Cultura
Edição 147 > Manoel Rangel encerra mandato de 10 anos na Ancine deixando legado de grandes conquistas para o audiovisual brasileiro
Manoel Rangel encerra mandato de 10 anos na Ancine deixando legado de grandes conquistas para o audiovisual brasileiro
O audiovisual brasileiro é um símbolo da resistência ao golpe de Estado no País. Por fora?, cineastas, artistas e outros profissionais não dão trégua ao governo ilegítimo de Michel Temer. "Por dentro", gestores públicos lutam para preservar e expandir as conquistas dos governos Lula e Dilma. Nesse cenário, sobressai a atuação da Ancine, que, sob o comando de Manoel Rangel, liderou a implantação de uma bem-sucedida política de Estado para o setor

É tempo de mudança na Agência Nacional do Cinema (Ancine). No próximo dia 20 de maio, o cineasta Manoel Rangel Neto, membro do Comitê Central do PCdoB, deixa o posto de diretor-presidente da estatal do Ministério da Cultura (MinC) que regula o audiovisual brasileiro. Dos 12 anos em que integrou a direção da Ancine, em dez Rangel esteve à frente dela. Nenhum outro comunista permaneceu por tanto tempo no comando de um órgão federal. Mesmo na comparação com outras agências reguladoras ou estatais do gênero, trata-se de um feito raro.
“Os homens fazem a própria história”, mas sob circunstâncias “legadas e transmitidas pelo passado”, escreveu Marx, há 165 anos, no 18 de Brumário de Luís Bonaparte. No caso de Manoel Rangel, as circunstâncias não parecem suficientes para compreendermos sua história na Ancine. Nomeado ao cargo máximo da agência em dezembro de 2006, ele se reportou a nada menos que três presidentes da República e sete ministros desde então. Algumas transições foram harmoniosas, como a indicação de Juca Ferreira a ministro da Cultura, em 2007, no lugar de Gilberto Gil. Noutro extremo, houve o “golpe branco” de 2016, que culminou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) e na ascensão do governo ilegítimo de Michel Temer (PMDB). Ao dirigente da Ancine, não havia alternativa: era preciso ser – e ele se revelou – um habilidoso “homem de Estado”, capaz de dialogar com gestores de perfis distintos, sobrevivendo e reafirmando-se a cada ruptura institucional.
Da mesma maneira, Rangel se dedicou a um trato respeitoso e qualificado com os realizadores do audiovisual. Em 2011, no princípio das gestões de Dilma na Presidência e de Ana de Holanda no MinC, um manifesto assinado por 200 profissionais do cinema cobrava mais agilidade na tramitação de projetos de interesse do setor, além de desburocratização nos processos de captação e prestação de contas. As intempéries não puseram efetivamente em risco a agenda da Ancine, e os realizadores viraram, aos poucos, os principais defensores da política do audiovisual brasileiro.
Não é por acaso que, desde o início do ano, eles têm manifestado preocupações com a saída de Rangel, numa expressiva demonstração do respaldo que a agência e seu comandante, gradativamente, conquistaram no setor. Em fevereiro, cineastas apresentaram, no contexto do Festival de Berlim, um manifesto em defesa “de todos os tipos de audiovisual no Brasil”, bem como “a continuidade e o incremento dessa política pública”. O documento, lido pela diretora Daniela Thomas na Alemanha, alertava para o risco de o nosso audiovisual, “especialmente o autoral”, acabar.
“Tudo o que se alcançou até aqui é fruto de um grande esforço do conjunto de agentes envolvidos entre Ancine, produtores, realizadores, distribuidores, exibidores, programadores, artistas, lideranças, poder público, entre outros”, registra o texto. “Acima de tudo, queremos garantir que qualquer mudança ou aperfeiçoamento nas políticas do audiovisual brasileiro sejam amplamente debatidos com o conjunto do setor e com toda a sociedade.”.
Pois passado pouco mais de um ano do impeachment de Dilma, o Brasil enfrenta retrocessos generalizados nas mais diversas áreas – e uma das poucas exceções é o nosso audiovisual. O apoio à política encabeçada por Manoel Rangel na Ancine se cristalizou a ponto de o cinema ser um dos setores que mais se contrapõem à gestão golpista e ultraliberal de Michel Temer, Henrique Meirelles, Roberto Freire et caterva.
