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Edição 129 > A sombra de 1964 na história do Brasil

A sombra de 1964 na história do Brasil

Bernardo Joffily*
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Hoje temos a prerrogativa de fitar o golpe e a ditadura de 1964 do ponto de vista de 2014, com meio século de distanciamento - inclusive 29 anos de democracia, tenra, precária, deformada, ainda cheia de iniquidades, mas mesmo assim a mais avançada e longeva que o Brasil já teve. Sob este prisma, 1964 revela seu conteúdo histórico com nitidez incomparavelmente maior que a disponível no calor dos acontecimentos. Vale a pena revisitar aqueles eventos à luz de nosso tempo das Comissões da Verdade.

Na madrugada de 31 e março de 1964 o general Olímpio Mourão Filho [1900-1972] lançou os tanques da 4ª Região Militar na estrada de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro, 150 km ao sul. Precipitou-se assim o golpe, que se consumou com rapidez fulminante, já em 1º de abril, derrubou o presidente João Goulart [1919-1976] e atirou o Brasil em 21 anos de ditadura militar.

Mourão Filho, veterano chefe da Ação Integralista (seu maior feito até então fora forjar a falsificação conhecida como Plano Cohen, fornecendo o pretexto para o golpe de 1937), sempre de cachimbo em riste, antecipou-se aos seus camaradas de conspiração golpista. O movimento em Minas colheu de surpresa até o general Humberto Castelo Branco [1897-1967], que coordenava os conspiradores e planejava o golpe para 02 de abril. E a afoiteza de Mourão Filho foi ditada por razões eminentemente táticas, circunstanciais: o discurso de Goulart no Automóvel Clube, as lutas nas entranhas da conspiração, a iminência de sua passagem compulsória à reserva, de pijama e sem comando de tropas. Mas o golpe que ele deflagrou e a ditadura que se seguiu nada tiveram de casual ou fortuito; projetaram sua sombra estratégica, longa e soturna, sobre um bom pedaço da história do Brasil.

O ciclo dos golpes latino-americanos

Em primeiro lugar, convém enxergar o 1964 brasileiro como um episódio - mais exatamente, o episódio inaugural - de toda uma sequência de golpes e ditaduras em toda a América Latina e especialmente na América do Sul. A partir de 1964, até a derrubada de Salvador Allende pelo general Augusto Pinochet, no Chile de 1973, a maior parte do continente caiu sob regimes impostos pelas forças armadas.

Essa onda de golpes não foi a estreia do ditador militar latino-americano, personagem que vem desde o século XIX. Mas dotou-o de características específicas: a aliança com os Estados Unidos, no âmbito da Guerra Fria; o furor anticomunista estribado na doutrina de segurança nacional; o uso sistemático da tortura, assassinato e -desa­pa­recimento- de opositores; e em muitos casos uma certa impessoalidade, onde quem enfeixava o poder ditatorial não era um determinado caudilho, mas as forças armadas enquanto instituições.

O ciclo dos golpes e ditaduras dos anos 1960-1970 faz parte da história compartilhada do nosso continente, assim como, antes dele, o ciclo do nacional-desenvolvimentismo e, depois, o da ortodoxia neoliberal e o das reformas de esquerda.

É impressionante até que ponto nós, latino--americanos, compartilhamos uma mesma história, um destino essencialmente comum (sem negar ou subestimar as particularidades nacionais e locais). Só o nosso ensimesmamento de povos mantidos de costas uns para os outros explica a dificuldade de enxergarmos essa comunhão essencial.

Tempos Conturbados

Outra maneira esclarecedora de situar 1964 é como parte de um período mais longo da história do Brasil, de 1922 a 1985. Este mereceria, para se empregar uma nomenclatura suave, o nome de Tempos Conturbados. Transversal à periodização clássica - República Velha, Era Vargas etc. -, ele ajuda a iluminar as contestações, violações e rupturas na ordem institucional que o caracterizaram.

