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Brasil

Edição 140 > Do Estatuto da Cidade ao Estatuto da Metrópole: Desafios e entraves à efetivação da reforma urbana no Brasil

Do Estatuto da Cidade ao Estatuto da Metrópole: Desafios e entraves à efetivação da reforma urbana no Brasil

George Luiz Rocha da Câmara
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Este artigo aborda – num rápido balanço do período aproximado de quinze anos, entre dois importantes marcos jurídicos: o Estatuto da Cidade, de 2001, e o Estatuto da Metrópole, de 2015 – os principais desafios e entraves à efetivação da Reforma Urbana em nosso país

“O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.” Rudolf Von Ihering, A luta pelo direito.**

Nossas cidades e metrópoles 

ara efeito metodológico, considera-se a efetivação da Reforma Urbana a implementação dos instrumentos previstos nesses dois diplomas legais que objetivam a regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, assegurando a função social da propriedade e da cidade, no universo urbano e metropolitano brasileiro.
O crescimento brusco e desordenado das maiores cidades brasileiras agravou sobremaneira a qualidade de vida das pessoas. Essas cidades se tornaram o locus de graves problemas, como exclusão social, crise habitacional, segregação espacial, degradação ambiental, violência urbana e rebaixamento da qualidade dos serviços básicos oferecidos à população, entre outros. Problemas que se manifestam no cotidiano das pessoas e na gestão pública.
Esse modelo de cidades propiciou elevados ganhos para o capital especulativo imobiliário, que, com o caos instalado, soube tirar o seu proveito, fazendo fortuna com a desgraça alheia –, Diante da passividade e inoperância da gestão pública, na maioria dos casos.
Os dois marcos jurídico-legais aqui tratados chegam trazendo expectativas e esperanças, mas também apreensões e frustrações. Aqui, repete-se uma importante lição: na luta pela justiça, não basta aprovar a lei. Muitas vezes a batalha pela sua efetivação é ainda maior.
Por outro lado, apontam-se alguns caminhos a se percorrer. A luta para superar as desigualdades passa pela ação articulada com os vários segmentos interessados, na sociedade, juntamente com o poder público. Pessoas para quem os benefícios da lei mais se destinam.

Brasil: Urbanização acelerada e desordenada 

O Censo Demográfico de 2010 revela que 84,4% da população brasileira habitam em cidades. Isso equivale a 160.925.792 de pessoas. Conforme demonstram os dados da tabela 1, em apenas cinquenta anos antes, guardadas as devidas particularidades e proporções, o Censo de 1960 registrava números bem diferentes, ou seja, 45,1% da população ocupando o espaço urbano. Eram 32.004.817 habitantes, numa população total de 70.992.343.
As pessoas que migraram para as cidades nesse período não o fizeram de maneira ordenada, mas motivadas pela procura de oportunidades que lhes eram negadas nos seus locais de origem. A busca pelo acesso ao mercado de trabalho, à escola, aos serviços básicos de saúde, entre outros fatores, levou elevado número de famílias a migrar para os maiores centros urbanos em seus respectivos estados e regiões, dando origem ao que vemos hoje: amontoados urbanos desordenados. Nesse período, registra-se ainda a transferência de parcela de trabalhadores semiqualificados dos centros urbanos nordestinos para o Sudeste do país.
Preso a um modelo de dependência externa, o Brasil viveu um processo de industrialização / urbanização que fez crescerem o número e o tamanho de nossas cidades, esvaziando o campo, sem que houvesse um projeto nacional de desenvolvimento capaz de dar conta das inúmeras potencialidades desse país, voltado ao atendimento às necessidades básicas de sua população.
Simultaneamente a esse processo migratório, um outro fenômeno ocorreu durante o mesmo período: o surgimento de um elevado número de municípios em todo o Brasil. Conforme revelam os dados da tabela 2, enquanto o Censo de 1960 registrava a existência de 2.766 municípios, o de 2010 traz o número de 5.565.
Vale observar que entre o Censo Demográfico de 1980 e o de 1991 cresce em todas as regiões o número de municípios, a tal ponto que em todo o país surgem 500 novas emancipações, saindo de 3.991 em 1980 para 4.491 em 1991. Entre o Censo de 1991 e o de 2000 esse acréscimo dobra para 1.016 novos municípios, indo para 5.507 – acentuada elevação que se dá em todas as regiões. Verifica-se que isso ocorre, não por acaso, após a promulgação da Constituição Federal em 1988, que elevou o município à categoria de ente da Federação. No Censo de 2010 esse acréscimo é de apenas 58 novas emancipações.

