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Edição 136 > Lula: ser contra a integração sul-americana é atraso político
Lula: ser contra a integração sul-americana é atraso político
Em seminário realizado pelo Instituto Lula em parceria com a Unasul, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou a importância estratégica do bloco e fez uma defesa enfática da integração sul-americana, não só do ponto de vista político, mas também econômico, social e cultural e criticou o ?atraso político? daqueles que rechaçam este caminho. A defesa da integração regional foi reforçada pelo secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, que também participou do seminário

O Instituto Lula, em parceria com a União das Nações Sul-americanas (Unasul), realizou no último dia 13 de maio, na sede do Instituto, em São Paulo, o seminário A integração das cadeias produtivas na América do Sul. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente da Colômbia e atual secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, abriram o colóquio, que contou também com a participação de outras autoridades e dezenas de especialistas em América Latina.
O objetivo do evento foi discutir com representantes do parlamento, da sociedade civil e das universidades a política da Unasul para a integração produtiva da América do Sul e debater concretamente as chamadas cadeias de valor, que são fundamentais para o avanço da integração econômica na região.
Lula fez sua fala inicial ressaltando os desafios políticos de se realizar a integração econômica e criticando o -atraso- daqueles que se opõem a este caminho. -Tem gente no Brasil que critica que empresas estão indo produzir no Paraguai ao invés de produzir aqui. Nós enfrentamos adversidade política quando esse pessoal deveria estar mais maduro. Pessoas que se apresentam ao mundo como pessoas avançadas dizem que financiar o porto de Mariel ou o Metrô de Caracas é dar dinheiro aos outros. É atraso político, a submissão ao que tem de mais atrasado no mundo-, ponderou.
O porto de Mariel, em Havana (Cuba), e o Metrô de Caracas (Venezuela) recebem financiamentos feitos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A oposição de direita no Brasil tenta, há anos, criar uma CPI no Congresso Nacional para investigar repasses do banco estatal. Para Lula, as críticas dirigidas a investimentos do banco em países estrangeiros partem de setores -conservadores- que historicamente renegaram a integração regional e o protagonismo brasileiro na economia mundial.
O ex-presidente Lula foi ainda mais enfático ao criticar o que chamou de -complexo de vira-lata- de parte da classe política, que prefere privilegiar acordos comerciais com os Estados Unidos em detrimento de outros países das Américas e da África. -Ainda prevalece no Brasil um complexo de vira-latas de uma parte das forças políticas brasileiras, que teima em dizer que não vale a pena a relação com o Mercosul, que não vale a pena a Unasul, que não tem que acreditar na América Latina, que não tem que acreditar na África. E que temos que ter uma -aliança- estratégica com os EUA. São os mesmos que queriam que tivesse vingado a Alca tal como os americanos desejavam-, afirmou Lula.
Lula citou alguns números para mostrar que -valeu a pena a opção que fizemos em 2003 para fortalecer o Mercosul e para criar a Unasul-. Segundo ele, -antes, tínhamos no Mercosul um comércio total de 15 bilhões de dólares, e hoje, com a entrada da Venezuela no bloco comercial, temos uma movimentação de mais de 66 bilhões de dólares, ou seja, crescemos mais de quatro vezes o comércio entre os países do Mercosul-.
O ex-presidente citou também que entre os doze países da Unasul, os números são ainda maiores: passamos de um comércio de 35 bilhões de dólares em 2003 para 120 bilhões hoje.
Entre os setores que Lula destacou como estratégicos para a integração, estão alimentos, indústria naval e de aviação. -É preciso criar grupos de trabalho permanentes na Unasul para discutir a integração produtiva-, defendeu. Para Lula, é necessário -transformar a nossa retórica integracionista em ações práticas-.
Samper: -somos todos Unasul-
Na mesa de abertura do seminário, o secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, falou sobre o papel da entidade em aprofundar a integração em torno de três eixos: manutenção da paz, da democracia e dos direitos humanos. -Agora, queremos que esse conceito de direitos humanos inclua os direitos econômicos e sociais. Entre os fatores que levaram à criação da Unasul estava a esperança de que, depois da ofensiva neoliberal dos anos 1990, que criou 180 milhões de pobres, um novo caminho se iniciaria, com a decisão de redirecionar o Estado a favor de mais atuação social. Se não somos a região mais pobre, somos a mais desigual do planeta. Por isso, o desafio da Unasul nos próximos 20 anos é melhorar as condições de desigualdade que temos-, disse. -Nosso grande desafio é agregar valor ao que temos-, concluiu, em crítica ao modelo de exportações de matérias-primas.
