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Internacional

Edição 138 > Barack Obama: atualização de sua política em relação a Cuba (2015-2016)

Barack Obama: atualização de sua política em relação a Cuba (2015-2016)

Luis René Fernández Tabío
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O ajuste na política do governo de Obama em relação a Cuba, na sua última etapa (2015-2016), tem fatores determinantes no momento político interno desse país, nas características da liderança do presidente e em suas próprias visões a respeito. Trata-se, sem dúvida, de uma decisão com transcendência histórica nas relações Estados Unidos-Cuba, na qual o papel do presidente Barack Obama deve ser reconhecido

As impressões desempenham um papel fundamental no curso das políticas dos Estados Unidos. Elas se baseiam em análises do país emissor sobre os efeitos ou resultados no país receptor, bem como sobre o que se espera delas num prazo determinado. Ainda que os fatores internos constituam um componente principal na política exterior estadunidense, percebe uma inter-relação cada vez mais dinâmica e intensa entre os interesses domésticos na formação de tal política e os interesses do contexto internacional, tanto em escala regional, sub-regional, quanto global. O caso da política dos Estados Unidos em relação a Cuba não é uma exceção.

Nesta apresentação, tratar-se-á de resenhar brevemente as principais forças e condições que impulsionaram as decisões anunciadas no final de 2014 com respeito às relações entre os Estados Unidos e Cuba. Preliminarmente, parece ter sido determinante a combinação de fatores e processos internos desenvolvidos em Cuba e nos Estados Unidos, que influem sobre suas conflitivas relações bilaterais e sobre o contexto regional e internacional. Parte-se do pressuposto de que os componentes essenciais do conflito entre os dois países não desaparecem, tampouco os interesses estratégicos e objetivos das partes envolvidas; o que muda é o discurso da política norte-americana, a oportunidade dos instrumentos empregados para fazer sua política em relação a Cuba, além do contexto regional e global, que desafia cada vez mais a hegemonia estadunidense. Realiza-se aqui uma exploração preliminar das possíveis perspectivas da relação bilateral nessas novas circunstâncias. As páginas seguintes são dedicadas ao exame desse assunto.

Alguns antecedentes e premissas

A política dos Estados Unidos em relação a Cuba, desde o triunfo da Revolução, em janeiro de 1959, esteve altamente relacionada com interpretações e valorações, muitas vezes equivocadas, sobre o momento pelo qual atravessa o sistema político, econômico e social cubano, as suas forças e debilidades reais ou aparentes e, sobretudo, as tendências ou perspectivas futuras. Uma pergunta crucial nessas análises é se o transcurso do tempo não estaria acompanhado do debilitamento ou do fortalecimento de um sistema político, econômico e social de orientação socialista, que a classe política norte-americana se esforçou em derrubar, tolher e reinserir em seu sistema de dominação, desde os primeiros momentos do estabelecimento de tal sistema no grande arquipélago do Caribe.

As políticas de isolamento e de sanções a Cuba foram desenhadas, obviamente, para o quebrantamento da Revolução e para conseguir o que, em uma linguagem mais recente, tem se denominado de mudança de regime, para substituir o indesejado por outro, que responda aos interesses da classe política dominante nos Estados Unidos.

O momento precedente, dentro da etapa revolucionária que esteve provavelmente mais próxima do restabelecimento das relações diplomáticas e de uma modificação mais profunda da política norte-americana em relação a Cuba, foi durante a presidência de James Carter (1977-1980). Naquelas circunstâncias, o processo político, econômico e social da Ilha vinha se institucionalizando e, em geral, a posição do país se fortalecia. Isso ocorria no marco das relações de integração e associação com a desaparecida União Soviética, desde meados da década de 1970, com o Primeiro Congresso do Partido, a provação da Constituição socialista, a incorporação de Cuba ao Conselho de Ajuda Econômica Mútua e a introdução do denominado Sistema de Direção e Planejamento da Economia. Iniciava-se assim, com a formalização das relações econômicas preferenciais com a URSS e com o campo socialista, uma etapa de avanços econômicos, de crescente reconhecimento internacional e de ampliação de suas relações internacionais, em meio a um ambiente de distensão na confrontação característica durante a chamada Guerra Fria.

A situação política internacional ao final da década de 1980 e início da de 1990 foi totalmente distinta, o que impactou Cuba e suas relações com o governo estadunidense de Ronald Reagan, à frente de uma aliança de forças conservadoras, que modificaria significativamente a economia e a política exterior norte-americana. O debate sobre o enfoque privilegiado na política dos Estados Unidos em relação a Cuba despois de 1989 e no começo da década de 1990 foi também afetado pela situação socioeconômica interna cubana, em um contexto internacional muito desfavorável para seu desenvolvimento. A conjuntura daquele momento histórico parecia justificar o início das negociações bilaterais e uma suspensão gradual das sanções econômicas aplicadas. O desaparecimento da URSS e do campo socialista no leste europeu, o fim da bipolarização e a suposta nova ordem internacional significavam um duro golpe para a economia cubana, em meio às modificações apontadas no contexto internacional. Os pretextos precedentes para a aplicação do bloqueio: -ameaça comunista-, -exportação da revolução-, -satélite da URSS-, desafio para a segurança nacional dos Estados Unidos, careciam já de todas as bases de fundamento. Em troca, prevaleceu, na política norte-americana em relação a Cuba, o enfoque conservador de direita das forças dominantes do sistema político norte-americano. Esses setores supunham que, nas novas condições enfrentadas por Cuba, o bloqueio conseguiria, finalmente, colocar a Revolução de joelhos e reverter o processo.

A política de dois trilhos tratava de conciliar o isolamento e as sanções com o aumento da influência dos denominados instrumentos brandos, como as viagens e as remessas, identificados também como -diplomacia povo a povo-. Porém, a prática foi demonstrando uma contradição irreconciliável entre estes dois trilhos; e o pior é que, desde a perspectiva norte-americana, se tornava cada vez mais evidente seu fracasso: não se conseguia derrotar o governo revolucionário e socialista. Além disso, a política dos Estados Unidos em relação a Cuba ficava cada vez mais num isolamento maior e recebia críticas não somente em escala mundial, como na Assembleia Geral das Nações Unidas, mas também no contexto regional latino-americano e caribenho.