Há qualquer coisa de espantoso nisso, tão menos pelos trunfos e potenciais do cinema nacional em si, tão mais pela crueza desta Sodoma em que se transformou o Brasil pós-golpe. Estamos – não dá para esquecer – em tempos de crise política e viragem conservadora; de ruptura institucional na Presidência e no MinC; de recessão e ajuste fiscal; de Operação Lava Jato e cerco à Lei Rouanet. A despeito de tudo, o cinema brasileiro resistiu! E o melhor: resistiu “por dentro” (na ação de gestores públicos) e também “por fora” (na luta diária dos realizadores).
O cinema reagiu tão bem que continuou a bater uma série de recordes. Para começar, a marca de 143 filmes brasileiros lançados em 2016 não tem precedente. Foram 97 obras de ficção, 45 documentários e uma animação. Juntas, essas produções tiveram 30,4 milhões de espectadores (a maior bilheteria do cinema nacional desde 1984) e representaram 16,5% dos 184,3 milhões de ingressos vendidos no ano passado (índice superior aos 13% registrado em 2015). Nada menos que 96,4% dos bilhetes para filmes nacionais foram comercializados por distribuidoras do próprio País.
O parque exibidor permaneceu em expansão, chegando a 3.168 salas de cinema em funcionamento em dezembro passado. O crescimento foi de 7% no Centro-Oeste e 10% no Nordeste. Com salas quase integralmente digitalizadas, a receita gerada em 2016 foi de R$ 2,6 bilhões (oitavo ano seguido de alta real). Mesmo sob a pior das recessões no País – com retração acumulada de 7,2% do PIB e redução de 11% da renda per capita no biênio 2015-2016 –, os brasileiros não deixaram de ir ao cinema. Se a crise política não afetou a oferta, tampouco a crise econômica estancou a procura.
Não que os novos ocupantes do Palácio do Planalto tenham poupado a Cultura. Ao contrário: tão logo Temer tomou posse como presidente interino, seu primeiro ato foi enxugar o número de ministérios. O MinC, uma das pastas extintas, já tinha um dos orçamentos mais baixos do governo federal e sofrera um profundo contingenciamento, passando de R$ 3,3 bilhões em 2015 para R$ 2,4 bilhões em 2016. Mas a turma do cinema não se calou. Finda a posse de Temer e anunciadas as “medidas de austeridade”, um dos primeiros protestos (e talvez o de maior repercussão fora do País) não ocorreu numa praça ou avenida brasileira, mas sim no Boulevard de la Croisette, em Cannes, na Riviera Francesa. Ali, em 17 de maio de 2016, a equipe de Aquarius aproveitou os holofotes do Festival de Cannes para denunciar o golpe em curso no Brasil.
Perfilados para uma sessão de fotos no tapete vermelho, o diretor Kleber Mendonça Filho, a atriz Sônia Braga e outros representantes do filme abriram seus cartazes: “O Brasil vive um golpe de Estado”; “54.501.118 votos estão sendo queimados”; “O mundo não pode aceitar um governo ilegítimo”; “Chauvinistas, racistas e golpistas como ministros”; “Vamos resistir!”. Era um sinal alentador. No Exterior, a denúncia de um impeachment sem base legal poderia ter passado em branco. Mas a manifestação em Cannes furou o bloqueio e pautou a grande mídia internacional.
Não parou por aí: a turma do cinema aderiu às ocupações de equipamentos culturais e a manifestos reivindicatórios, bem como ao abaixo-assinado on-line contra a extinção do MinC que reuniu mais de 53 mil apoiadores. Sem contar os novos, criativos e variados protestos que roubaram a cena em outros tantos festivais.
Em meio a esse cenário de conquistas e inquietações, Manoel Rangel participou, em 12 de abril passado, de um bate-papo no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, na região central de São Paulo. A poucas semanas de deixar o cargo, o dirigente da Ancine demonstrava otimismo. Embora qualquer órgão público em transição corra risco de perdas, esvaziamentos e desmontes, a Ancine – disse ele – “está fortalecida e consolidada. Nossas diretrizes e nossos projetos estão assentados em marcos legais que ‘pegaram’. São leis que efetivamente funcionam.”.