POPULAÇÃO TOTAL, URBANA E RURAL NO BRASIL DE 1960 A 2010
CENSO    POP TOTAL    URBANA    %    RURAL    %
1960    70.992.343    32.004.817    45,1    38.987.526    54,9
1970    94.508.583    52.904.744    56,0    41.603.839    44,0
1980    121.150.573    82.013.375    67,7    39.137.198    32,3
1991    146.917.549    110.875.826    75,5    36.041.633    24,5
2000    169.590.693    137.755.550    81,2    31.835.143    18,8
2010    190.755.799    160.925.792    84,4    29.830.007    15,6

Tabela 1 / Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1960 a 2010

NÚMERO DE MUNICÍPIOS NO BRASIL E NAS REGIÕES DE 1960 A 2010
CENSO    BRASIL    NORTE    CO    SUL    SE    NE
1960    2.766    153    211    414    1.085    903
1970    3.952    195    254    717    1.410    1.376
1980    3.991    203    284    719    1.410    1.375
1991    4.491    298    379    873    1.432    1.509
2000    5.507    449    446    1.159    1.666    1.787
2010    5.565    449    466    1.188    1.668    1.794

 Tabela 2 / Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1960 a 2010

Independentemente de seu tamanho ou suas particularidades, verifica-se um traço comum nas cidades em nosso país. Ao abordar a “cidade caótica”, o geógrafo Milton Santos destaca:

“Com diferença de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem problemáticas parecidas. Seu tamanho, tipo de atividade, região em que se inserem, etc. são elementos de diferenciação, mas, em todas elas, problemas como os do emprego, da habitação, dos transportes, do lazer, da água, dos esgotos, da educação e saúde são genéricos e revelam enormes carências. Quanto maior a cidade, mais visíveis se tornam essas mazelas. Mas essas chagas estão em toda parte”. (1).

Aí vem nossa metrópole: Frágil, desigual, desarticulada... e violenta 

As principais regiões metropolitanas brasileiras surgiram no período de 1973 a 2007. As nove primeiras foram instituídas pela Lei Complementar Federal n. 14, de 8 de junho de 1973 (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém) e pela LCF n. 20, de 10 de março de 1974 (Rio de Janeiro).
A Constituição Federal de 1988 atribuiu a prerrogativa de criação de novas RM’s aos estados. Num recorte de tempo de 1995 até 2007, surgiram outras dezenove (Vitória/ES em 1995; Baixada Santista/SP em 1996; Natal/RN em 1997; e em 1998: Florianópolis/SC, Londrina/PR, Maceió/AL, Maringá/PR, Norte-Nordeste Catarinense/SC, São Luís/MA, Vale do Aço/MG e Vale do Itajaí/SC; em 1999, Goiânia/GO; em 2000, Campinas/SP; em 2002: Carbonífera/SC, Foz do Itajaí/SC e Tubarão/SC; em 2003: Aracaju/SE e João Pessoa/PB; em 2007, Manaus/AM).
Resultante de uma urbanização completamente desordenada, a formação das metrópoles no Brasil coloca em escala exponencialmente superior a problemática urbana da exclusão social, da segregação espacial, da violência urbana e da degradação ambiental, entre outras mazelas. Nossas metrópoles não surgem como produto do planejamento, mas da ausência deste. Para agravar o quadro caminham segundo a lógica localista, que isola cada município em seu casulo.
Podemos afirmar que, no geral, as metrópoles brasileiras passam a apresentar as seguintes características: na dimensão físico-territorial-ambiental, fragilidade; na dimensão socioeconômica, desigualdade; e na dimensão político-institucional, desarticulação.
Para os professores Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Orlando Alves dos Santos Júnior,

“Nas metrópoles brasileiras estão se concentrando os efeitos mais dramáticos da complicada crise societária que atravessamos. Para enfrentar esse quadro, o primeiro passo é compreender a questão metropolitana na sua complexidade”.