O início das negociações entre os governos dos Estados Unidos e de Cuba, durante o verão de 2013, deve-se ao amadurecimento simultâneo e inter-relacionado de três cenários: o relativo aos problemas econômicos e sociais derivados das sequelas da grande crise econômica e financeira de 2008; o das dinâmicas do processo de tomada de decisões nos Estados Unidos e do papel da presidência em circunstâncias particulares dos dois últimos anos de governo; o do aperfeiçoamento gradual do sistema socioeconômico cubano sob seus princípios e objetivos de atualização e aprimoramento de seu sistema socialista; e, por último, a modificação da correlação global e regional de forças favoráveis a Cuba, sobretudo a partir do final da década de 1990.

O isolamento de Cuba imposto pelos Estados Unidos com bastante êxito na década de 1960 havia acabado representando um desafio não apenas para sua política em relação a Cuba, mas também para a relacionada com a América Latina e com o sistema interamericano. A continuidade das Cúpulas das Américas, que buscavam relançar e fortalecer desde 1994, fazia com que o custo da política inalterada de isolamento a Cuba fosse cada vez mais alto, de modo que o sistema de dominação interamericano estava debilitado e com poucas possibilidades de recomposição em tais condições. O apoio outorgado pela região latino-americana e caribenha à participação do governo cubano na VII Cúpula das Américas, em abril de 2015, foi um momento decisivo.

Independentemente do otimismo ou do pessimismo dos analistas da política dos Estados Unidos em relação a Cuba, bem como do futuro das relações bilaterais, não resta dúvida sobre a importância histórica deste primeiro passo: o início de negociações entre os governos em plano de igualdade e respeito, ainda que seja apenas para restabelecer relações diplomáticas, supõe retornar uma via abandonada há 54 anos, quando o governo dos Estados Unidos rompeu relações com Cuba, em 3 de janeiro de 1961. As declarações simultâneas do presidente norte-americano Barack Obama e do presidente cubano Raúl Castro, em 17 de dezembro de 2014, revelaram os primeiros passos dados no sentido de redefinir o estado das relações entre os Estados Unidos e Cuba, colocando-as em um nível superior. Esse acontecimento tomou de surpresa os mais distinguidos especialistas cubanos e estadunidenses, não tanto pelo sentido e direção das medidas anunciadas, consistentes com o discurso inicial da administração Obama e com os passos precedentes introduzidos em 2009 e 2011, nem pelas circunstâncias do momento, mas porque ultrapassaram as expectativas mais otimistas, o que parecia ir além das possibilidades reais e objetivas.

Para a grande maioria dos cubanos, o anúncio da liberação de seus três heróis foi motivo de enorme alegria e, ao menos nos primeiros momentos, deixava todo o restante num segundo plano, gerando um clima de esperança e, em muitos casos, de exagerado otimismo sobre o futuro dessas relações. Para os Estados Unidos, era igualmente importante e sensível a libertação de Alan Gross, pela responsabilidade do governo dos Estados Unidos com Gross, sua família e amigos. O denominado funcionário da USAID, que havia cumprido missões que visavam à mudança do regime em Cuba, era assinalado pelo governo norte-americano como um obstáculo principal para o avanço no aprimoramento das relações bilaterais. Na dimensão estratégica, o início de negociações com o governo cubano e o propósito declarado pelo presidente norte-americano de suspender o bloqueio econômico e financeiro, despertava interesses econômicos e sociais que chamaram a atenção nos Estados Unidos e no resto do mundo, gerando efeitos indiretos, nos planos político e econômico, para as relações de Cuba com o resto do mundo. De maior significação para o imperialismo norte-americano era a possibilidade de melhorar as relações com toda a região latino-americana e caribenha, que havia insistido unanimemente na necessidade de acabar com as sanções e com o isolamento de Cuba no contexto hemisférico.

Até esse momento, diversos centros de pensamento1 e especialistas nos Estados Unidos (sobretudo de tendência liberal)2 destacam a possibilidade e a conveniência de que o presidente norte-americano avance na inovação de sua política em relação a Cuba, lembrando que ele próprio havia assinalado a necessidade de mudança, no final de 2013, em um jantar destinado a arrecadação fundos em Miami. As medidas sugeridas estavam quase sempre encabeçadas pela não inclusão de Cuba na lista de -países patrocinados pelo terrorismo- (o que se materializou em 29 de maio de 2015), no momento preciso em que estavam se desenvolvendo, em Havana, as negociações de paz entre o governo colombiano (um aliado estratégico dos Estados Unidos na região) e a principal guerrilha desse país. Somavam-se outras ações que podiam ser tomadas pelo executivo, dadas as suas prerrogativas em relação ao Congresso, todas no sentido de incrementar o impacto dos instrumentos de poder brando da política norte-americana sobre a sociedade cubana.

O presidente norte-americano, nos últimos anos de sua presença na Casa Branca, encontrava-se numa encruzilhada com respeito a Cuba. A pressão regional para a participação do governo cubano, em abril de 2015, na VII Cúpula das Américas - evento de significação hemisférica para a politica exterior estadunidense -, foi crescente e quase que praticamente obrigou o presidente norte-americano a tomar medidas a fim de lhe permitir evitar uma catástrofe em sua política para a América Latina e o Caribe, e, ao mesmo tempo, chegar a essa importante reunião continental com certa folga política. Ele devia assumir alguma das recomendações de assessores políticos e especialistas divulgadas mediante artigos, informes e comunicações de jornalistas e acadêmicos. Essas ideias haviam alcançado grande difusão e impacto midiático, ao serem apresentadas com bastante detalhe pelo importante jornal desse país, The New York Times, em uma série de editoriais que aprofundavam nas razões da necessária modernização da política de Obama. Um deles, publicado em 11 de outubro de 2014, destacava exatamente o assunto da Cúpula das Américas e a oportunidade oferecida ao presidente para redefinir sua política em relação a Cuba antes desse evento.4 Logo viriam outros editoriais que abarcariam outros significativos aspectos, criando um contexto midiático favorável aos anúncios sobre as negociações oficiais, revelados dois meses depois.

