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Internacional

Edição 144 > Pequena história de um século da Grande Revolução de Outubro

Pequena história de um século da Grande Revolução de Outubro

Bernardo Joffily
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A décima e última parte da série de artigos do jornalista Bernardo Joffily sobre a história da Revolução Russa destaca que a derrocada da experiência socialista soviética não significou o fim do socialismo em muitos países que ainda o aplicam (China, Cuba, Vietnã, Coreia do Norte e outros), tampouco sepultou a vasta obra teórica e prática que, ainda hoje, alimenta o sonho da humanidade por um mundo mais igualitário, livre dos ditames do capital

10. O socialismo pós-soviético vai bem, obrigado

Tal e qual ao fim da Comuna, mas em escala incomparavelmente maior, o mundo pensante burguês apresentou o colapso da União Soviética como a morte do socialismo. Enfim, antes tarde do que nunca – proclamou-se com estardalhaço –, a humanidade estava livre, para os séculos dos séculos, daquela louca tentativa de superar a exploração do homem pelo homem, o mercado e suas crises, em uma sociedade de trabalhadores livres e fraternos.
Foi de fato uma vitória de proporções históricas do capitalismo como sistema social, e em especial do capitalismo estadunidense, ponta de lança do bloco ocidental triunfante na Guerra Fria. Não só a URSS deixou de existir, todas as experiências socialistas do Leste Europeu que acompanhavam a liderança soviética pereceram também, antes mesmo da potência líder. Um pouco mais tarde, sucumbiram igualmente as variantes europeias orientais dissidentes de Moscou – “pela direita”, com a desintegração da Iugoslávia do socialismo autogestionário, e, “pela esquerda”, com a derrocada do socialismo albanês.
A hecatombe, porém, circunscreveu-se ao cenário europeu. Na Ásia, como na América Latina, o socialismo pós-soviético vai muito bem, obrigado. 
Nenhuma das experiências socialistas não europeias feneceu. Todas sofreram – cada uma ao seu modo – os impactos do desmoronamento soviético. Mas todas deram a volta por cima, tirando lições da rota da URSS para melhor prosseguirem em suas trajetórias próprias.

A China e seu pujante Socialismo de Mercado

Entre esses países, destaca-se a República Popular da China, não só pelas dimensões colossais da nação mais populosa do mundo, mas principalmente pelo seu impressionante sucesso. Não sem percalços e ziguezagues. O caminho chinês para o socialismo foi sendo construído por tentativa e erro, a partir da tomada do poder em 1949 e, mesmo antes disso, nas zonas libertadas pela guerrilha. Alguns intentos tiveram resultados bastante duvidosos, como o “Grande Salto Adiante” (1958-1960), e outros foram francamente desastrosos, como a “Grande Revolução Cultural” (1966-1969). E foi a partir das reformas de 1978 que o “socialismo com características chinesas” encontrou seu caminho.
O artífice dessa linha foi Deng Xiaoping [1904-1997]. Filiado ao PC da China em 1923, quando estudava na França, e a seguir na URSS, companheiro de Mao na Longa Marcha (1934-1935), Deng foi um dos quadros mais criticados na “Revolução Cultural”, expurgado da direção e enviado ao campo como simples operário. Beneficiou-se, porém, da aversão da Revolução Chinesa – ao contrário da Soviética, ou da Francesa – a “devorar os seus filhos”. Reabilitado na fase final da era Mao, ele marcou a fundo o último quartel do século passado na China.
As reformas de Deng têm sido descritas como capitalistas, e seu autor nunca ocultou que elas continham concessões ao capitalismo. No fundo, elas retomaram, em maior escala e numa perspectiva de longo prazo, a linha da NEP de Lênin, num esforço para erguer as bases do socialismo na China extremamente pobre e atrasada. Seu teor de inovação começou pelo nome, Socialismo de Mercado, que faz com que muitos torçam o nariz, em nome do marxismo-leninismo, embora o próprio Stálin, em seu último escrito afirmou:
“Planejamento e forças de mercado” – disse Deng – “não são a diferença essencial entre socialismo e capitalismo. Economia planificada não é uma definição de socialismo, pois há planejamento igualmente no capitalismo; a economia de mercado atua também no socialismo. Planejamento e forças de mercado representam, ambos, instrumentos de controle da atividade econômica”.
Por quer os povos fazem revoluções