“Ao lado de sua importância demográfica e econômica, as metrópoles brasileiras estão concentrando hoje a problemática social, cujo lado mais evidente e dramático é a exacerbação da violência. O aumento da violência nas metrópoles guarda fortes relações com os processos de segmentação socioterritorial em curso, que separam as classes e grupos sociais em espaços da abundância e da integração virtuosa, e em espaços da concentração populacional e dos processos simultâneos de exclusão social”. (2).

Assim ficaram nossas metrópoles: frágeis, desiguais, desarticuladas... e violentas.

Estatuto da cidade
    
A Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001, está prestes a completar quinze anos de vigência. Há importantes conquistas a se registrar, especialmente com relação à ampliação dos espaços de participação popular, como nos casos da formação de conselhos, da realização de conferências e de audiências públicas. Por outro lado, constata-se que ainda falta muito para reduzir a distância entre as expectativas e as realizações.
O Estatuto da Cidade, no parágrafo único do artigo 1º, “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. (3).
A Lei estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana (garantia do direito a cidades sustentáveis; participação popular; cooperação entre agentes públicos e privados; planejamento do desenvolvimento das cidades; proteção do meio ambiente natural e do patrimônio cultural; produção de bens e serviços nos limites da sustentabilidade ambiental; recuperação pelo poder público de investimentos que tenham resultado na valorização imobiliária, entre outras), que devem ser implementadas por meio dos seguintes instrumentos principais:
Gestão democrática; plano diretor; parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; IPTU progressivo no tempo; desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública; usucapião especial; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; operação urbana consorciada; transferência do direito de construir; estudo de impacto de vizinhança; zona especial de interesse social (ZEIS); concessão de uso especial para fins de moradia (esse dispositivo foi vetado pelo presidente da República, mas reposto pela Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001).

Estatuto da metrópole 

Finalmente, o tão almejado Estatuto da Metrópole foi aprovado e sancionado há pouco mais de um ano, no dia 12 de janeiro de 2015 – é a Lei 13.089/2015. Em seu primeiro artigo, “estabelece diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e outros instrumentos de governança interfederativa, e critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança interfederativa no campo do desenvolvimento urbano”. (4).
Se, por um lado, há motivo para saudar este fato, por outro, surge a seguinte indagação: diante da situação de fragmentação política no território metropolitano, essa lei será capaz de constituir o quadro institucional necessário à construção da governabilidade das metrópoles brasileiras- Nesses espaços, em que pese sua relevância para o desenvolvimento nacional, não existem no plano político-institucional instrumentos capazes de propiciar sua governabilidade.
A leitura do texto revela a falta de condições institucionais e políticas que respondam a estes dilemas e desafios. A lei desconsidera as especificidades que caracterizam o fenômeno metropolitano, ao assumir como escopo da sua abrangência as atuais Regiões Metropolitanas.
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Orlando Alves dos Santos Júnior e Juciano Martins Rodrigues apontam algumas lacunas deixadas pela Lei 13.089/2015:

“Quanto à legitimidade funcional: como definir uma metrópole- Quanto à legitimidade política: como transformar o território funcional em território político- Quanto à legitimidade institucional: como gerar ações integradas de desenvolvimento urbano- (5).

Por uma nova ordem 

Segundo o professor Edésio Fernandes,

“Não há como enfrentar esse enorme desafio que é promover reforma urbana no Brasil se não se fizer uma profunda reforma jurídica no país: a cidade e a cidadania são o mesmo tema, e não há cidadania sem a democratização das formas de acesso ao solo urbano e à moradia nas cidades”. (6).