A parte cubana havia assinalado de modo insistente, em particular desde a chegada de Raúl Castro à presidência, sua disposição em negociar com o governo dos Estados Unidos todos os temas da agenda, mas em igualdade de condições e em absoluto respeito, baseando-se no direito internacional e na Carta das Nações Unidas. O cumprimento das normas estabelecidas pelo direito internacional para guiar as relações entre países não constitui o comportamento habitual dos governos dos Estados Unidos nas suas relações com os países da América Latina e do Caribe, e muito menos na história de suas relações com Cuba. A assimetria de poder, o Destino Manifesto e, claro, a Doutrina Monroe representam obstáculos dentro da projeção externa dos Estados Unidos, imbuída como está, para o caso de Cuba, da -Lei de Gravitação Política-, conhecida pelos cubanos como a política da -fruta madura- (ainda que por vezes se declare o contrário no discurso oficial, quando se faz referência a -um novo começo- nas relações com a América Latina e o Caribe e, inclusive, ao fim da Doutrina Monroe). 5 Tratando-se nada menos do que de Cuba, um país situado na vizinhança geopolítica da grande potência central do imperialismo mundial, com uma longa história de tentativas de aquisição, intervenções militares, estabelecimento de bases militares, dominação, exploração e agressão: o que se pode esperar das recentes mudanças nessa política- Que significado têm esses anúncios-

Mesmo apresentando ainda escolhos, o processo de estabelecimento de relações diplomáticas foi finalmente concretizado, oficialmente, em 20 de julho de 2015, precedido de intensas negociações dentro desse novo contexto, quando foram dados passos com o fim de aplainar o caminho. Para compreender o significado da etapa iniciada - que pareceria significar uma mudança de caráter estrutural, dado o reconhecimento recíproco dos governos e a realização de negociações abarcadoras -, é conveniente explorar as causas reais que impulsionaram essa atualização na política norte-americana, suas limitações e objetivos.

À primeira vista, pelo menos, o novo momento parece contradizer interpretações geralmente aceitas até agora sobre os fatores determinantes na política dos Estados Unidos em reação a Cuba, sobretudo no que diz respeito à influência dos cubano-americanos no cenário político e eleitoral, particularmente da Flórida. A presença de três senadores e de seis representantes de origem cubana no Congresso constitui uma dificuldade para a suspensão total do bloqueio, mas, como demonstra a nova dinâmica, não impede o início das negociações oficiais bilaterais lançadas pela presidência na direção contrária aos interesses desse grupo neoanexionista.

Labirintos do governo dos EUA e sua política em relação a Cuba

O obstáculo do Congresso, agora com uma maioria republicana, e a existência de leis elaboradas no início da década de 1990 para estabelecer a política dos Estados Unidos em relação a Cuba - como a Helms Burton, de 1996, junto a toda uma complexa trama de leis e regulações que regem o bloqueio econômico e financeiro e a política norte-americana com respeito à ilha - pareceriam desafios quase insuperáveis para modificar a política estadunidense em relação a Cuba sem efetuar mudanças políticas, econômicas e sociais no país caribenho, de acordo com a lei norte-americana. Como foi assinalado, o problema principal dessa lei de 1996, que codifica as sanções impostas como parte do bloqueio, é a violação da soberania e da independência de Cuba, porque pretende condicionar o que se conhece no jargão norte-americano como mudança de regime, para propiciar a suspensão do bloqueio e de outras medidas de coerção e ingerência.

Deve-se sublinhar que a decisão de restabelecer as relações diplomáticas entre os dois países não deve ser confundida com uma normalização das relações, embora possa abrir caminho para esse presumivelmente longo e complexo processo. A normalização de relações deve cumprir minimamente as normas do direito internacional e, por isso, se exigiria a eliminação desse conjunto de leis, regulações e procedimentos destinados a prejudicar a sociedade cubana em seu conjunto. Entre os aspectos principais que o processo de normalização de relações entre Estados Unidos e Cuba deveria solucionar estão o fim do bloqueio comercial e financeiro, bem como a eliminação de leis e procedimentos migratórios preferenciais para os cubanos. Além disso, deve ser suprimido o financiamento à subversão, especificamente a propaganda anticubana difundida através de transmissões radiofônicas e televisivas, tema que até o momento permanece intacto e que está sujeito a discussão. A devolução da base naval de Guantánamo e o tema das compensações a Cuba pelos prejuízos ocasionados pela política norte-americana de bloqueio e outros atos agressivos não podem ser tampouco deixados de lado para alcançar o que se poderia considerar, desde essa perspectiva, uma normalização de relações.

Prevaleceu, por muito tempo, a interpretação de que o presidente norte-americano não poderia suspender as sanções sem a aprovação do Congresso, porque a política anticubana teria sido construída com base em leis daquele país. Não obstante, existem evidências práticas e juízos de especialistas que assinalam as amplas prerrogativas do presidente para desmontar os principais componentes do bloqueio, mediante a modificação das regulações e a outorga de licenças. Os presidentes William Clinton e, inclusive, George W. Bush, fizeram o uso dessas faculdades presidenciais e as próprias modificações introduzidas por Barack Obama, no início de 2015, em relação ao setor das comunicações constituem uma prova de que se pode fazer o mesmo em relação a outras áreas.6

Na formação da política dos Estados Unidos em relação a Cuba, de acordo com o sistema político norte-americano, manifesta-se uma disputa entre as competências do presidente e do Congresso em suas decisões sobre Cuba, ainda que sejam reconhecidas as amplas atribuições da presidência nos temas de política exterior. O presidente tem o poder de realizar mudanças na aplicação do que aparece legislado em interesse da segurança nacional. Como tem se verificado ao longo desses anos, o presidente e sua burocracia executiva estão em condições de interpretar a lei no momento de sua aplicação, podendo, inclusive, tomar decisões que a modifiquem mediante licenças e mudanças nas regulações por meio de ordens executivas.