Quais marcos legais, exatamente? Além da Medida Provisória (MP) n. 2.228-1/2001 – que originou a Ancine –, Rangel cita a criação do Fundo Setorial do Audiovisual (Lei n. 11.437/2006), a Lei da TV Paga (Lei n. 12.485/2011) e o programa Cinema Perto de Você (Lei n. 12.599/2012).
Ao ratificar que a criação da agência, em 2001, foi um divisor de águas para o audiovisual brasileiro, Rangel ressalta o papel dos gestores que o antecederam, incluindo aqueles que trabalharam sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Muito embora nove das dez agências reguladoras federais datem desse período – a Era FHC, marcada pela política econômica neoliberal –, a Ancine é uma espécie de “ovelha negra”, com mais diferenças do que semelhanças em relação às suas congêneres.
A pretexto de “reformar” os aparelhos do Estado, a administração tucana promoveu um acelerado processo de desmonte do patrimônio público, cujo destaque foi a privatização de setores sob monopólio estatal. Ao criar autarquias voltadas à regulação, à fiscalização e ao controle de certas atividades econômicas, FHC priorizou justamente as áreas desestatizadas – serviços públicos que passaram às mãos da iniciativa privada. Assim surgiram, por exemplo, as agências nacionais de Energia Elétrica (Aneel, 1996), Telecomunicações (Anatel, 1997) e Petróleo (ANP, 1998).
Porém, como a privataria não era consenso e carimbava no PSDB um timbre entreguista, essas reguladoras acabaram por assumir uma função complementar e simbólica: reforçar a imagem de um governo supostamente sensível aos compromissos nacionais e ao interesse público. A Ancine, última das agências reguladoras gestadas por FHC, fugiu à regra, na medida em que não foi um subproduto da escalada neoliberal no País.
“A MP 2.228, além de estabelecer a Ancine, sintetizou uma legislação para o setor que estava dispersa em diversos órgãos federais. A base de sua concepção foi o melhor da experiência internacional, já que a Ancine combina regulação e fomento”, afirma Rangel. Mais do que isso, a agência supriu o “vácuo” deixado pelo fim da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), extinta no início do governo Collor (1990-1992). Para Rangel, “era fundamental recriar um órgão do Estado dedicado à política do cinema e do audiovisual.”.
O “vácuo” a que o diretor-presidente da Ancine se refere é um capítulo traumático na história do nosso cinema. Nas décadas de 1970 e 1980, graças à Embrafilme, o País lançava uma média de 80 produções anuais. Uma das fontes do fomento era a taxação sobre filmes estrangeiros – o que, ao longo de 20 anos, ajudou a financiar mais de 300 longas-metragens e pelo menos mil curtas. Impulsionado pela reserva de mercado para nossos filmes – que chegou a 140 dias por ano em 1979 –, o cinema nacional respondia, nos bons momentos, por um terço dos ingressos vendidos.
A redemocratização, em 1985, não ajudou a Embrafilme a se renovar. Mas o cinema foi beneficiado com a criação do MinC e a aprovação da Lei n. 7.505/1986, a Lei Sarney (pioneira na implantação de incentivos culturais ou artísticos, via renúncia fiscal). Todo esse esforço é abortado abruptamente em 1990, a partir da chegada de Fernando Collor de Mello à Presidência. Em poucos dias de governo, Collor dilapidou as estatais ligadas à Cultura, como a Embrafilme, anulou a Lei Sarney e rebaixou o status do MinC (de ministério para secretaria nacional). “Agora é o mercado que define o que quer”, vangloriou-se o secretário de Cultura, Ipojuca Pontes.
Sem a Embrafilme, sem a Lei Sarney, sem o MinC – em suma, sem o Estado –, diversas áreas da Cultura foram a pique. O cinema, em particular, entrou na maior crise de sua história. Menos de dez filmes nacionais foram lançados por ano, em média, no período de 1991-1994. Festivais brasileiros tiveram de se abrir para produções estrangeiras. A hegemonia de Hollywood nas bilheterias atingiu o auge. Entregues à própria sorte, os cinemas de bairro praticamente desapareceram, dando lugar à era das salas multiplex em shopping centers.