Os abalos se sucedem desde 1922: Levante dos -18 do Forte- no Rio, Estado de sítio, sublevação tenentista de 1924, Coluna Prestes, Revolução de 1930, contrarrevolução paulista de 1932, Levante da Aliança Nacional-Libertadora em 1935, Estado de guerra, golpe do Estado Novo, com Constituição outorgada e extinção dos partidos, ataque integralista ao Palácio da Guanabara, declaração de guerra à Alemanha nazista em 1942, campanha da FEB na Itália, derrubada de Getúlio, proibição do Partido Comunista e cassação de seus parlamentares, atentado da Rua Toneleros, tentativa de golpe e suicídio de Getúlio em 1954, -contragolpe- do general Teixeira Lott em 1955, tentativas golpistas de Aragarças e Jacareacanga no governo Juscelino, crise da renúncia de Jânio e ensaio de golpe contido pela -Campanha da Legalidade-, conspiração golpista preparatória.

A conturbação infecciona

1964, longe de interromper, exacerbou e infeccionou as conturbações, a começar pela deposição de Goulart. A ditadura, desde que se instalou, assumiu os contornos de um Estado de fato, um regime de exceção permanente. -A revolução vitoriosa [assim se autointitulavam os golpistas] é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte- e -se legitima por si mesma-, afirmava o -Ato Institucional- nº 1, assinado pelos ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica.

A partir daí sucederam-se outros atos institucionais, 17 no total, as cassações de mandatos, suspensões de direitos políticos, intervenções em sindicatos, a criminalização e o incêndio da UNE-Ubes, os -IPMs- (-Inquéritos Policial-Militares-), a extinção dos partidos políticos, os fechamentos do Congresso Nacional, a supressão das eleições diretas para presidente, governadores de estado, prefeitos das capitais e -municípios de segurança nacional- (após 1977 também para um terço dos senadores, os chamados biônicos).

Em 13 de dezembro de 1968 veio o Ato Institucional nº 5: um golpe dentro do golpe, aprovado em reunião do Conselho de Segurança Nacional, com a solitária oposição do vice-presidente e paisano Pedro Aleixo [1901-1975]. O regime militar, que até então buscava manter ao menos as aparências, caiu no arbítrio total. No dia seguinte, o jornalista Carlos Castelo Branco registrava no Jornal do Brasil que o Ato nº 5 -é completo e não deixou de fora, aparentemente, nada em matéria de previsão de poderes discricionários expressos-.

A tortura, o assassinato e o -desaparecimento- de opositores, antes eventuais, tornam-se rotina, a cargo do aparato semiclandestino dos DOI-Codis. Os órgãos de imprensa que não se sujeitaram à autocensura (no mais das vezes lampeiramente, pois simpatizavam com a ditadura) viveram os rigores da censura prévia.

Em resposta, intensificaram-se as ações de grupos guerrilheiros urbanos, integrados por jovens como a hoje presidenta Dilma Rousseff. E em abril de 1972-1974 ocorreu na Amazônia a Guerrilha do Araguaia. O regime militar esmagou militarmente esses movimentos, no caso do Araguaia em uma guerra secreta (a imprensa estava proibida de noticiá-la) que não fez prisioneiros, abatendo sumariamente os guerrilheiros capturados e às vezes decapitando-os.

Mesmo no crepúsculo da ditadura, prosseguiu o assassinato planejado de opositores, até a Chacina da Lapa, em dezembro de 1976. No ano seguinte, o general-presidente Ernesto Geisel [1907-1996], inconformado por ter perdido as eleições municipais em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador, baixou com base no AI-5 o -Pacote de Abril-, modificando as regras do jogo político.