As prerrogativas do presidente devem ser reconhecidas no sistema político norte-americano, como aquelas sobre Cuba, anunciadas por Obama no exercício de sua liderança, em 17 de dezembro de 2014. A presidência tem a autoridade para reagir diante de assuntos internacionais que considere como ameaças potenciais à segurança nacional dos Estados Unidos. Especialistas na matéria assinalam:

Em um grau não apreciado por muitos, a presidência é uma instituição cuja estrutura e atividades foram configuradas por fatores internacionais (...) A sempre presente ameaça à segurança nacional que vem a simbolizar, provê uma racionalidade induzida pela concentração de poder na presidência e estabelece limites sobre a função que o Congresso poderia esperar desempenhar na formulação da política exterior dos Estados Unidos (7).

As condições apresentadas nos últimos dois anos de seu governo e uma provável consulta afirmativa ou coincidência de enfoque com a aparentemente mais viável candidata pelo Partido Democrata, Hilary Clinton, parecem ser circunstâncias favoráveis ao aprofundamento no curso da postura do presidente Obama em relação a Cuba mediante a iniciativa presidencial. Além disso, pode-se reconhecer o efeito da liderança do presidente norte-americano sobre a política em relação a Cuba. O crescente respaldo que ele ganhou a partir desse momento pressagia que se está mais em presença de uma mudança de tendência que de um acontecimento conjuntural de fácil reversão. Ressalvadas todas as diferenças nesses casos, o processo de suspensão de sanções e o restabelecimento de relações com o Vietnã e a China, reforçam a ideia de que, uma vez iniciados, esses processos não retrocedem, mas se consolidam; não obstante permaneçam diferenças e hostilidades, elas se expressam de outro modo.

Ainda que não pareça o cenário mais provável, não se pode descartar que a atual tendência na política norte-americana, representada pela liderança de Obama, possa ser revertida, total ou parcialmente, mediante uma combinação de ações dentro do Congresso, que impeçam o desmantelamento do bloqueio e de outras sanções, ou pelo resultado das eleições de 2016, que poderia levar à presidência uma figura oposta ao aprimoramento das relações em qualquer variante. De todos os modos, ainda no cenário de maior hostilidade em relação a Cuba, que pudesse ser imaginado para janeiro de 2017, a história precedente tem demonstrado que governos muito agressivos em suas políticas, como Ronald Reagan e inclusive George W. Bush, nunca incluíram em suas agendas a reversão do restabelecimento das Oficinas de Interesses, criadas durante o governo de James Carter, em 1977. Seguindo de algum modo essa pauta histórica, não caberia esperar uma ruptura das relações diplomáticas, porque as sedes diplomáticas permitem representar melhor os interesses das partes, sem contar que o novo contexto das relações tem vindo estimulando forças econômicas, políticas e sociais favoráveis ao aprimoramento das relações e, inclusive, à suspensão do bloqueio.

O ajuste na política do governo de Obama em relação a Cuba, na sua última etapa (2015-2016), tem fatores determinantes no momento político interno desse país, nas características da liderança do presidente e em suas próprias visões a respeito. Trata-se, sem dúvida, de uma decisão com transcendência histórica nas relações Estados Unidos-Cuba, na qual o papel do presidente Barack Obama deve ser reconhecido.

O fator cubano e os resultados e percepções da atualização de seu sistema

Como foi assinalado, as negociações entre os governos de Cuba e dos Estados Unidos, que haviam tido anteriormente tentativas frustradas, vinham se efetuando com absoluta discrição e no mais alto nível político. As condições mais diretas que tornaram possível o diálogo intergovernamental nesta oportunidade remontam pelo menos ao final da década de 1990. Nisso teve um papel decisivo a resistência de Cuba e seus êxitos ao fazer frente e superar o impacto demolidor representado pelo desaparecimento de seus principais aliados no campo socialista, no final da década de 1980.

As medidas que, paulatinamente, vêm sendo aplicadas para a modernização do sistema socialista em Cuba, embora de forma gradativa e sem colher seus melhores resultados em todas as esferas, apontam claramente para a superação dos obstáculos e desafios de sua economia, política e sociedade em uma democracia popular, socialista e participativa, voltada à prosperidade de seu povo com justiça social, independência e soberania. São inúmeras as leis e novas políticas aplicadas e em processo de incorporação ao marco legal e às regulações do país, mas elas são encaminhadas para ganhar em eficiência e dar aos cidadãos maiores oportunidades no plano pessoal, familiar e coletivo, sem descuidar das garantias sociais nas áreas de educação, saúde, cultura e esporte - que caracterizaram a sociedade cubana como uma referência muito positiva há muitos anos e que colocaram Cuba em altos níveis dentro do Índice de Desenvolvimento Humano.

O aperfeiçoamento e a maior independência do setor estatal empresarial e orçamentário, as novas possibilidades do negócio privado e cooperativo, a maior abertura ao investimento estrangeiro e a grandes projetos de desenvolvimento em zonas econômicas especiais, como o situado ao redor do porto de águas profundas de Mariel, modificam positivamente as expectativas sobre o futuro da economia e da sociedade cubana. No plano mais estrito da economia, dados os ajustes no modelo econômico cubano e os passos de melhoria nas relações blaterais, evidenciam-se interesses de negócios norte-americanos em Cuba. A redução parcial ou a eliminação de restrições das viagens de cidadãos e residentes nos Estados Unidos, que não são de origem cubana, significa um mercado potencial importante para o setor turístico, estimado por distintos estudos em mais de um milhão por ano (a demanda de produtos e serviços gerados por turistas norte-americanos beneficiariam o comércio de alimentos e o de bens duráveis e de consumo). Naturalmente, na medida em que perdure mais tempo a trama de restrições (entre elas, a liberdade de viajar para Cuba, não subordinada às exigências das licenças gerais segundo diferentes categorias) estabelecidas pelo bloqueio, reduzem-se consideravelmente os impactos positivos para as reações econômicas e suas consequências sociais.

A demanda por produtos e serviços gerados por turistas norte-americanos também seria um incentivo à demanda em geral e, caso fossem eliminadas outras restrições do bloqueio, também beneficiaria o comércio não somente de alimentos e produtos específicos dessa origem, mas também bens duráveis e de consumo, incrementando em alguma medida esse comércio. As remessas monetárias e os fluxos de capital são um fator favorável dinamizador da demanda e de toda a economia, ainda que se pretenda focar no melhor desempenho de pequenos negócios, cooperativas não agropecuárias e, talvez, em algum momento, as agropecuárias. O certo é que os investidores norte-americanos não podem ainda participar da economia cubana.