A lenta recuperação do cinema brasileiro dependeu de uma nova leva de projetos de incentivos fiscais – a Lei Rouanet, de 1991 (governo Collor) e a Lei do Audiovisual, de 1993 (gestão Itamar Franco). Entre uma e outra medida, Itamar reativou, em 1992, o Ministério da Cultura. Sob FHC, as atribuições do MinC pouco se alteraram – mas os investimentos cresceram. Expressão disso é a “retomada” do nosso cinema, iniciada em 1995, com o surpreendente sucesso do filme Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, de Carla Camurati. O número de filmes lançados cresce gradualmente, ano a ano. Mas, sem uma estatal para planejar e executar uma política para o setor, os avanços ficavam cada vez mais restritos à produção, com sérios gargalos na distribuição e na exibição.
Portanto, menos como um eco do neoliberalismo, e mais em virtude de uma demanda potencializada pela “retomada”, a Ancine surgiu em boa hora, voltada em especial às empresas, ao mercado. Em 2003, com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a nomeação de Gilberto Gil para o MinC, o eixo de atuação da agência se modificou. “Tanto na construção quanto na aplicação de uma política do Estado para o audiovisual, as empresas são importantes. Mas, como se trata uma política pública, o foco não pode ser o produtor, o distribuidor, o empresário do audiovisual – mas, sim, a sociedade brasileira”, explica Rangel. De resto, o MinC, sob a liderança de Gil, ganha prestígio, vê seu orçamento ser valorizado, lança projetos seminais, descentraliza o fomento e, acima de tudo, incorpora de vez a missão de construir políticas públicas.
Outro feito do governo Lula foi o aumento real na renda dos trabalhadores. Beneficiados com iniciativas como a valorização do salário-mínimo e as políticas de transferência de renda, os brasileiros passaram a adquirir cada vez mais produtos e serviços – o que ajudou a elevar a base de consumidores nos mais diversos setores regulados, como o audiovisual.
Fruto da nova conjuntura, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) é aprovado. “O painel de financiamento público do audiovisual se completou. Conseguimos retomar a ideia de que o Estado deve ter um instrumento financeiro, um meio de ação concreta, para atuar nos gargalos do desenvolvimento do setor”, diz Manoel Rangel. Diferentemente das leis de incentivo – que permitem apoio indireto ao cinema, de acordo com as prioridades da iniciativa privada –, o FSA se converte num fomento público direto. “O cinema no Brasil precisava ir além do apoio das empresas, senão estaria condenado a um teto”, afirma o presidente da Ancine. “Até 2005, a verba para o cinema era de aproximadamente R$ 30 milhões por ano. Com a criação do Fundo, injetamos, de cara, mais R$ 70 milhões e ampliamos nossa capacidade regulatória.”.
Mais impactante e mais comemorada ainda foi a Lei da TV Paga, assinada pela presidenta Dilma. “Em termos de estímulo à produção nacional e de fortalecimento da regulação, certamente essa lei é a mais importante. Nossa cobertura se entendeu aos serviços audiovisuais como um todo, com exceção apenas da TV aberta”, avalia Rangel. É também, segundo ele, “a primeira grande resposta à convergência digital, ao relacionar audiovisual e telecomunicações. Foi o reconhecimento de que a regulação por tecnologias específicas não faz mais sentido.”.
A Lei da TV Paga assegurou a oferta de “programação de conteúdos brasileiros nos canais de espaço qualificado”. Em emissoras que exibem predominantemente filmes, séries, animações e documentários, a cota semanal de conteúdo nacional é de 3 horas e 30 minutos no horário nobre. Metade desse período deve ser reservada a produtoras brasileiras independentes. Ainda que emissoras esportivas e jornalísticas pagas tenham ficado de fora da nova regulação, a medida induziu uma demanda potencial mínima de 1.070 horas anuais de conteúdos nacionais e independentes inéditos. Assim, produtoras estrangeiras e brasileiras passaram a ter garantias de que seus projetos poderiam ser absorvidos pelo mercado.
“Em 2011, havia cerca de 700 obras brasileiras licenciadas para a TV paga com produção independente. Em 2012, já com a vigência da lei, passamos para 2.700 obras. Em 2016, já eram 5 mil”, enumera Rangel. Com mais demanda, a produção não ficou restrita ao eixo Rio-São Paulo – pequenas produtoras despontaram em diversas regiões do País. O orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual saltou de R$ 100 milhões por ano para R$ 1,2 bilhão, ao passo que o número de assinantes de TV paga é estimado, hoje, em 18,7 milhões – eram 3,5 milhões em 2002.
