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Internacional

Edição 138 > O drama dos refugiados e as intervenções militares “humanitárias“

O drama dos refugiados e as intervenções militares “humanitárias“

Rubens Diniz*
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A imagem do menino sírio Alan Kurdi, de 3 anos, morto em uma praia turca, após tentativa frustrada de atravessar o Mediterrâneo, coloca em evidência a face desumana da União Europeia. O drama dos refugiados, que hoje assola a Europa, é resultado direto das políticas de mudança de regime e das “intervenções humanitárias”, desenvolvidas pelos Estados Unidos, União Europeia e seus aliados. Estas ações foram responsáveis por desmantelar os Estados nacionais árabes, estimular o surgimento de grupos extremistas como o Estado Islâmico, e produzir um “êxodo” contemporâneo

As travessias feitas no Mediterrâneo são a cara mais conhecida do drama mundial vivido pelos refugiados. De acordo com o estudo Tendência Global 2015, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), os deslocamentos forçados por motivo de conflitos e guerras chegaram a números históricos em 2014: cerca de 59,5 milhões de pessoas tiveram de abandonar seus lares, representando um crescimento de 8,3 milhões, em comparação aos 51,2 milhões de 2013. Isto significa que, nos últimos 12 meses, 42.500 mil pessoas por dia foram obrigadas a deixar suas casas, famílias, e fugir para outros lugares, dentro ou fora de seu país. Trata-se do número mais alto desde a Segunda Guerra Mundial. Somente em 2014, 1,8 milhões de pessoas solicitaram refúgio - 1,2 milhão em 2013.

De acordo com a Organização Internacional dos Migrantes (OIM), desde o início do ano, atravessaram o Mediterrâneo cerca de 400 mil pessoas - e, destas, 2.748 morreram. Durante o verão europeu, quando as condições para travessia são -melhores-, o número de pessoas tentando pisar em solo europeu foi de nove mil por dia.

As crianças são o grupo mais vulnerável neste drama. Junto com o menino Alan Kurdi, morreram outras quatro, e uma delas o seu irmão, Gahalib de apenas cinco anos. Em apenas quatro dias do verão europeu morreram 23 crianças afogadas em travessias marítimas rumo à Europa.

De acordo com a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para as Crianças), desde o início da crise mais de dez mil crianças atravessaram a fronteira, sem nenhum acompanhante. Somente neste ano 106 mil delas pediram refúgio oficialmente em algum país de União Europeia. Estes dados representam um aumento de 75% em relação ao ano de 2014.

A Síria é o país que mais tem sofrido com essa situação. Desde o início das hostilidades feitas por grupos extremistas e por potências estrangeiras contra o governo de Damasco, em 2011, o número de refugiados explodiu. Estima-se que, desde então, produziram-se 7,6 milhões deslocamentos forçados, dos quais quatro milhões atravessaram a fronteira rumo a outros países.

A União Europeia mostra sua face desumana diante do drama dos refugiados

A Europa, que hoje titubeia na forma de lidar com os refugiados, já foi o principal ponto de partida de centenas de milhares de homens e mulheres, em busca de uma vida melhor em outras latitudes do mundo. Estudos indicam que, entre a metade do século 18 e a década de 1960, aproximadamente 60 milhões de pessoas abandonaram o velho continente fugindo de guerras, conflitos e perseguições políticas.

Na atualidade, a União Europeia encontra-se profundamente dividida em relação à forma de como tratar o maior surto migratório desde a Segunda Guerra Mundial. A recente Cúpula emergencial da União Europeia aprovou uma política de cotas, destinada a distribuir 120 mil refugiados entre os 28 Estados-Membros. Mesmo diante desse número irrisório, vários chefes de Estado, como da República Tcheca, Hungria, Eslováquia, dentre outros, deixaram claro que não vão cumprir a resolução.

O anúncio da chanceler alemã, Ângela Merkel, de receber 500 mil refugiados a cada ano, e 300 mil adicionais neste ano, tem sofrido dificuldades internas para materializar-se. Apesar de haver interesse no setor industrial, que busca mão de obra qualificada, as reações internas da coalizão de governo levaram a chanceler a voltar atrás e adotar -temporariamente- controles em suas fronteiras.

Para a Organização das Nações Unidas (ONU), se faz necessário que sejam recebidos de forma imediata em torno de 200 mil refugiados. O número de pedidos de asilo que devem ser aceitos este ano, algo em torno de 350 a 400 mil, representa 0,1% do total da população da UE - número factível de ser absorvido.

De todos os modos, são cifras ínfimas, quando comparadas aos quase 4 milhões de refugiados recebidos pelos países vizinhos à Síria, como a Turquia com 1.939 milhões; Líbano com 1.114 milhões; Jordânia com 600 mil; Iraque com 249 mil; Egito com 132 mil. A falta de solidariedade das autoridades da União Europeia é vergonhosa, e coloca abaixo seu discurso de valorização dos direitos humanos.