Deve-se entender que as modificações na política estadunidense em relação a Cuba até este momento buscam maximizar os impactos em favor da mudança de regime e minimizar os efeitos econômicos positivos, que tratam a todo custo de direcionar ao setor privado. Esta dinâmica evidencia a permanência da contradição interna mediante o desenho e a execução da política dos trilhos. Dadas as características da sociedade socialista cubana, o que afeta economicamente o governo repercute inevitavelmente sobre toda a sociedade. Até o momento de escrever estas páginas, muito embora o presidente norte-americano tenha se expressado a favor da suspensão do bloqueio e se observem algumas ações no Congresso favoráveis a esses pronunciamentos, também existem manifestações contrárias a essas mudanças e o bloqueio continua, essencialmente, intacto. Sua eliminação gradual poderia ocorrer, em um cenário favorável a esse processo, em um período compreendido entre três e sete anos, ou seja, entre 2017 e 2020.

Na esfera social, a nova lei migratória cubana abre possibilidades de articulação entre os cubanos residente no exterior e o país, reforçando a circularidade do processo migratório (o denominado transnacionalismo migratório). A nova realidade deixa caminho livre para os aportes que os emigrados cubanos podem fazer com sua participação nos vínculos diretos e indiretos de Cuba com o resto do mundo. Dado que a maior parte dos cubanos residentes no exterior se encontra nos Estados Unidos, isso permitiria paulatinamente contribuir para modificar o tipo de relações, podendo se converter num aporte significativo em benefício dos cubanos de ambas as margens do estreito da Flórida. O incremento nos intercâmbios e relações entre Cuba e sua emigração influi nos interesses e nas posturas políticas dos cubanos residentes no exterior (em geral, não somente nos Estados Unidos) em relação a Cuba, como refletem as mais recentes pesquisas realizadas nesse país. A pesquisa elaborada pelo Instituto de Investigações Cubanas (Cuban Research Institute, CRI) da Universidade Internacional da Flórida (FIU), em 2014, registra que 71% dos cubano-americanos consideram que o bloqueio não funcionou e 51% se opõem à continuidade da aplicação deste instrumento. O informe do CRI indica que 68% deles são favoráveis ao estabelecimento de relações diplomáticas (8).

Outro processo que - de forma lenta, mas constante - vem transformando o peso das posturas mais radicais e extremas sobre as relações com Cuba é o fenômeno geracional. Certamente, os jovens recebem influências de seus pais e do ambiente social que os rodeia. Elementos favoráveis à manutenção da hostilidade e do isolamento foram gerados por organizações e meios de informação do Sul da Flórida e de Miami, mas, com o passar dos anos, tendem a prevalecer enfoques mais realistas e pragmáticos na população de origem cubana, os quais são fortalecidos com o aumento das viagens e de outros contatos de todo tipo com seu país de origem.

De tal modo, o fator social, reforçado pela maior flexibilidade nos intercâmbios, somado ao geracional, vem transformando gradualmente as preferências e as posições dos distintos segmentos da população de origem cubana residente nos Estados Unidos em relação ao tipo de política a seguir com Cuba. A tendência à normalização dos vínculos entre os cubanos no exterior e seu país, devido ao passar dos anos, deve ir se consolidando gradualmente, permitindo a inter-relação cada vez maior entre esses grupos, com importantes benefícios para Cuba e para os cubanos em todas as partes.

Lentamente, a modificação na composição e motivação do fluxo migratório de Cuba para aos Estados Unidos, com sua melhor representatividade da sociedade cubana registrada desde 1980, e as diferenças em sua postura favoreceram o melhoramento das relações entre o país de residência e o de origem. Embora momentaneamente possam ocorrer sobressaltos, conhecendo-se a hostilidade e o isolamento mantidos por muitos anos, pode haver surpresa nos avanços de um tipo de relação que cada vez ocorre de modo mais natural, fluido e não preconceituoso, ainda que se esteja muito distante do que é possível. Em síntese, as mudanças na atualização do modelo do socialismo cubano foram colocando em evidência não apenas o fracasso da política norte-americana em relação a Cuba, mas a defasagem histórica de seus métodos em um contexto do chamado fim da Guerra Fria. A política norte-americana em relação a Cuba evidenciava uma obsolescência que se fazia mais evidente diante dos avanços e progressos internos e externos da sociedade cubana, assim como das modificações em seu entorno regional e internacional.

O contexto regional latino-americano e caribenho

A ascensão na região de governos de esquerda e de centro-esquerda, bem como seu reflexo sobre as posições políticas da região, constitui um dos fatores que incidiram no ajuste da política de Obama em relação a Cuba. Pode-se identificar uma transformação notável das relações hemisféricas de Cuba em relação às existentes na década de 1960, quando foram rompidas as relações de Cuba não somente com os Estados Unidos, mas com quase todos os países, com as exceções notáveis do México e Canadá. Na primeira etapa, a política dos Estados Unidos conseguiu um acompanhamento regional e o conseguinte isolamento de Cuba. Essa situação foi se modificando a favor do país caribenho e, depois da década de 1990 (apesar do desaparecimento da URSS e do campo socialista europeu), registrou-se um processo de fortalecimento das posições cubanas na região e no mundo.

A política cubana de princípios e sua solidariedade e colaboração com todos os países em situações de desastres ou de crises, independentemente das posturas políticas e ideológicas de cada um, elevou o prestígio e o respeito pelo governo cubano e por seu povo. O resultado foi se refletindo cada vez mais no apoio a Cuba e na oposição à política de bloqueio e de isolamento dos Estados Unidos contra a ilha, até chegar a uma situação em que tal política de hostilidade ficou isolada, dificultando a projeção regional norte-americana em relação à América Latina e ao Caribe.