No campo da distribuição de filmes, o setor passou por uma interessante reviravolta. Até a década passada, as gigantes norte-americanas (“majors”) dominavam a bilheteria de filmes estrangeiros e também brasileiros. Em 2009, em virtude de ações desenvolvidas pela Ancine, empresas brasileiras entraram com força nesse mercado, assumindo a distribuição dos filmes nacionais. Hoje, elas são responsáveis por mais de 90% da bilheteria de filmes brasileiros. “Essa relação é mais vantajosa para o ciclo econômico do cinema. Empresas brasileiras têm uma relação de maior solidariedade com o conteúdo brasileiro. O produto tem prioridade na agenda da empresa, e sua exploração retorna no ciclo econômico.”.
Com a produção e a distribuição mais sistematizadas, faltava revitalizar a exibição. O programa Cinema Perto de Você deu impulso à ampliação e à modernização do mercado exibidor Brasil afora. As 3.168 salas de cinema existentes hoje representam quase o dobro das 1.635 salas contadas em 2002. “Estamos próximos de alcançar o recorde de 3.350 salas que tivemos em meados da década de 1970. Mas era um outro momento – o cinema não tinha a concorrência de tantos serviços audiovisuais. E o que temos hoje é o parque exibidor mais moderno na história do Brasil. Investimos em quantidade e em qualidade”, afirma Manoel Rangel.
Já o projeto Brasil de Todas as Telas, lançado em 2014, com investimentos em todas as cadeias do audiovisual, vai nessa direção. Em três edições, os recursos destinados ao projeto ultrapassam a cifra de R$ 2,5 bilhões – sendo R$ 1,2 bilhão no próprio ano de 2014, mais R$ 640 milhões em 2015 e outros R$ 740 milhões no ano passado. “Nossa política ganhou uma escala à altura do País, com medidas que garantem a produção de conteúdos em todos os estados brasileiros, em articulação com emissoras públicas e privadas.”.
Hoje, depois de 14 anos da construção de uma vitoriosa política de Estado pela Ancine, o audiovisual brasileiro bate recordes no tripé produção-distribuição-exibição. Há planejamento para cada segmento, com metas de médio e longo prazo. O cinema tem fomento, estímulo e diversidade. O acesso foi democratizado, fortalecendo o mercado interno e ampliando o consumo de produtos e serviços culturais. Empresas brasileiras são valorizadas. O audiovisual atende aos interesses da sociedade.
Do alto desse extraordinário balanço e mesmo de saída da Ancine, Rangel pensa alto – e pensa à frente: “A única indústria que se sustenta no mercado internacional é a dos Estados Unidos. Por isso, economias audiovisuais em todo o mundo – no Canadá, na França, no Reino Unido – protegem seu mercado interno. Se queremos ter uma indústria audiovisual robusta no Brasil, o mercado interno é a questão central – tem de ser o nosso foco. E temos de buscar relevância no cenário internacional”, diz ele. “Temos um Plano de Diretrizes e Metas, cujo objetivo central é fazer do Brasil um dos maiores mercados audiovisuais do mundo até 2020.”.
Para seu sucessor, Rangel vislumbra um desafio urgente: regular o mercado do vídeo por demanda, dominado hoje pelo Netflix. “Levamos o tema ao Conselho Superior de Cinema, que realizou quatro sessões e recolheu as experiências internacionais”, explica. “É uma nova fronteira na expansão dos serviços audiovisuais, com força para competir de igual por igual com o cinema e a televisão. Se não for regulado, o vídeo por demanda vai abalar todos os outros serviços existentes.”.
Mas estas e outras questões não estarão mais sob a responsabilidade de Manoel Rangel, que está de partida. Em 20 de maio, ao se despedir da Agência Nacional do Cinema, ele talvez olhe para os lados e veja escombros de muitas das políticas implantadas nos 13 anos sob os governos Lula e Dilma – parte da ruína está espalhada no próprio MinC. Mas, se olhar para trás e contemplar precisamente o que se conserva da Ancine – o legado de sua gestão para o nosso audiovisual –, a vista será um alento. À frente, por fim, o horizonte do audiovisual pode não ser tão sombrio. Foi possível resistir, há que se fazê-lo ainda mais – “por dentro” e “por fora”.
* André Cintra é jornalista