Um postulado que à primeira vista pode parecer um tanto acaciano, mas que encerra uma importante verdade, aponta que os povos fazem revoluções para viverem melhor. Sob este ponto de vista, a Revolução Chinesa se sobressai. Talvez nenhum outro povo tenha melhorado tanto de vida quanto os chineses a partir de 1978. 
Na sequência das reformas, a China viveu um crescimento sem precedentes do seu Produto Interno Bruto (PIB). Conforme o critério hoje mais adotado de comparação dos PIBs, o da Paridade de Poder de Compra (PPP), a China a partir de 2014 suplantou o dos EUA como maior economia do planeta, segundo os testemunhos insuspeitos do Fundo Monetário Internacional (ver <http://www.imf.org/external/datamapper/index.php>) e, mais ainda, da CXIA (ver  <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/fields/2001.html#ch>). O fato, piedosamente abafado pela mídia ocidental, deu uma resposta eloquente a todos que, com base na fase final e decadente da experiência soviética, tentam associar capitalismo a pujança econômica e socialismo a atraso e pobreza.
As inovações de Deng não se confinaram à economia. Coube a ele a iniciativa de conduzir sua própria sucessão, em vida (1992), quebrando o costume que dava uma espécie de caráter vitalício à direção dos PCs (depois dele, uma regra não escrita estabeleceu um teto de dois mandatos de cinco anos para o cargo de presidente do PCCh).
Em sua fase final à frente do Partido e do Estado, Deng Xiaoping enfrentou os ecos da derrocada soviética, que na China assumiram a forma dos Protestos da Praça das Paz Celestial (Tiananmen), de abril a junho de 1989. Cerca de quatro mil estudantes ocuparam a Praça, com diferentes reivindicações, onde aos poucos foi aflorando a tentativa de levar a China a um desfecho semelhante aos do Leste Europeu. “Todo o mundo imperialista ocidental planeja fazer todos os países socialistas descartarem a via socialista e então colocá-los sob o monopólio de capital internacional e na via capitalista”, comentou Deng na ocasião. 
Em 4 de junho, o exército forçou a desocupação da Tiananmen, ao custo de entre 400 e 800 mortes, segundo o The New York Times. O episódio não teve sequência. Embora a China seja uma sociedade complexa, comportando diferentes nacionalidades e conflitos – inclusive entre o capital e o trabalho, com greves e manifestações –, é notório o lastro de apoio popular ao regime, estribado no rápido desenvolvimento, no patriotismo chinês e na liderança do PCCh. 

Vietnã e Laos, “tigres vermelhos”

Após expulsar os últimos soldados estadunidenses e reunificar-se, em 1975, o Vietnã desde 1986 enveredou por uma linha de reformas que lembra a chinesa, batizada Renovação (Doi Moi). E o resultado, guardadas as proporções, espelhou-se no da China. O país de 90 milhões de habitantes (pouco mais que o Egito, a Alemanha ou a França), em um território igual ao do Maranhão, multiplicou por nove o seu PIB (PPP) nas duas décadas entre 1985 e 2016, tornou-se exportador de petróleo e um pólo turístico emergente, visitado anualmente por mais de 8 milhões de estrangeiros, sobretudo da China e Coreia. 
 O Laos, com população e área um pouco menores que as de Goiás, seguiu trajetória semelhante à do vizinho Vietnã. Juntos sofreram a dominação colonial francesa e a ocupação militar norte-americana, libertaram-se em 1975 e seguiram pela via da construção socialista, colaborando estreitamente entre si. 
O Vietnã e o Laos ainda pagam um duro tributo por causa da agressão militar dos EUA: 39 mil vietnamitas foram mortos e 66 mil mutilados ou feridos por minas deixadas pelos agressores; no Laos, há quase duas gerações depois do fim do conflito, o número de mortos e mutilados ainda chega a 50 por ano. Mesmo assim, impuseram-se como países de rápido desenvolvimento. Se no fim do século passado a Ásia capitalista notabilizou os “tigres asiáticos”, no século 21 os dois países se projetam como “tigres vermelhos” de pujante desenvolvimento.