Quando da celebração da primeira Cúpula das Américas, em Miami, em 1994, havia condições favoráveis para o avanço de uma política neoliberal de integração hemisférica (com a exceção de Cuba) e o estabelecimento da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). A incorporação do México ao TLCAN constituía o -modelo- para a integração com os Estados Unidos, que supostamente se estenderia a toda a região mediante a ALCA. O denominador comum era a presença de governos democráticos de tipo liberal burguês, que haviam substituído as numerosas ditaduras de segurança nacional. Na América Central, a paz havia sido negociada e os movimentos guerrilheiros se incorporavam à luta política nessas condições, sem mudanças fundamentais nas estruturas da propriedade, nem na composição de classes dessas sociedades. Durante o período compreendido entre 1994 e 2005, avançaram as negociações da ALCA e, ao mesmo tempo, os acordos de livre comércio entre os Estados Unidos e os países da região.

Porém, quando tudo parecia ir numa direção favorável à consolidação da hegemonia dos Estados Unidos na região e de seu sistema de dominação hemisférico, os efeitos das políticas neoliberais, introduzidas tanto por ditaduras militares como por mecanismos de renegociação da dívida externa, começaram a golpear as condições socioeconômicas dos mais pobres, afetando inclusive todo o tecido social, incluindo as camadas médias. Surgem lideranças à margem dos partidos tradicionais e se cria e fortalece o papel de movimentos sociais de novo tipo, cujo denominador comum foi a rejeição ao neoliberalismo e a busca de alternativas.

A nova tendência sociopolítica inicia-se com a vitória eleitoral de Hugo Chávez na Venezuela, em 1998. Paulatinamente, iriam se somando outros líderes em outros países, com o que se modificava a unanimidade de critérios sobre pautas que haviam sido promovidas pelos governos dos Estados Unidos, pelos especialistas do Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, condensadas no chamado Consenso de Washington e apoiadas por partidos, coalizões e alianças da oligarquia transnacional na região.

No ano de 2005, no cenário da IV Cúpula das Américas, realizada em Mar del Plata, Argentina, um acordo de países de muito peso e importância na região, encabeçado pela Venezuela, ao qual se somou o Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, rechaçou a ALCA como processo de integração regional. Inicia-se, assim, uma reversão parcial dessa tendência. Forças contra hegemônicas, críticas do neoliberalismo, desenvolviam projetos alternativos às políticas impulsionadas pelos Estados Unidos, conseguindo alguns resultados. Ainda que o neoliberalismo não tenha morrido, nem se extinguido os tratados de livre comércio e o enfoque do regionalismo aberto, esta política, de institucionalização do neoliberalismo e da nova articulação do sistema interamericano liderado pelos Estados Unidos, deixa de ser um organismo hemisférico. Surgem propostas como a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), mais tarde denominada de Aliança Bolivariana para as Américas, da qual Cuba é fundadora, junto com a Venezuela bolivariana. Outros esquemas sub-regionais existentes, como o Mercosul, reorientam e redefinem parcialmente o conteúdo dos processos de integração e, com outro espírito regional, se estabelece a UNASUL, cuja importância transcende a economia e alcança os acordos políticos. Para concluir esse processo cria-se a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), na qual Cuba é reconhecida e tem um papel relevante desde a sua fundação. A CELAC inclui toda a região, mas, significativamente, exclui o Canadá e os Estados Unidos.

A integração de Cuba à CELAC e, sobretudo, a designação deste país como presidente pro tempore, reconhece-lhe uma função importante no acordo regional e nos acordos aos quais se chegariam durante a celebração da II Cúpula da CELAC, em Havana, entre 28 e 29 de janeiro de 2014. Isso não foi um fato fortuito, muito menos uma dádiva a Cuba. Outorgava um justo reconhecimento de sua politica exterior e, em particular, de sua colaboração regional, assim como da importância conferida nesse contexto a sua contribuição para as melhores relações hemisféricas. Essas circunstâncias consolidaram a unânime negação da política dos Estados Unidos de sanções e de isolamento da Grande Ilha caribenha.

Na VI Cúpula das Américas, em Cartagena, Colômbia, em 2012, havia sido colocada a problemática de não convidar Cuba, quando todos os países da América Latina e do Caribe votaram por sua presença na reunião de cúpula seguinte, programada para o ano de 2015, o que estabelecia uma data limite para produzir uma mudança na política dos Estados Unidos em relação à ilha. Colocava-se em jogo o êxito da Cúpula, dado que o governo do Panamá, como organizador dessa reunião, havia convidado o presidente cubano. Na realidade, o descalabro na VI Cúpula das Américas para a política norte-americana esteve associado ao surgimento da CELAC em fevereiro de 2010 e ao fracasso da OEA na busca de uma solução frente à circunstância criada pelo golpe de Estado em Honduras, contra o presidente Manuel Zelaya, em junho de 2009.

A administração de Obama, depois das eleições intermediárias em seu país, em 2014, devia avançar na agenda de suas relações com Cuba antes da Cúpula das Américas de 2015. Era muito difícil para Obama chegar a essa Cúpula no Panamá sem poder apresentar alguns resultados favoráveis ao melhoramento das relações com Cuba e, ao mesmo tempo, pretender desviar a atenção para supostos problemas internos de Cuba, relativos à democracia e aos direitos humanos. As relações com Cuba haviam se convertido em um fator de prova das mudanças na política dos Estados Unidos, anunciadas não somente para Cuba, mas para toda a região. A própria Cúpula das Américas poderia ser boicotada. Obama não podia se fazer presente com uma discordância de tal magnitude, muito menos se ausentar, quando o presidente cubano Raúl Castro já havia sido convidado. Sem dúvida, o início das negociações oficiais entre estados Unidos e Cuba, ao mais alto nível, foi catalisado por esse delicado contexto regional.

A efetividade da política estadunidense em relação a Cuba estava presa aos obstáculos das leis anticubanas (Torricelli, 1992, e Helms Burton, 1996), à oposição da direita fundamentalmente concentrada no Partido Republicano no Congresso, bem como ao problema gerado com a detenção e prisão do chamado prestador de serviços da USAID, Alan Gross. O assunto mais importante que se tentava solucionar, em meio a uma -janela de oportunidades- (entre novembro de 2014 e abril de 2015) para fazer política independente pela Presidência dos Estados Unidos, era salvar a Cúpula das Américas - espaço onde já se vinha expressando o apoio da região à presença cubana, bem como o rechaço unânime à política de bloqueio e de isolamento a Cuba por parte do governo dos Estados Unidos.

