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Internacional

Edição 142 > Pequena história de um século da Grande Revolução de Outubro

Pequena história de um século da Grande Revolução de Outubro

Bernardo Joffily
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Nesta oitava parte (de um total de 10) da série de artigos sobre a Revolução Russa, o jornalista Bernardo Joffily aborda um dos períodos mais polêmicos da trajetória socialista soviética. Este período foi marcado pela forte guinada do regime — ocorrida a partir do 20º Congresso do PCURSS, o primeiro após a morte de Stálin — quando Nikita Kruschev apresenta aos comunistas russos uma nova linha fortemente marcada pela ideia de “coexistência pacífica entre o socialismo e o capitalismo”. O kruschevismo também veio marcado por uma verdadeira cruzada contra a imagem e o legado de Stálin, com repercussões internacionais

8. A grande cisão no movimento comunista


Em fevereiro de 1956 a trajetória da União Soviética sofreu uma forte guinada com o 20º Congresso do PCURSS.  Uma considerável parcela dos comunistas do mundo não aceitou a nova linha e o movimento dividiu-se.

A Linha dos Três Pacíficos 

Nesse primeiro Congresso após a morte de Stálin, Nikita Kruschev, que se impusera aos poucos como principal dirigente do Partido, apresentou o que ele próprio caracterizou como uma nova linha para os comunistas da URSS e de todo o mundo, batizando-a Linha dos Três Pacíficos: Coexistência pacífica entre o socialismo e o capitalismo (um conceito que Lênin também empregara, mas em sentido bem distinto); emulação pacífica entre os dois sistemas (de modo a demonstrar a superioridade do socialismo); e a transição pacífica do capitalismo ao socialismo, o mais controvertido dos três postulados, uma vez que os comunistas, embora não excluindo em tese a possibilidade de uma passagem pacífica, desde o Manifesto comunista, “declaram abertamente que seus fins só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda ordem social até aqui vigente”. 
A linha de Kruschev representava uma reviravolta de grandes proporções. Os comunistas, como vimos, vinham sendo combatentes incansáveis pela paz, porém havia enorme distância entre isto e fazer da paz a linha geral estruturante de toda a luta. No mesmo instante em que o 20º Congresso se reunia no Grande Palácio do Kremlin em Moscou, os vietcongues de Ho Chi Minh pegavam em armas pela libertação do Vietnã do Sul, alvo da agressão neocolonial estadunidense, em uma epopeia que iria marcar época; por toda a Ásia e África, fervilhavam as guerrilhas de libertação; na América Latina, em dezembro do mesmo ano, Fidel Castro e seus companheiros iniciariam a vitoriosa saga guerrilheira de Sierra Maestra.

O Relatório Secreto de Nikita Kruschev

Contudo, o ponto crucial da guinada foi o informe apresentado por Kruschev sob o título Sobre o culto da personalidade e suas consequências, mais conhecido como Relatório Secreto de Kruschev – embora imediatamente tenha vazado para a agência de notícias britânica Reuters, e daí para as primeiras páginas de toda a imprensa. O conteúdo do Relatório era o ataque a Stálin, a pretexto de combate ao culto da personalidade – um vício de fato muito difundido. 
O filósofo italiano Domenico Losurdo analisou o Relatório Secreto em seu livro Stálin, história de uma lenda negra (2010): “Estamos diante de uma requisitória que se propõe a liquidar Stálin sob todos os aspectos. Um indivíduo desprezível tanto no plano moral como no intelectual era o responsável por crimes horrendos”. Losurdo cita a síntese do historiador anglo-polonês Isaac Deutscher – Stálin, no informe de Kruschev, é “um enorme, sombrio, caprichoso, degenerado monstro humano” – e conclui:

“Interessado que está em apontar Stálin como o único responsável por todas as catástrofes que se abateram sobre a URSS, longe de liquidar o culto da personalidade, Kruschev se limita a transformá-lo num culto negativo. Continua firme a visão com base na qual in principio erat Stalin!” 