Não se pode negar a longa tradição civilista que prevalece no Brasil, privilegiando a definição dos direitos individuais de propriedade imobiliária subordinada a uma concepção da terra urbana como uma mercadoria, cujo conteúdo de aproveitamento econômico é determinado pelos interesses individuais do proprietário. Tal visão elitista absolutiza a forma específica da propriedade individual plena, em detrimento de outra abordagem, que considere o reconhecimento de formas coletivas de direitos reais de propriedade imobiliária.
Muito mais importante e justo do que “presentear” os pobres com um título individual de propriedade imobiliária, que demanda despesas com tributos e serviços nos parâmetros do mercado urbano, é reconhecer os direitos coletivos de posse que lhes assegurem acesso aos serviços e a uma vida digna em coletividade. Para piorar, a concepção do civilismo na definição dos direitos de propriedade vem acompanhada da ideologia do positivismo jurídico. É a supremacia da lei, de forma absolutamente a-histórica, sem levar em conta os movimentos da sociedade. Assim, paradoxalmente, o direito se torna um dos principais fatores que produzem a ilegalidade urbana. 

Necessária autonomia do direito urbanístico 

Acerca dos desafios e entraves à efetivação da Reforma Urbana em nosso país, importante debate se dá no campo do Direito. No Brasil, entre os poucos juristas que tratam da questão urbana, muitos o fazem ainda na perspectiva restritiva do Direito Administrativo, tratando o Direito Urbanístico como um sub-ramo daquele. Ou mesmo do Direito Ambiental.
Mas a Constituição Federal de 1988 faz referências explícitas ao Direito Urbanístico, atribuindo um capítulo à Política Urbana, nos artigos 182 e 183. Além disso, foram claramente cumpridos todos os “critérios” tradicionalmente exigidos para o reconhecimento da autonomia de um ramo do direito: o Direito Urbanístico tem objeto, princípios, institutos e leis próprios. Vejamos o que afirma o professor Edésio Fernandes:

“Como objeto, o Direito Urbanístico visa a promover o controle jurídico do desenvolvimento urbano, isto é, dos vários processos de uso, ocupação, parcelamento e gestão do solo nas cidades. Também os princípios do Direito Urbanístico são claros, o mais importante deles sendo sem dúvida o da função social da propriedade e da cidade. Vários outros princípios importantes consagrados pelo Estatuto da Cidade podem ser brevemente mencionados: o do urbanismo como função pública; o caráter normativo das regras urbanísticas; a conformidade da propriedade urbana às normas urbanísticas; a separação do direito de construir do direito de propriedade. Também se aplicam ainda o princípio da coesão das normas urbanísticas; o da justa distribuição dos benefícios e ônus da urbanização e o da afetação das mais-valias ao custo da urbanização, para que o poder público possa recuperar e reverter, em prol da comunidade, a valorização imobiliária que decorre do investimento público para as propriedades privadas”.

“São muitos os institutos típicos do Direito Urbanístico: os planos (plano diretor, plano de ação, plano estratégico, etc.); o parcelamento do solo urbano (arruamento, loteamento, desmembramento); o zoneamento (incluindo os índices urbanísticos como taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, modelos de assentamento, recuos, gabaritos, etc.). O Direito Urbanístico brasileiro tem seu próprio conjunto de leis próprias e específicas, incluindo, além das disposições do capítulo constitucional sobre política urbana e o Estatuto da Cidade, a importante lei federal de parcelamento do solo e diversas outras leis federais ambientais e sobre o patrimônio histórico e cultural; centenas de leis estaduais e milhares de leis municipais”. (7).

Inovar na gestão: um pacto territorial 

Também no plano da gestão, a experiência vai demonstrando o esgotamento do modelo tradicional do “cada um por si”, que tem colocado num verdadeiro dilema os três entes da Federação: União, estados e municípios. Há que se construir um novo caminho para enfrentar a dura realidade das metrópoles brasileiras: frágeis, desiguais e desarticuladas, como já apontado.
Para o debate, buscamos uma contribuição da professora Maria do Livramento Miranda Clementino acerca da concertação de “um pacto territorial” entre diferentes atores sociais. Para a sua concretização, a professora Livramento aponta:

“É necessário, principalmente em se tratando do Brasil, levar em conta a necessidade de incorporação da variável política ao planejamento técnico regional e de considerar as especificidades municipais, uma vez que cada um dos sistemas possui lógica própria e se distribui no território metropolitano de modo particular, sem mencionar que a ideia toca num aspecto político fundamental da redemocratização do País: a descentralização”.