Assim foi até o fim. Nos estertores, quando -De muito usada a faca já não corta-, os adeptos da ditadura ainda recorreram à provocação, incendiando bancas de jornais e a redação da Tribuna Operária, matando Lyda Monteiro da Silva com uma carta-bomba na OAB-RJ, acobertando o Atentado do Riocentro. E em abril de 1984, no auge da Campanha das -Diretas já!-, que levou 6 milhões de manifestantes às ruas, o general-presidente João Batista Figueiredo [1918-1999] recorreu ao estado de emergência em Brasília e arredores, ocupando a capital com tropas e blindados do Exército, sob o comando do general Newton Cruz, simpatizante de Benito Mussolini.

"Tempos Sossegados"

A emenda constitucional das -Diretas já!- obteve 298 votos, contra 65 e 113 ausências - 22 deputados a menos que o necessário. A ditadura terminou sucumbindo por um caminho alternativo não previsto, a candidatura do oposicionista moderado Tancredo Neves [1910-1984], dentro do próprio Colégio Eleitoral, tirando partido da desintegração da base do regime. Como se isso não bastasse, Tancredo contraiu uma infecção hospitalar no dia da posse e morreu, deixando o mandato presidencial para seu vice, José Sarney, um dissidente egresso da base do regime. A democratização seguiu um caminho negociado, paulatino, às vezes sinuoso, só se completando com os trabalhos da Constituinte, encerrados em 1988, e a primeira - e memorável - eleição presidencial direta, em 1989.

Não foi o fim da ditadura como o imaginavam os integrantes da Passeata dos 100 Mil, das guerrilhas urbanas, do Araguaia ou da Campanha das Diretas. Mas, com todas as suas mediações, protelações e conciliações, restabeleceu a democracia em um patamar bem superior ao de antes do golpe, tão superior que é mais rigoroso falar em -democratização- e não em -redemocratização-. Mais ainda: a -Constituição Cidadã-, apesar dos soturnos vaticínios de que tornaria o Brasil ingovernável, já completou 25 anos, idade provecta para uma Constituição brasileira, e as instituições que ela constituiu, com todos os seus defeitos, têm se revelado bastante sólidas quando postas à prova em episódios como o impeachment de Collor (1992) e a crise política do -Mensalão- (2005).

Portanto, junto com a ditadura de 1964 findaram-se também os Tempos Conturbados, mais de seis décadas de cataclismos políticos que deram cabo de seis Constituições e quatro gerações de partidos políticos. No seu lugar, inaugurou-se uma época de inusitada estabilidade democrática institucional, marcada pelo forte peso das eleições municipais e gerais, que se revezam de dois em dois anos, com destaque para o voto direto para presidente.

Provavelmente seria temerário alcunhar de -Tempos Sossegados- essa fase pós-ditatorial. Remotas são as chances reais de sossego em uma nação como o Brasil dessa virada de século, latino-americanamente dilacerado por agudos conflitos sociais, onde até uma brincadeira adolescente como os -rolezinhos- vira caso de polícia, e de justiça, e manchete de jornal. Se nossos tempos têm alguma coisa de -sossegados-, é unicamente no contraste com o desassossego que as gerações anteriores viveram.

Nestas condições, que nunca antes lhe tinham sido proporcionadas, o povo brasileiro vem fazendo a sua experiência institucional. Aos trancos e barrancos, ele vai aprendendo com a vida a fazer política, constituir partidos, votar. Aprende, em especial a tirar proveito da -brecha presidencialista- -, essa particularidade latino-americana que é um ponto fraco na blindagem institucional das classes dominantes - por permitir que o povo escolha, pelo voto direto nacional, o chefe de Estado e de governo, que nos países do continente concentra um enorme poder.

Consenso antiditatorial

Vários indícios atuais comprovam que se formou no país um vasto consenso em repúdio à ditadura militar; independente do desfecho militar dos combates, politicamente ela terminou derrotada. A presidenta Dilma Rousseff foi guerrilheira, encarcerada e torturada nos anos 1970, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso e processado por liderar uma greve metalúrgica em 1980. Mesmo a oposição conservadora cuida de guardar distância do regime dos generais, pelo menos ao escolher seus expoentes mais visíveis, como Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin, Aécio Neves.