O italiano aponta ainda por que o Relatório “contentou a quase todos”. Por um lado, ele supostamente legitimava o novo grupo no poder na URSS; mas sob outro ângulo, em tempos de Guerra Fria, também fornecia satisfatória e até entusiasmante munição à cruzada antissocialista do Ocidente acaudilhado pelos EUA.
A resistência ao kruschevismo

A guinada de Nikita Kruschev causou forte abalo no movimento comunista em todo o mundo. Apesar do imenso prestígio do PCUS, isto como uma espécie de “partido pai”, boa parte da militância ficou chocada, ou indignada. Do outro lado da barricada, a linha do 20º Congresso ainda em 1956 encorajou revoltas de caráter antissocialista, na Polônia e na Hungria.
Dentro da própria URSS, em junho de 1957, o Birô Político do CC destituiu Kruschev da direção do Partido. Participaram aí Malenkov, Molotov, Kaganovich, Bulganin e outros veteranos dirigentes bolcheviques. Kruschev, porém, fez com que a reunião fosse sitiada por tropas do exército e terminou reconduzido. O marechal George Jukov (1896-1974), herói da Grande Guerra Patriótica, dirigiu essa ação militar de duvidoso heroísmo apenas para se ver defenestrado meses depois pelo grupo kruschevista. 
Na verdade, a tentativa de 1957 visando a debelar a guinada kruschevista que teve muito de cupulista e burocrática, não se deu conta das reais dimensões do problema. João Amazonas, à época esteve em Moscou, à frente de uma delegação do PC do Brasil, e deixou um vivo testemunho de que, apesar dos descontentamentos que tenham causado, a classe trabalhadora e os comunistas soviéticos terminaram acatando a linha do 20º Congresso, escorados na crença de que “a direção sabe o que faz”. 
Anos mais tarde, circulou na Europa um documento anunciando a refundação do PC (bolchevique) da URSS. O texto era sólido, convincente, mas nunca mais se teve notícias da organização que o assinava.
Mais consistente foi a reação em outros países, sobretudo ali onde o movimento comunista deitara raízes próprias e mais profundas. Entre os partidos no poder, os da China e da Albânia se destacaram. Mao Tse-tung, o dirigente do PCCh e da Revolução de 1949, emergiu como figura principal da contestação do kruschevismo, logo designado como “revisionismo kruschevista”.

“Linha de Pequim” versus “Linha de Moscou”

Por algum tempo, a intensa polêmica transcorreu a portas fechadas, em nome da preservação da unidade do movimento. As Reuniões de Partidos Comunistas e Operários, realizadas em Moscou em 1957 e 1960 (esta com 81 organizações presentes), redundaram em documentos de compromisso, tangenciando os pontos controversos. O embate de ideias, em artigos publicados em órgãos como o Pravda (soviético) e o Renmin Ribao (Diário do Povo, chinês), desancava a parte contendora sem citá-la pelo nome.
Mas logo a excepcional profundidade da cisão veio à luz do dia. 
O movimento comunista originário da Revolução de 1917 superara com relativa facilidade a dissidência trotskista dos anos 1920; esta sobrevivera em pequenos grupos, mas muito dividida interiormente e estéril, incapaz de influir nos rumos da luta. Em 1948 sofrera a defecção de Iosip Broz Tito, mas ela ficara confinada à Iugoslávia, um país de porte médio dos Bálcãs (que nos anos 1990, em seguida à Queda do Muro de Berlim, iria se esfacelar em meia dúzia de republiquetas). 
Dessa vez, porém, o embate tinha as dimensões de um duelo de gigantes. De um lado, estava a União Soviética, pátria de Lênin, berço da Revolução de Outubro, pioneira da construção do socialismo no mundo, encabeçadora da vitória sobre o nazi-fascismo. De outro, a China, com população igual a um quarto da humanidade, protagonista de uma revolução não menos portentosa e também representante da ebulição revolucionária que grassava com especial ímpeto naquilo que mais tarde ficaria conhecido como Terceiro Mundo – Ásia, África, América Latina.
O embate de ideias tornou-se escancarado, e inflamado. Das proclamações, passou aos rompimentos de relações, partidárias e estatais. Em março e agosto de 1969, chegou a degenerar em escaramuças militares, na fronteira sino-soviética ao longo do Rio Amur, que desagua no Oceano Pacífico, com quase uma centena de baixas fatais de cada um dos lados. Em inúmeros países os partidos comunistas existentes sofreram divisões – a primeira delas ocorrida no Brasil, onde a partir de 1962 os PCs do Brasil e Brasileiro passaram a se confrontar em uma luta sem quartel. 