A popularidade do presidente norte-americano foi muito afetada na última etapa de seu governo. Enfrentou numerosos desafios em quase todas as esferas, internas e externas, muito difíceis de abordar com êxito. O caso cubano era sua melhor opção de fazer algo significativo e favorável que pudesse contribuir com o seu legado, antes de terminar o último período presidencial e anotar para si um sucesso em matéria de política exterior.

O acontecimento foi celebrado quase unanimemente por todo o mundo. Beneficia as relações dos Estados Unidos com a América Latina e Caribe num contexto em que a posição de Cuba estava muito fortalecida por sua presença e liderança na CELAC e, sobretudo, pelos acordos feitos por todos os países da América Latina na Cúpula desta organização, celebrada em Havana, no início de 2014. A II Cúpula da CELAC declarava a região como zona de paz e reconhecia a não intervenção nos assuntos internos dos países como um de seus princípios. Aceitava-se a unidade regional na diversidade de sistemas econômicos e políticos, estabelecia-se uma forte aliança com os países da ALBA e o Caribe confirmava seu respaldo a Cuba e reiterava sua oposição unânime ao bloqueio. O renovado respaldo anual à resolução contra o bloqueio da Assembleia Geral das Nações Unidas se mantinha como pano de fundo. Na prática, o argumento da cláusula democrática para excluir Cuba dessas cúpulas, dentro do arcabouço institucional da Organização dos Estados Americanos (OEA), deixavam isolados os governos dos Estados Unidos e do Canadá.

Perspectivas para Cuba

Os interesses de Cuba no restabelecimento das relações diplomáticas e na eliminação ou redução de sansões são óbvios. A suspensão de algumas restrições, ainda que o bloqueio não seja totalmente eliminado (o qual não se deve esperar que ocorra com muita rapidez, senão de forma escalonada), e o restabelecimento das relações diplomáticas, outorga benefícios políticos e econômicos importantes. Eles são tanto diretos, pelo incremento que possam ter as relações com os Estados Unidos, quanto indiretos, derivados das mudanças nas expectativas sobre o futuro de Cuba, geradas nos cubanos e no resto do mundo.

Os investidores e os negócios no mercado mundial recebem um impulso por estes acontecimentos. O reconhecimento do governo cubano pelo dos Estados Unidos aumenta as possibilidades de maiores investimentos estrangeiros e de negócios, diante da perspectiva de que se avizinha uma abertura mais ampla do mercado norte-americano para Cuba. Deve ser ampliado o acesso ao crédito e, em consequência, diminuir as taxas de juros pagas por Cuba pelo financiamento comercial. Isso favorece os planos do país de incrementar o crescimento econômico e os investimentos a partir de 2015, elemento de grande importância, embora os resultados palpáveis e perceptíveis para a população cubana sejam ainda, todavia, pouco significativos e, num primeiro momento, orientados em favor de alguns setores.

Em conjunto, o restabelecimento das relações diplomáticas e de algumas reduções das sanções, por menores que sejam, tem um significado positivo no plano das relações internacionais, tanto para os Estados Unidos quanto para Cuba, sem desconhecer as diferenças de tamanho e as assimetrias de poder existentes. A estratégia norte-americana pretende maximizar a capacidade de influência sobre as mudanças que estão ocorrendo em Cuba mediante os chamados instrumentos do poder brando (incremento de viagens, as comunicações e alguns aumentos das transações econômicas), reduzindo os conflitos no plano oficial bilateral, com favoráveis consequências colaterais em suas relações regionais. Ao mesmo tempo, abre-se a possibilidade de avançar em negociações nas esferas de valor estratégico para os Estados Unidos, que já haviam sido propostas por Cuba, como o narcotráfico, o terrorismo, defesa diante de catástrofes naturais e enfermidades, como o ebola.

O restabelecimento formal de relações diplomáticas supõe debater diretamente as discrepâncias e abre portas à negociação em todas as esferas, o que, ao mesmo tempo, representa uma mudança no modo de enfrentar essas controvérsias. Deve-se reconhecer que vão perdurar as desavenças mais profundas, de princípios, sistêmicas e sobre as identidades nacionais, os interesses estratégicos e, em especial, as concepções sobre os direitos humanos, liberdades, democracia, regime político e econômico, assim como assuntos e temas de política exterior, que Cuba considera parte de seus princípios nesse terreno. Mas isso não exclui o avanço em muitos outros aspectos das relações bilaterais, em benefício dos respectivos governos e dos povos de ambos os países.

Os acontecimentos de 17 de dezembro de 2014, independentemente de quanto se avance a partir daí e com que rapidez, constituem um triunfo da política da Revolução cubana e o reconhecimento do fracasso da política de sanções e de isolamento de Cuba. O descalabro da política norte-americana foi reconhecido publicamente pelo presidente norte-americano, mas o que distingue a vitória da política cubana é que estes passos não foram resultado de concessões no que diz respeito aos princípios, valores e interesses de Cuba, colocando em jogo sua independência e soberania; pelo contrário.

Para Cuba, a redução das tensões com os Estados Unidos melhora indiretamente o clima político interno, ao favorecer o processo de modernização e aperfeiçoamento do sistema socioeconômico cubano segundo suas próprias determinações, podendo beneficiar o debate da sociedade cubana em todas as esferas para continuar o aprimoramento de seu sistema socialista. Deve trazer proveitos econômicos, maior quantidade de visitas, remessas, redução de alguns preços, vantagens nas transferências financeiras, diminuição de custos de transação. Mesmo que o bloqueio perdure ainda por alguns anos, ele está começando a ser desgastado e isso caminha numa direção positiva.

Para a sociedade cubana e seu sistema socioeconômico, coloca-se o desafio de se enfrentar o conflito de maior intensidade e dinamismo em outro cenário. Devido ao aumento das relações com os Estados Unidos no plano da comunicação e das viagens, a batalha das ideias e dos valores que definem a identidade de Cuba, seus objetivos como nação, princípios de independência, soberania e autodeterminação e cultura, se enfrentam com maior virulência com as visões imperialistas das quais a sociedade estadunidense é portadora, as quais pretendem subordinar Cuba a seus interesses. Nesse terreno, deve-se distinguir as políticas e instrumentos deliberadamente desenhados e encaminhados a modificar a sociedade cubana da influência normal, derivada das relações entre povos e suas organizações e instituições de tipo cultural, religioso, esportivo, científico e acadêmico.