Nos meios políticos, a defesa explícita da ditadura ficou confinada a um personagem burlesco, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). No Brasil não haveria espaço para alguém como Evelyn Matthei - defensora assumida da ditadura de 1973 e filha de um dos membros da junta militar de Pinochet - candidatar-se à Presidência como ocorreu no Chile em novembro passado, obtendo 25% dos votos no primeiro turno e 37% no segundo.

Mesmo a mídia dominante, que com uma ou outra exceção serviu com zelo ao regime dos generais (e dele também se serviu), depois da democratização operou sua -conversão ao antiditatorialismo-. As Organizações Globo, império midiático formado em 1965 sob os auspícios da ditadura, no ano passado fez publicar em editorial do jornal O Globo um tardio mea culpa, admitindo que esta havia sido -uma verdade dura- e -um erro-. A retratação extemporânea foi motivada pelos protestos de junho de 2013, onde abundavam lemas como -A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura!-.

Já a Folha de S.Paulo, que sob a ditadura chegou a emprestar seus veículos para os órgãos repressivos, em 2009 ensaiou em editorial uma defesa oblíqua do regime de 1964 a 1985, dizendo tratar-se de uma -ditabranda-, porque teria apresentado índices de violência menores que os das tiranias em países vizinhos. Após seis semanas de críticas implacáveis, inclusive em sua seção de cartas dos leitores, o diário viu-se obrigado a admitir que o uso do termo -foi um erro-, pois ele -tem uma conotação leviana que não se presta à gravidade do assunto-.

Reduto recalcitrante

O segmento que ainda recalcitra em assumir esse consenso antiditatorial está confinado à parcela veterana da alta oficialidade militar, que participou da ditadura e hoje se encontra na reserva. O coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi do 2º Exército, foi condenado em 2008 e 2012 pelos crimes de sequestro e tortura então praticados (segundo tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, crimes contra a humanidade perpetrados por agentes da administração estatal não prescrevem).

No desempenho de sua missão, as Forças Armadas têm dado nestes 29 anos renovadas mostras de que aprenderam a lição de 1964. Mantêm-se escrupulosamente distantes dos políticos e da política. Mas, quando se trata do exame do passado - por exemplo, quando o governo Dilma criou a Comissão da Verdade para investigar as violações de direitos humanos sob a ditadura -, é inegável que esse reduto recalcitrante exerce influência sobre a oficialidade da ativa, jogando com os brios corporativos.

A corporação militar ainda sofre os efeitos da lavagem cerebral que sofreu após 1964, sepultando a pluralidade e as polêmicas que se expressavam abertamente antes do golpe. A realidade do país e dos quartéis é outra, a geração é outra, a extração social da oficialidade sofreu mudanças consideráveis, mas quando se fala da ditadura, o passado ainda se impõe ao presente e manieta o futuro.

Aparentemente, ainda será preciso esperar. Por certo um dia, antes tarde do que nunca, há de germinar nas Forças Armadas uma outra mentalidade, lúcida, destemida e generosa o bastante para passar essa questão a limpo. Então nossos militares do século XXI seguirão o exemplo do jovem Clube Militar de 1887, que se recusou a defender a escravidão. Então, cada um se armará de um pedaço de bandeira nacional, como os 18 do Forte de 1922, e se recusará a continuar carregando os crimes e os segredos de um combate que não é e não pode ser deles.

*Bernardo Joffily é colunista da revista Princípios

LEGENDAS

Atentado do Riocentro

Populares festejam em Brasília a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral

A Folha de S.Paulo (que chegou a emprestar seus veículos para os órgãos repressivos) viu-se obrigada a admitir que -foi um erro- chamar a ditadura de -ditabranda- (em editorial de 2009)

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