A queda de Kruschev, a era Brejnev

Nikita Kruschev empenhou-se a fundo na “desestalinização”. Sem ele, a historiografia anticomunista não lograria jamais a proeza de transformar o discípulo de Lênin, de herói do triunfo sobre o nazi-fascismo, em vilão só comparável – e exaustivamente comparado – a Adolf Hitler. 
Kruschev terminou apeado da direção do PCUS, por seus próprios pares, em outubro de 1964. Mantido em prisão domiciliar em uma dacha (casa de campo), sofrendo repetidas crises depressivas, ditou um livro de memórias com sua versão dos acontecimentos que protagonizara, e o fez publicar no Ocidente em 1970, três anos antes de morrer. 
O sucessor de Kruschev, Leonid Brejnev (1906-1982), permaneceu mais tempo à frente do PCUS, 18 anos, até sua morte. Tanto na ideologia como na política interna e externa, a fase brejneviana pode ser vista como mais comedida que sua predecessora, pois Kruschev fazia uso de um estilo provocativo que chegava aos limites da bufonaria. Os ataques mais explícitos a Stálin saíram de cena. A direção do Partido e do Estado passou mesmo a flertar com uma certa reabilitação, atenta ao renitente prestígio que o alvo do Relatório Secreto conservava, e conserva, na memória do povo russo.
Em linhas gerais, entretanto, a era Brejnev manteve o mesmo rumo da de Kruschev. Foi igualmente um período de desaceleração econômica, atestada pelo desempenho decrescente dos próprios números oficiais soviéticos sobre o crescimento do Produto Material Líquido, como mostra a tabela abaixo:

Variação média anual do Produto Material Líquido da URSS, por plano quinquenal
Plano    Anos    Variação
Sétimo    1960-1965    6,5%
Oitavo    1965-1970    7,7%
Nono    1970-1975    5,7%
Décimo    1975-1980    4,2%
Décimo-primeiro    1980-1985    3,5%


1968: o social-imperialismo soviético

A ação internacional da URSS de Leonid Brejnev foi marcada, em agosto de 1968, pela ocupação militar da Tchecoslováquia (mais uma vítima do pós-Muro, segmentada em República Tcheca e Eslováquia, em 1992). Os tanques soviéticos puseram fim ao que a imprensa ocidental apelidou de “Primavera de Praga” – onda de reformas que poderia ser descrita como uma versão radicalizada da guinada de Kruschev, ou ainda como um prenúncio da derrocada do socialismo duas décadas mais tarde. A despeito do caráter antissocialista da “Primavera”, a invasão foi duramente contestada também à esquerda. Os movimentos estudantis, em plena ebulição naquele ano rebelde, manifestaram seu repúdio. A Albânia retirou-se do Pacto de Varsóvia, em protesto. A China repudiou o que chamou de “social-imperialismo soviético” e logo a seguir passou a denunciar a dominação do mundo por “duas superpotências imperialistas”, EUA e URSS, tratando a ambas como inimigos principais da humanidade progressista.
Estas caracterizações têm muito de caricaturesco, refletindo o clima inflamado da época. O termo “social-imperialismo” fora cunhado por Lênin, em 1914, mas em contexto completamente distinto, para repudiar a ajuda dos partidos socialdemocratas da II Internacional às “suas” burguesias imperialistas respectivas. E a equiparação do “social-imperialismo” soviético ao imperialismo estadunidense aprofundava o erro, igualando, na retórica, realidades históricas, econômicas, sociais e políticas radicalmente distintas.
Mas o fato é que a invasão da Tchecoslováquia maculou a imagem do País dos Sovietes como libertador dos povos, adquirido em 1917 e confirmado com acréscimos em 1944-1945. E, uma década mais tarde, já na fase final da era Brejnev (1979), outra incursão do exército soviético, no Afeganistão, teria ainda o agravante de redundar em derrota. O Exército Vermelho viu-se fustigado pela guerrilha dos mujahidins afegãos, apoiada pelos EUA e pela monarquia autocrática saudita, numa longa guerra de desgaste com efeitos políticos e militares desastrosos, como veremos adiante.

