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Reforma Política
PEC 36: restrição à democracia para garantir a pauta entreguista.

É preciso derrotar as propostas restritivas contidas na PEC da reforma política apresentada no Senado pelo PSDB. Não somente por conta do alijamento de correntes de opinião progressista dos espaços de poder, mas principalmente porque são parte central de um conjunto de medidas que representam o mais grave retrocesso democrático e econômico dos últimos 50 anos
De tempos em tempos as forças conservadoras apostam em quebras das regras institucionais e na tentativa de reduzir o espaço de debate institucional. Foi assim na cassação do registro do Partido pelo Tribunal Superior Eleitora (TSE) em 1946, e também foi essa a motivação das reformas políticas da ditadura militar em 1964 e 1968. As variações de maior ou menor participação política em nossa história são intrinsicamente ligadas ao acirramento ou não da luta de classes.
E nesta atual quadra histórica, em que as forças conservadoras conseguiram alto grau de unidade de ação contra os avanços e conquistas dos períodos Lula e Dilma e patrocinaram um golpe institucional apoiado por uma maioria circunstancial, eis que ressurge novamente a verve de reduzir a participação política.
A atual investida contra a democracia é feita através da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 36, de 2016, de autoria dos tucanos Ricardo Ferraço e Aécio Neves, e que teve o seu texto principal aprovado na forma do substitutivo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Essa PEC altera a Constituição Federal para vedar as coligações, estabelecer a cláusula de barreira e estabelecer normas sobre fidelidade partidária.
A proposta estabelece a proposição a que terão direito a funcionamento parlamentar os partidos políticos que obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo três por cento de todos os votos válidos, distribuídos em, pelos menos, catorze unidades da Federação, com um mínimo de dois por cento dos votos válidos em cada uma destas.
Além disso, há uma norma transitória que prevê que, nas primeiras eleições que se realizarem após a vigência da Emenda Constitucional que se originar da proposição, terão direito a funcionamento parlamentar os partidos políticos que obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo dois por cento de todos os votos válidos, distribuídos em, pelos menos, catorze unidades da Federação, com um mínimo de dois por cento dos votos válidos em cada uma destas.
Com base em dados publicados pelo TSE (disponíveis em <http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-candidaturas-2014/copy_of_estatisticas-eleitorais-2014>), se estivessem em vigor os critérios previstos na PEC nº 36/2016, teriam direito a funcionamento parlamentar, de acordo com os resultados eleitorais de 2014, apenas os seguintes partidos políticos:
PELA REGRA TRANSITÓRIA (2% dois por cento de todos os votos válidos, distribuídos em, pelos menos, 14 unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma destas) PELA REGRA PERMANENTE (3% de todos os votos válidos, distribuídos em, pelos menos, 14 unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma destas)
PT | PSDB | PMDB | PP | PSB | PSD | PR | PRB | DEM | PTB | PDT | SD | PSC PT | PSDB | PMDB | PP | PSB | PSD | PR | PRB | DEM | PTB | PDT
Total: 13 partidos Total: 11 partidos
Para ilustrar o caráter restritivo da PEC, digamos que nas eleições de 2014 as novas regras estivessem valendo. O número de deputados eleitos por cada partido seriam estes da tabela ao lado.
Repare que os três maiores partidos (PMDB, PT e PSDB) aumentariam significativamente suas bancadas, enquanto partidos como PV, PCdoB e PPS perderiam metade ou mais de suas cadeiras na Câmara.
Esses cálculos foram feitos a partir dos dados disponibilizados pelo TSE e das normas previstas no Código Eleitoral, a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965:
Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos a purados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior.
Art. 107. Determina-se para cada Partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração.
Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.
Parágrafo único. Os lugares não preenchidos em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as regras do art. 109.
Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 108 serão distribuídos de acordo com as seguintes regras:
I – dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente partidário do art. 107, mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima;
II – repetir-se-á a operação para cada um dos lugares a preencher;
III – quando não houver mais partidos ou coligações com candidatos que atendam às duas exigências do inciso I, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentem as maiores médias.
§ 2º Somente poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos ou as coligações que tiverem obtido quociente eleitoral.
Art. 111. Se nenhum Partido ou coligação alcançar o quociente eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais votados.
Dentro desses critérios, em sete Unidades da Federação (Acre, Distrito Federal, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Tocantins) apenas um partido político atingiria o quociente eleitoral e levaria todas as vagas e, no estado do Amapá, nenhum partido atingiu o quociente eleitoral e seriam eleitos os oito candidatos mais votados, independentemente dos partidos políticos.
Isso mostra de forma inequívoca o caráter restritivo, antidemocrático e cerceador dessa PEC.
Importante que também se resgate a memória da última medida cerceadora do funcionamento partidário que teve impacto semelhante que foi a Lei n. 4.740, de 15 de julho de 1965, criada a partir do famigerado Ato Institucional número 2.
Essa lei da Ditadura trazia entre as exigências para a criação dos partidos em seu artigo 7º o seguinte texto:
“Art. 7º O partido político constituir-se-á originariamente de, pelo menos, 3% (três por cento) do eleitorado que votou na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em 11 (onze) ou mais Estados, com o mínimo de 2% (dois por cento) em cada um.”
E qual foi o resultado prático dessa medida- Restaram como partidos a ARENA e o MDB.
O que o PSDB propõe é mais draconiano que o instrumento gestado pelo AI-2. Naquele momento, o AI-2 foi necessário para consolidar os militares no Poder, afastando a sociedade dos espaços de poder.
Neste 2016, repete-se a tática com o mesmo objetivo.
Esta forma modernizada de voto censitário tem perfeita sintonia com as demais propostas do governo golpista e seus sicários: afastar a população da educação e da saúde, dos direitos trabalhistas e principalmente afastá-la dos espaços institucionais para que essas propostas possam vigorar pelo maior tempo possível.
É intrínseca à luta de classes a dominação de todo o aparato estatal, com atenção especial aos aparelhos ideológicos do Estado. A mídia tem cumprido de forma acentuada esse papel, ao dar voz e imagem aos que defendem esse estrangulamento das regras democráticas.
Para a efetiva recuperação e aplicação do projeto neoliberal, faz-se mister que as mudanças econômicas sejam acompanhadas de mudanças na participação política. Do contrário, correm o risco de ver seu projeto desmontado como foi feito de forma esparsa e fraca nos governos Lula e Dilma.
Entretanto, mesmo esse recuo que não afetou alicerces fundamentais da economia capitalista é considerado intolerável pelos setores ligados ao capital financeiro.
Estes argumentos reforçam a necessidade de derrotar esta PEC. Não somente por conta do alijamento de correntes de opinião progressista dos espaços de poder, mas principalmente porque são parte central de um conjunto de medidas que representam o mais grave retrocesso democrático e econômico dos últimos 50 anos.
* Vanessa Grazziotin é senadora pelo Amazonas, líder do PCdoB no Senado.