O representante da ACNUR, Antônio Gutierrez, afirma que somente uma estratégia conjunta da União Europeia pode enfrentar a crise, e que as medidas individuais de cada país ampliam o sofrimento dos milhares de refugiados.

Enquanto não se chega a um consenso, ocorre um jogo perverso de empurra-empurra com os refugiados entre países como Áustria, Croácia, Sérvia e Hungria. Somam-se a isto as inumeráveis violações aos direitos humanos, que têm sido divulgadas e que vão da repressão a gravar números de identificação nos corpos das pessoas, e a amontoá-las em situações que lembram os campos de concentração de outrora.

A verdade é que o modelo de integração da União Europeia vive uma profunda crise. Os pilares de solidariedade sobre os quais foi erguida a narrativa da unidade europeia estão sendo corroídos por todos os lados. É uma crise com dimensões políticas, econômicas e morais. A dimensão econômica tem colocado em risco a existência do Euro, além de levar a Troika (Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia) a impor um draconiano pacote de austeridade à Grécia que retira inúmeros direitos de sua população. Soma-se a isto a decisão do Reino Unido de realizar em 2016 um referendo para avaliar se continua, ou não, como parte do bloco. A construção de cercas e a suspensão dos acordos de Schengen de livre circulação compõem parte da crise dos pilares fundacionais do bloco.

A Europa do capital mostra a sua verdadeira face, que é o rosto desumano do capitalismo. Sua responsabilidade com a onda de refugiados é dupla: por provocar a desestabilização dos países de origem dessas pessoas, e por sua incapacidade de reagir diante da dramática situação dos mesmos.

O uso dos direitos humanos para justificar intervenções militares

O que faz com que uma pessoa leve consigo seus filhos em uma travessia mar adentro, em um bote que mal flutua sobre as águas- Que razão é essa que leva homens e mulheres a arriscarem suas vidas em uma fuga, com a qual não sabem bem aonde chegarão-

Os fatores que incidem na decisão das pessoas de abandonarem seu lar, em muitos casos seu país, são situações-limite nas quais a própria vida está em jogo. São forçadas a romperem seus laços locais por consequência de guerras, conflitos étnicos ou religiosos, hostilidades políticas, dentre outros.

A atual crise de refugiados tem como seus principais responsáveis as políticas dos Estados Unidos, da União Europeia para o Oriente Médio e norte da África. São estas as forças que planificaram e executaram as políticas de mudança de regime e realizaram um conjunto de intervenções militares - em nome dos direitos humanos -às margens do direito internacional e do multilateralismo. Seu propósito real era o de redesenhar o mapa do Oriente Médio, impondo a esses povos governos dóceis aos interesses estrangeiros.

O uso dos direitos humanos para a realização de intervenções militares surge nos anos 1990, com os intentos dos Estados Unidos, a partir de medidas coercitivas, de moldarem uma nova ordem internacional a serviço de seus interesses.

Desde então, liberalismo assertivo dos EUA e de seus aliados - a União Europeia e sua máquina de guerra, a OTAN - tem utilizado os mais distintos argumentos para dar a aparência de legitimidade às suas ações bélicas. Em uma breve revisão encontra-se -a luta contra o narcotráfico-, que gerou o Plano Colômbia; a -não proliferação de armas de destruição em massa-, que ocasionou a invasão do Iraque; a -intervenção humanitária-, que levou aos bombardeios na Iugoslávia; a -guerra ao terrorismo- que levou à ocupação do Afeganistão; e mais recentemente a -responsabilidade de proteger-, argumento utilizado para as ações na Líbia e na Síria.

Em essência, são corolários que buscam dar legitimidade a uma intervenção nos assuntos internos de outros Estados por razões humanitárias, e legalizando o direito do uso da força, proibido pela Carta das Nações Unidas, salvo em raras exceções.

Trata-se na verdade do velho direito à guerra - jus ad bellum -, o direito ao uso da força. A forma mais recente que o jus ad bellum tomou foi o corolário da Responsabilidade de Proteger, que fundamenta o direito da -comunidade internacional- (EUA e União Europeia) de intervir militarmente, independentemente dos fóruns multilaterais, para proteger as populações civis que sofrem agressões de seu próprio governo.

A Síria, importante expoente do nacionalismo árabe, tornou-se o alvo da vez. Os objetivos do Ocidente com a política de desestabilização do governo do presidente Bashar Al Assad eram o de anular a influência do país na região; restringir o apoio ao Hezbollah; e restringir a presença da Rússia no Mediterrâneo. A Turquia, aliada regional na aventura bélica, possuía interesses em áreas de sua fronteira sul. Para conseguir este objetivo apoiou organizações como Frente Al Nusra, que utilizava ações terroristas contra o governo sírio.

