganizada pelas novas rivais. Isso significa que os serviços que costumavam ser entregues em um pacote por uma única instituição são agora oferecidos por vários players, com vários produtos intermediários sendo oferecidos por firmas de fora do setor tradicional.
Abordando outro assunto, o banqueiro alemão alertou para o fato de que “o mundo está testemunhando um momento em que as bases para uma nova crise podem estar sendo colocadas.”.
Nova fase do capitalismo?
Essa é a questão que nos parece central perscrutar: as grandes transformações financeiras e técnicas sequenciais que ocorrem no capitalismo desde o início dos anos 1980, com a ascensão do neoliberalismo, e impulsionadas pela crise dos anos 1970, originaram uma nova fase no capitalismo. Um novo patamar – degraus – no interior do estágio imperialista do sistema capitalista.
Recordemos en passant que, para Joseph Schumpeter, o processo do desenvolvimento, nucleado pelo “empresário inovador”, e o crédito, compreendiam: a) à introdução de um novo produto; b) à introdução de um novo método de produção, baseado numa descoberta cientificamente inovadora; c) à abertura de novos mercados; d) à conquista de uma nova fonte de matérias-primas; e) ao estabelecimento de um novo modo de organização de qualquer indústria (reestruturação, fragmentação de uma posição de monopólio, por exemplo).
A quarta Revolução Industrial desenha-se como um estágio qualitativamente superior ao desencadeado pela revolução técnico-científica baseada na microeletrônica. Distintamente desta (anterior) terceira revolução industrial – que não sofreu direta influência de tormentosas crises nos países do capitalismo central –, a relacionada à Indústria 4.0 gesta-se incontornavelmente no seio das crises financeiras sucessivas da era neoliberal, confluindo à depressão 2007-2009, e à estagnação persistente ainda 10 anos depois, particularmente naqueles países que foram seu estopim: a maioria da zona do euro, o Japão, os EUA.
No curso atual da 4ª revolução industrial, muito provavelmente, a) se reforçará a direção da acumulação capitalista no estrito sentido de inédita ultracentralização do capital; b) ampliar-se-ão as denominadas assimetrias tecnológicas entre o capitalismo central e o periférico e, com isso, as desigualdades econômicas e sociais; c) se golpeará mais profundamente a força de trabalho, elevando mais ainda o desemprego e estendendo-o a novas categorias profissionais, estabelecendo plenamente na dinâmica do regime do capital o conceituado por Karl Marx de “a contradição em processo”
A. Sérgio Barroso é médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois
Notas
[1] Hobsbawm, op. cit, descreve que a Krupp Ag, atualmente Thyssenkrupp Ag, é uma empresa cuja sede se localiza em Essen, na Alemanha. Constitui-se num dos principais grupos industriais do país, tendo se destacado na produção de aço, armas, munições e equipamentos. Seu registro oficial era Fried Krupp Ag. Foi fundada por Friedrich Krupp (1787-1860) em 1811, mais tarde o seu filho, Alfred Krupp (Essen, 1812, 1887), assumiu a direção da empresa. Com faturamento de 13,7 bilhões de euros em 2006, a Schneider Eletric está hoje presente em 190 países, com mais de 205 fábricas, mais de 105 mil funcionários, proporcionando os mais elevados níveis tecnológicos, de acordo com as principais normas de qualidade e segurança nacionais e internacionais.
[2] Ver: .
[3] Ver: .