Coreia do Norte, caricatura e realidade

A mídia ocidental insiste em pintar uma imagem caricata da República Popular Democrática da Coreia. Descreve-a como um país esfaimado e fanático, à mercê de uma dinastia de tiranos comunistas sedentos de sangue.
A caricatura pouco ajuda a compreender a realidade da parte socialista da Península Coreana, dividida ao meio, no paralelo 38 N, desde o armistício que interrompeu, mas não encerrou, a guerra de 1950-1953. Até hoje o estado de guerra perdura. O Pentágono mantém 763 mísseis nucleares na parte sul da Península. Mas esbraveja quando o Norte, em legítima defesa, reage desenvolvendo também o seu programa, defensivo, de armamento nuclear. E este mesmo programa, com suas ogivas e seus mísseis, demonstra um país com respeitável desenvolvimento tecnológico e militar, além de uma arraigada decisão de jamais aceitar uma volta ao jugo colonial que sofreu, por parte do Japão, entre 1910 e 1945.
O estado de beligerância, sob a mira da maior potência militar de todos os tempos, é um pesado ônus para a Coreia do Norte. Deve-se a ele, em grande parte, a relativa timidez de Pyongyang em avançar mais depressa no desenvolvimento da “sua NEP”. Mesmo assim há avanços, e o país pode ingressar em um ciclo de prosperidade, sobretudo à medida que se desatravanquem as relações Norte-Sul.
 Janela de oportunidade para Cuba

A Ilha de Fidel Castro viveu um momento dramático durante o chamado período especial, quando o colapso da União Soviética interrompeu bruscamente a ajuda, da ordem de US$ 5 bilhões anuais, antes oferecida a Havana. Até 1993, o comércio externo cubano reduziu-se a um quinto do que fora antes da crise, e as importações de petróleo a um décimo. Alastrou-se a escassez de alimentos, obrigando-a a um severo racionamento para impedir a fome. Até o fim do século, o nível de vida das pessoas permaneceu abaixo do padrão de 1989. Só pode ser qualificada de heroica a decisão com que o Partido Comunista e o povo de Cuba enfrentaram o desafio.
Paradoxalmente, porém, o colapso da URSS obrigou a Ilha a romper o círculo vicioso que a condenava, desde os tempos coloniais, à monocultura da cana de açúcar. E, também, a lançar reformas econômicas que tornassem o socialismo cubano mais realista e dinâmico. As transformações, iniciadas ainda sob a liderança de Fidel, ganharam impulso no período de Raúl Castro – a partir de 2006.
Com o novo milênio, um novo modelo de desenvolvimento passou a se delinear: no lugar da monocultura açucareira, turismo e economia do conhecimento. A Ilha, com 11 milhões de habitantes (população e área um pouco maiores que as de Pernambuco), passou a receber mais turistas estrangeiros/ano que o Brasil inteiro. E as decantadas conquistas da Revolução em saúde e educação converteram-se em ativos econômicos, com a exportação de medicamentos, de médicos, de educadores e programas educacionais. Dos 75 mil médicos cubanos, 15 mil atuam em outros países, inclusive no Brasil do Mais Médicos, gerando consideráveis divisas para seu país.
Em dezembro de 2014, Cuba e os EUA anunciaram o reatamento de relações diplomáticas e o início de um processo que fatalmente redundará no fim de meio século de bloqueio imposto por Washington na tentativa de sufocar a revolução. A iniciativa, que contou com a mediação do papa Francisco, teve importância histórica para Cuba e a América Latina como um todo. Representou tanto uma confissão de fracasso da política estadunidense do bloqueio como, por ironia, uma janela de oportunidade para o socialismo cubano; ali, onde alguns enxergaram o perigo de uma hipotética contaminação capitalista, a pátria de Martí e Fidel conquistou melhores condições para desenvolver o projeto iniciado com o desembarque do Granma e a guerrilha da Sierra Maestra.
Durante muitas décadas Cuba permaneceu como a única experiência socialista no Ocidente, uma pequena ilha vermelha a desafiar todo um hemisfério que se tornara sinônimo de capitalismo. Nos primeiros passos do século 21 esse cenário começou a mudar. A América Latina passou a inclinar-se para a esquerda, aproveitando-se da brecha presidencialista e elegendo sucessivos presidentes à esquerda. Os mais radicalizados desses processos avançaram a ponto de se assumirem enquanto projetos socialistas – foi o que ocorreu primeiro na Venezuela de Hugo Chávez, a seguir na Bolívia de Evo Morales e no Equador de Rafael Correa. O ponto que os diferencia mais nitidamente da linhagem iniciada com a experiência soviética é que eles não têm os Partidos Comunistas no comando. E os episódios mais recentes submetem toda a guinada esquerdizante latino-americana a uma dura prova. Mesmo assim, os brotos do “socialismo do século 21” recém-germinados no Novo Mundo são novas evidências de que – ao contrário do que asseverara o mundo pensante burguês – o socialismo vive.