Passados quatro anos do conflito que assola a Síria, as potências imperialistas e seus mercenários locais conseguiram destruir parte expressiva da infraestrutura do país, levando-o a uma guerra civil e produzindo um êxodo de mais de 4 milhões de pessoas. Além disso, se criou solo fértil para o surgimento de grupos extremistas como o Estado Islâmico, dentre outros.

Mesmo diante de toda esta situação, as potências ocidentais e seus aliados locais não pararam de financiar os grupos extremistas que atuam na Síria - o que pode fazer a situação dos refugiados piorar ainda mais. Os 17 milhões de sírios que se encontram em áreas seguras podem ter que fugir do país se o governo sírio cair. Os 2,5 milhões de alauitas, os 2 milhões de cristãos, os 650 mil drusos não terão clemência do ISI, e de grupos como Al-Baghdase e Al-Zawahiri. Sua única opção será buscar refúgio. Para onde vão- Quem os receberá-

O Brasil e os refugiados

O Brasil sempre foi um país que recebeu imigrantes e refugiados. Entre o fim do século 19 e o início do século 20, movidos principalmente pelas dificuldades econômicas de seus países de origem e por políticas de atração de colonos, inúmeros imigrantes e refugiados foram recebidos no Brasil. Entre 1945 e 1952, o país acolheu mais de 29 mil refugiados, na terminologia moderna utilizada pelas Nações Unidas. Estas pessoas passaram a compor a nossa nacionalidade, incorporando inúmeras contribuições culturais a nossa identidade como povo e nação.

O compromisso com o estabelecimento de normas que protejam os refugiados fez com que o Brasil participasse da construção, e aderisse a todos os tratados internacionais sobre o tema. Em consequência disto, aprovou em 1997 o Estatuto do Refugiado (Lei 9.472), e colocou em funcionamento o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão responsável por analisar e declarar o reconhecimento dos pedidos de asilo.

Na atualidade, de acordo com os dados da ACNUR, o Brasil, em 2014, possuía 7.289 refugiados, oriundos de 81 países distintos. O maior número é de sírios, colombianos, angolanos e congoleses. Entre 2010 e 2013, a solicitação de refúgio cresceu vertiginosamente, saltando de 566 para 5.882. No que se refere aos sírios, desde o início do conflito até o mês de agosto, haviam sido emitidos 2.077 asilos - número superior ao pedido de asilos aceitos pelos Estados Unidos (com 1.335); a Itália (com 1.005); e Portugal (com apenas 15).

A presidenta Dilma tem destacado que o Brasil se encontra de portas abertas para acolher o número que for necessário de refugiados.

Além disso, o Brasil tem contribuído para a promoção da estabilidade na região, participando da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), que funciona sob comando brasileiro. Recentemente, a Corveta Barroso atuou no resgate de 200 refugiados que se encontravam à deriva em pleno Mediterrâneo.

O respeito à paz, ao desenvolvimento e à soberania nacional é a saída para a crise dos refugiados

A solução da atual crise de refugiados que amontoam nos países árabes, e que chegam às costas europeias, não está na definição de uma cota pelas autoridades de Bruxelas, seja de 120, seja de 200, de 500 mil pessoas. A saída desta crise depende essencialmente do fim do conflito na Síria. É necessário colocar um fim às políticas neocolonialistas dos EUA, União Europeia e da OTAN.

A construção de uma saída política para o conflito sírio passa por envolver atores como a Rússia e o Irã no processo de negociação, buscando uma saída duradoura para a crise. De igual modo, é urgente que as potências ocidentais parem de dar apoio logístico e financeiro aos grupos extremistas que atuam na oposição ao governo do presidente Bashar Al-Assad.

A situação de emergência requer um papel ativo da Organização das Nações Unidas (ONU) na busca de uma solução para os milhões de refugiados. A organização deve impor que os causadores dessa tragédia paguem os custos pelos deslocamentos forçados e assumam parte expressiva dos refugiados que se encontram vagando.

Parte expressiva da população europeia tem se diferenciado de seus governantes, e realizado várias demonstrações de solidariedade e apoio aos refugiados. É um indicador de que a solidariedade pode virar o jogo em favor dos povos.

Corolários como o de Responsabilidade de Proteger, e outros que buscam legitimar o uso da força por um grupo de países, às margens do direito internacional e do sistema multilateral, devem ser rechaçados.

O respeito à soberania das nações, o direito ao desenvolvimento e o fim das guerras de agressão são o melhor antidoto para pôr um fim ao drama dos refugiados ao redor do mundo.

* Rubens Diniz é mestre em relações internacionais e integração regional pela Universidade de São Paulo - USP, e membro da Comissão Auxiliar da Presidência do PCdoB

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