A prática é o critério da verdade 

A história, como os vinhos, os queijos ou os seres humanos, tem o seu tempo de maturação. Vistas do século 21, a guinada soviética do 20º Congresso e a grande cisão no movimento comunista pós-1956 adquirem cores, nuances e contornos mais precisos que aqueles discernidos à luz chapada de duas gerações atrás.
A linha de Nikita Kruschev foi, efetivamente, uma guinada à direita. Mas foi uma resposta de direita para problemas reais que vinham se acumulando desde bem antes. 
Houve, de fato, uma linha de concatenação conduzindo desde Kruschev até Mikhail Gorbachev e a Boris Iéltsin. E, hoje se sabe, esse caminho desembocou, ao fim e ao cabo, no fracasso e na morte da experiência socialista soviética. Caso se busque definir uma periodização acertada, o que sempre ajuda a se compreender os processos históricos, o 20º Congresso aparece como um ponto de inflexão, o marco inicial de um longo, paulatino e tortuoso período de decadência e crise da experiência soviética. 
Portanto, a resistência ao revisionismo kruschevista era justa, necessária, indispensável à causa do socialismo, mesmo que ao preço – que preço! – de se contestar, desmascarar e combater os dirigentes do Partido de Lênin e da Primeira Pátria Socialista. A prática é o critério da verdade e a prática demonstrou que aquele caminho levou ao fracasso, à traição e por fim ao aniquilamento da experiência soviética.
Ao passo que os desobedientes e rebeldes daquela época conduzem, para ficar num só exemplo, a República Popular Socialista da China, liderada pelo Partido Comunista da China, que, apoiando-se em sua original concepção de “socialismo de marcado”, desde 1978 multiplicou por 48 (!) seu Produto Nacional Bruto medido em dólares (no bicudo ano de 2015 o crescimento do PNB desacelerou para “apenas” 6,9%) e por 34 (!!) o PNB per capita. 
Mas é igualmente verdadeiro que essa confirmação não seguiu exatamente os caminhos que se divisava no calor e na paixão da época. Fez-se o caminho ao andar. Seria necessário um exame mais rigoroso e profundo para se chegar a noções e conceitos capazes de colocar em pratos limpos a trajetória dessas quatro décadas de decadência soviética, desastrosa e até funesta em seu resultado final, mas abigarrada e sinuosa em seu processo. Desde já, não é difícil distinguir um parentesco entre certas medidas de Kruschev, que a crítica antirrevisionista apontou na época como traições inaceitáveis, e outras mais tarde adotadas por estres mesmos críticos, pois eram, sim, concessões ao capitalismo, mas talvez concessões admissíveis, legítimas, ou até obrigatórias  – lembremo-nos da NEP –, na concretude de uma construção socialista que, afinal, não passa justamente de uma mediação entre o velho capitalismo que se pretende superar e a nova sociedade, o fim da pré-história da humanidade, que se almeja alcançar.
Os PCs do mundo reagiram de modo diferenciado ao grande cisma pós-1956. O do Brasil, como vimos, reorganizou-se e defendeu a “linha de Pequim”. Mas o do Vietnã declarou-se neutro face à cisão, mantendo relações tanto com Pequim como com Moscou. O da Coreia fez opção semelhante. O de Cuba, mesmo alinhando-se no bloco da “linha de Moscou”, deu repetidas provas (por exemplo, em Angola e outros países da África) de que pensava com sua própria cabeça. E o de Portugal, ou o do Chile, ou o da África do Sul, se eram tidos como “linha de Moscou”, nem por isso permitiram que sua ação, em seus países, se curvasse aos “três pacíficos” de Kruschev. Sobrevindo o colapso da URSS, eles e tantos outros reencontraram-se. O ponto do reencontro é a identidade comunista, reafirmada nas difíceis circunstâncias da era pós-soviética.
    
 *Bernardo Joffily é jornalista, tradutor, colaborador de Princípios e autor do Atlas Histórico IstoÉ Brasil 500 anos

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