Dias antes do seminário, Samper se reuniu com ministros e representantes de organismos brasileiros para tratar de assuntos nas áreas de educação, saúde e integração produtiva. Samper adiantou que foram discutidas formas para tirar do papel sete projetos regionais prioritários, como a Ferrovia Interoceânica, entre Paranaguá, no Paraná, e Antofagasta, na Argentina.
-Concordamos com as autoridades econômicas brasileiras que não faz sentido uma região não estudar estratégias de financiamento e de integração física-, destacou Samper.
-Esses projetos precisam de US$ 30 bilhões de financiamento, mas a região não tem esses recursos. A perspectiva é conseguir o dinheiro por meio de bancos dos BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] e da China. Enfim, estamos estudando as possibilidades. Para isso, precisamos de uma boa macroeconomia. Essa é outra estratégia financeira que também estivemos estudando-, disse o secretário.
Ernesto Samper também cogitou o Banco del Sur como potencial financiador dos projetos.
Em entrevista ao Instituto Lula, Samper avaliou que -o Brasil pode contribuir muito em matéria de infraestrutura, desenvolvimento produtivo e alianças estratégicas internacionais produtivas. Também pode, através de esforços de solidariedade compartilhada com outros países da região, ajudar a reduzir as assimetrias que caracterizam social, geográfica e produtivamente nossos países. Algo parecido aos fundos de coesão europeia que -nivelaram- o campo da integração, mas que em nosso caso deveriam ser considerados como -fundos de inclusão- para reduzir também as brechas que nos caracterizam como uma das regiões mais desiguais do planeta.-
Ainda segundo ele, o presidente Lula é um símbolo regional em muitos dos campos nos quais temos que nos unir para levar o projeto da Unasul adiante. -Suas propostas de sucesso em matéria social, seu sentido de cooperação hemisférica e sua visão de futuro em temas como o das cadeias de valor são provas de que ele é uma grande referência na tarefa na qual estamos empenhados para avançar no desenvolvimento de um novo cidadão sul-americano, mais solidário, mais social, mais produtivo na economia, mais participativo na política e mais comprometido com a defesa de seu meio ambiente-, afirmou.
Para Samper, engajar-se com o bloco dever ser tratado como uma questão de Estado, e não de governo, pois do contrário a Unasul ficará à mercê do grupo político que detém o poder em cada um dos países-membros. -Alguns dos grupos que fazem oposição hoje [pela América do Sul] precisam entender que a Unasul não é um sindicato de governos, é - como seu nome indica - a união de nações. E nações somos todos nós-, afirmou.
Projetos celebrados
O seminário partiu da concepção de que a região só terá uma verdadeira integração se houver planejamento na hora de produzir e se cada país se concentrar no que faz melhor. Dessa maneira, o continente poderia agir como um só bloco, oferecendo uma diversidade maior de produtos para exportação e consumo interno.
Além de Lula e Samper, diversos palestrantes convidados também falaram sobre estes desafios da integração regional. O panorama apresentado pelos palestrantes mostra que a integração produtiva é um grande potencial e também uma necessidade para se enfrentar a nova fase de desenvolvimento econômico.
-Não vivemos uma época de mudanças e sim uma mudança de época. Os desafios não podem ser superados sem integração-, afirmou Antonio Prado, secretário executivo adjunto da Comissão Econômica para a América do Sul e o Caribe (CEPAL). Ele ressaltou a velocidade das inovações tecnológicas e os efeitos delas nas cadeias produtivas.
Neste sentido, o ex-presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Reginaldo Arcuri, apresentou experiências exitosas de integração na área industrial. Juan Salazar, assessor econômico da Unasul, também apresentou projetos concretos de integração de infraestrutura, neste caso do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan). O órgão foi criado pela Unasul e cuida das áreas de transporte, energia e comunicação.
Muitos expositores ressaltaram os grandes avanços feitos nos últimos anos, mas a necessidade de avançar mais foi uma opinião constante. -Noventa por cento da produção industrial do mundo ainda estão concentrados em 25 países. Precisamos investir em indústrias regionais-, afirmou Fernando Sarti, diretor do Instituto de Economia da Unicamp.
O papel central do Estado em fomentar a integração foi ressaltado por Esther Bermerguy, ex-secretária de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, e por Victor Rico, diretor-representante do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) no Brasil. -Temos muitos exemplos de como é possível fazer inovação quando se tem as condições e o ambiente institucional adequado-, afirmou.
*Da redação, com informações do Instituto Lula e agências