“No Brasil a integração entre níveis de governo far-se-á pela negociação política e, como a questão metropolitana é tratada nesse âmbito, a organização dessa cooperação em bases democráticas e participativas é desejável porque problemas comuns devem ser resolvidos no plano da política. Trata-se, no caso, de partilhar com parceiros o poder de, entre outros, alocar recursos, priorizar obras e oferecer programas de ação”. (8).

Mobilização popular, caminho para o avanço

Para alguns, numa dada sociedade, as conquistas democráticas e os avanços de caráter progressista dependem da boa vontade dos governantes ou de alguma manobra perspicaz dos representantes dos setores populares. A vida tem demonstrado o equívoco de tal formulação. Conquista é produto da luta social. Da participação popular desde a elaboração e aprovação de uma lei de interesse daquela coletividade até a sua completa aplicação.
No cotidiano das pessoas, envolvidas pelo pragmatismo dos ganhos imediatos e específicos, muitas vezes tais lições caem no esquecimento ou na subestimação, perdendo-se a visão panorâmica e a perspectiva estratégica da luta pelas transformações sociais de cunho qualitativo. Na cidade, na disputa pelo espaço urbano, pelas condições de vida digna no território, materializadas no acesso à terra urbana e aos serviços mais elementares, não é diferente. 
Com o surgimento do Estatuto da Cidade e do Estatuto da Metrópole, importantes passos foram dados na luta pela afirmação da função social da propriedade e da cidade, envolvendo representativos segmentos: movimentos sociais, acadêmicos, institucionais, parlamentares progressistas, técnicos e gestores comprometidos com os avanços na sociedade.
Mas o capital, como o Rei Midas, transforma a cidade numa mercadoria – e, como tal, submetida à lógica perversa do mercado, que despreza o bem-estar das pessoas. E na sua ofensiva consegue adeptos aos seus interesses. No parlamento, na gestão e em outros setores dessa mesma sociedade dividida em classes. Especulando com a terra urbana, corrompendo técnicos, gestores e parlamentares que se prestam a tais expedientes.
Diferentemente dos setores populares, que travam sua luta democrática à luz do dia, em campo aberto, os inimigos da Reforma Urbana operam muitas vezes às escondidas, utilizando mecanismos nada republicanos para manter privilégios e verdadeiras fortunas para poucos, em detrimento dos interesses maiores da coletividade.
Nessas condições, só há um caminho: a luta popular, com milhares e milhões de pessoas, nas praças e ruas. Da favela à academia, da escola ao posto de saúde, da igreja ao campo de futebol. Afinal, a cidade de todos não pode ser conquista de apenas alguns.
* George Luiz Rocha da Câmara é vereador em Natal pelo Partido Comunista do Brasil, membro do Parlamento Comum da Região Metropolitana de Natal e Conselheiro Titular do Conselho Nacional das Cidades (CONCIDADES).


Notas

**  IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2002. 
(1) SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5ª ed. São Paulo: Edusp, 2005, p. 105.
(2) RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz & SANTOS JÚNIOR, Orlando Alves dos. As grandes cidades e a questão social brasileira: reflexões sobre o Estado de exceção nas metrópoles brasileiras. In: CASTRO, Erika de & WOJCIECHOWSKI, Maciej John (org.). Inclusão, colaboração e governança urbana: perspectivas brasileiras. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles; Belo Horizonte: PUC/Minas, 2010, p. 47-49.
(3) Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001, artigo 1º, parágrafo único.
(4) Estatuto da Metrópole – Lei 13.089/2015, artigo 1º. 
(5) RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; SANTOS JÚNIOR, Orlando Alves dos & RODRIGUES, Juciano Martins. Estatuto da Metrópole: o que esperar- Avanços, limites e desafios. Disponível em .
(6) FERNANDES, Edésio. Do Código de 1916 ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a trajetória do Direito Urbanístico no Brasil. In: VALENÇA, Márcio Moraes (ed. / org.). Cidade (i)legal. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008, p. 65.
(7) Idem, p. 59 e 60.
(8) CLEMENTINO, Maria do L. M. Inovação no desenho das relações intermunicipais: o pacto territorial. In: LIMA, Antônia Jesuíta de (org.). Cidades Brasileiras: atores, processos e gestão pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 161 e 169.

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