“A prova do pudim é comer o pudim”

As experiências socialistas que chegam ao nosso século são diferenciadas, cada qual com seus traços, suas identidades e qualidades e defeitos próprios. A China, por exemplo, foi mais ambiciosa em seu projeto de reformas, seguindo-se o Vietnã, o Laos, mais tarde Cuba, e por fim a mais contida Coreia do Norte. Mas a diversidade aqui é uma prova de vitalidade, pois uma das vantagens do socialismo pós-soviético é justamente ter quebrado o tabu de um modelo socialista único a ser reproduzido no mundo inteiro.
Isto, por si, não preenche o vazio causado pela derrota soviética. Enquanto existiu, a República Socialista dos Sovietes despertou uma tamanha avalanche de esperanças, entre outras coisas, por aparecer como demonstração viva da necessidade do socialismo, sistema destinado a superar os antagonismos que o desenvolvimento do próprio capitalismo acarretava, 
Quatro séculos antes, o filósofo inglês Francis Bacon afirmara que “a prova do pudim é comer o pudim”. Nas pegadas de Bacon, os socialistas marxistas proclamavam que “a prática é o critério da verdade”. Pois bem, a URSS funcionava como o pudim devorado, a demonstração de que a humanidade seguia para o socialismo, para alguns quase em marcha batida e retilínea, já que “a roda da história não gira para trás”.
Pois bem, desmentindo essa crença, a roda da história girou sim para trás, foi-se o pudim soviético e com ele a demonstração que parecia tão sedutora e convincente. As experiências socialistas que passaram no duro teste da Queda do Muro já não têm o mesmo glamour da iniciada em 1917, em parte porque se veem constrangidas a fazer reformas que contêm concessões capitalizantes, mas principalmente porque sempre pesará sobre elas a suspeita de que podem ter o mesmo triste fim da URSS, e de fato não se pode excluir de antemão essa hipótese.
Então... Então, a prova do pudim continuará a ser comer o pudim: resistir ao capitalismo, quebrar sua cadeia de domínio a partir dos elos mais fracos, construir a nova sociedade a partir do rescaldo das ruínas da antiga, sem rechaçar liminarmente o recurso às concessões, mas selecionando entre estas apenas aquelas que fazem avançar, exercitando-se na difícil arte da transição, transição que é o outro nome do socialismo. 
No fundo, foi isso o que fizeram, já lá vai um século, Lênin e seus camaradas bolcheviques, quando dispararam os canhões do Aurora e tomaram o Palácio de Inverno dos Czares. E a maior demonstração da necessidade do socialismo não se encontra nos méritos desta ou daquela experiência socialista, por imensos e preciosos que eles sejam, mas em primeiro lugar no fato de que o capitalismo continua a produzir, a cada dia, os seus próprios coveiros. É essencialmente por isso que, ao fim e ao cabo, a roda da história seguirá adiante e a causa de 1917 há de triunfar.

* Bernardo Joffily é jornalista, colaborador da Princípios e autor do Atlas Histórico Brasil 500 anos.

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