Os setores nos Estados Unidos opostos a essas medidas, ainda que não queiram reconhecê-lo, se baseiam em posturas ideológicas de direita e se nutrem do círculo vicioso dos aportes do orçamento norte-americano para essas atividades. A modificação no enfoque presidencial deve debilitá-los em médio prazo e fortalecer os grupos beneficiados pelas mudanças. O retrocesso do isolamento e o aumento do diálogo confere maior participação a setores liberais dentro dos Estados Unidos, entre eles os cubano-americanos desse país. Estes últimos têm uma significação particular, por serem de origem cubana e se sentirem mais envolvidos por distintas razões sociais, e até familiares, com essa tendência. Deve-se esperar que eles busquem incrementar sua contribuição direta na sociedade cubana em todos os âmbitos do marco legal e das regulações estabelecidas, pressionando paulatinamente para que se sejam ampliadas suas margens de participação.

O retrocesso de algumas dessas medidas, como já foi mencionado, não pode ser descartado, embora seja difícil imaginar uma nova ruptura de relações diplomáticas, ao não existirem mais os pretextos do passado. Cabe esperar provocações para desvirtuar o caminho iniciado, mas há interesse e determinação dos governos para avançar, sendo que o mais provável nessas circunstâncias é que se desenvolva um círculo virtuoso que venha a reforçar tal tendência. Essas medidas teriam uma continuidade mais clara se a provável candidata democrata Hilary Clinton fosse eleita em 2016, ainda que seja muito cedo para fazer prognósticos sobre as próximas eleições presidenciais. Por outro lado, supõe-se que a situação econômica e política interna de Cuba continue avançando progressivamente e que seu respaldo no entorno regional e internacional deva colocá-la em melhores condições frente a esse cenário nos próximos dois anos.

Essas medidas favorecem as expectativas futuras sobre Cuba e isso tem depois impacto nas relações econômicas, políticas, sociais e ideológicas. Algumas das decisões anunciadas têm a capacidade de alentar sucessivamente outras, num processo semelhante a um efeito dominó, razão pela qual a continuidade dessa tendência geral deve ser mantida e se converter numa orientação bipartidarista.

O restabelecimento de relações diplomáticas dos Estados Unidos com Cuba, dadas as condições necessárias, é bem visto pela esmagadora maioria do mundo, incluindo organizações, partidos, personalidades e governos. Em tal sentido, as relações de Cuba com a União Europeia mostram avanços. Do mesmo modo, é de se esperar que as relações com o Canadá, a América Latina e o Caribe, a África e a Ásia, longe de serem afetadas, melhorem num sentido geral, não obstante o anúncio de sanções contra a Venezuela, embora limitadas, tenha afetado o clima de relações hemisféricas que se poderia ter alcançado a partir do novo momento nas relações entre Estados Unidos e Cuba. Para as organizações sociais, os partidos revolucionários, progressistas e a esquerda em geral, esses acontecimentos reivindicam a justeza da linha de princípios e valores seguida por Cuba, na condução das negociações com os Estados Unidos e de sua política exterior em geral.

*Luis René Fernández Tabío é doutor em Ciências Econômicas.professor titular e pesquisador do Centro de Estudios Hemisféricos y sobre Estados Unidos (CESHEU) da Universidad de La Habana

Tradução: Eugênio Rezende de Carvalho

Nota

NOTAS

1 Ver, entre outros: Cuba Study Group: Restablecimiento de la Autoridad Ejecutiva sobre la política de los Estados Unidos hacia Cuba, Febrero, 2013, www.cubastudygroup.org/index.cfm/files/serve-File-id=bf125add-57a4-44ce-a71e-9f591a84aa1f; Collin Laberty: Cuba-s New Resolve. Economic Reform and Its Implications for U.S. Policy, Center for Democracy in the Americas, Washington D.C., 2011, pp. 69-74; Aya Landau French: Options for Engagement. A Resource Guide for Reforming U.S. Policy toward Cuba, Lexington Institute, lexingtoninstitute.org/wp-content/uploads/Cuba/options-for-engagement-4-20-09.pdf, Virginia, April, 2009; Richard Lugar: «Changing Cuba Policy in the United States Interest», Staff Tripp Report of the Committee on Foreign Relations. United States Senate. GPO, Washington D.C., February 23, 2009; Council on Foreign Relations: «A New Direction for A New Reality», Independent Task Force Report, New York, no. 60, 2008, pp. 72-75.

2 Philip Peters: «A Policy toward Cuba That Serves U.S. Interests», Policy Analysis, Cato Institute, Washington D.C., November 2, 2000, no. 384, pp. 2-12.

3 Josh Lederman: «U.S. Must Continues to Change Policies on Cuba», The Huffington Post, November 11, 2013, www.huffingtonpost.com/2013/11/11/us-cuba-policies-n-4254300.html

4 The Editorial Board: «Obama Should End the Embargo on Cuba», The New York Times, October 11, 2014. Versión en español: www.nytimes.com/2014/10/12/opinion/sunday/tiempo-de-acabar-el-embargo-de-cuba.html

5 John Quincy Adams, na sua famosa carta datada de 26 de abril de 1823, postula uma suposta Lei de Gravitação Política, segundo a qual Cuba, uma vez livre de seu vínculo com a Espanha, não teria outra opção a não ser gravitar em torno dos Estados Unidos.

6 Aya Landau French: Options for Engagement. A Resource Guide for Reforming U.S. Policy toward Cuba, p. 34.

7 Glenn P. Hastedt y Anthony J. Eksterowicz: «Presidential Leadership and American Foreign Policy: Implication for a New Era», The Domestic Sources of American Foreign Policy. Inside and Evidence, ed. Eugene R. WIttkop y Jones M. McCormic, Rowman & Littlefield Publishers Inc., Maryland, 1998. p. 138.

8 2014 FIU Cuba Poll: How Cuban Americans in Miami View U.S. Policies Toward Cuba, School of International and Public Affairs, Miami, 2014.

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