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Edição 128 > O Brasil e os dilemas para o seu desenvolvimento na era do Pré-Sal
O Brasil e os dilemas para o seu desenvolvimento na era do Pré-Sal
O leilão do campo de petróleo de Libra acendeu alguns dilemas e dogmas. Sua polêmica também oportunizou, para além dos números envolvidos, um reexame sobre a necessidade ou não da premência do desenvolvimento brasileiro. É dentro desse contexto que aqui defendo a sua urgência e os seus meios

O Brasil desta última década consagrou importantes realizações e descortinou grandes possibilidades. Sob uma orientação política democrática e popular, reposicionou-se internacionalmente e saiu da insolvência econômica e social de outrora.
Na etapa atual, o governo da presidenta Dilma Rousseff vive importantes dilemas. No que pese o sistema de oposição conservador influenciar e insistir em retomar sua agenda neoliberal, no geral a resultante que se apresenta em disputa no Palácio do Planalto é de como conduzir a perspectiva brasileira, de como garantir o avanço das mudanças e, sobretudo, os meios financiadores dessa estratégia.
O leilão do campo de petróleo de Libra realizado no último dia 21 de outubro acendeu ainda mais esses dilemas e alguns dogmas. Sua polêmica também oportunizou, para além dos números envolvidos, um reexame sobre a necessidade ou não da premência do desenvolvimento brasileiro. É dentro desse contexto que aqui defendo a sua urgência e os seus meios.
Somos uma nação em desenvolvimento-
Apesar de a afirmativa ser aparentemente um senso comum, penso ser necessário reafirmar a sua caracterização histórica, mediar com a perspectiva atual e dialogarmos com posições que, na essência, terminam contribuindo para o retardo dessa tendência.
A formação de nosso povo uno, de nosso Estado-nação à introdução de nossa relativa industrialização, caracteriza os dois grandes ciclos político-econômicos do Brasil. Durante esse percurso, a apropriação dos resultados da exploração dos recursos naturais daquele tempo contribuiu para que o país fosse marcado por uma longa formação mercantil-capitalista-escravista, de um capitalismo de desenvolvimento médio tardio e do tipo dependente.
Se caracterizamos nosso país como em desenvolvimento - com essas limitações e contradições - é porque conceitualmente almejamos colocá-lo na condição superior, a de desenvolvido. Entretanto, a história brasileira já provou que sua elite só apregoa, mas efetivamente sempre se contentou com esse modelo, pois dele sobrevive política e economicamente.
Portanto, as forças políticas identificadas com o progresso e o efetivo bem-estar de nosso povo, sobretudo da classe trabalhadora, não devem menosprezar ou obstaculizar a urgência por um novo padrão do desenvolvimento brasileiro. Não empreender esforço político nessa direção é conciliar com os limites do dito -social-desenvolvimentismo- e prolongar a natureza tardia e dependente do país.
Dessa forma, a consecução de um novo Planejamento Estratégico para o Desenvolvimento Brasileiro está mais do que nunca na ordem do dia. Para isso se requer um núcleo político à esquerda, conduzindo-o e mediando com sua ampla coesão e com os movimentos sociais. Ou o projeto Lula-Dilma lidera esse processo ou continuaremos patinando em torno dos limitados crescimentos econômicos.
A crise capitalista sinaliza esgotamento do modelo atual no Brasil
No período da relativa disponibilidade de liquidez e dos preços favoráveis de nossa pauta exportadora, acrescido de importantes políticas para o fomento nacional, com destaque para a valorização do salário mínimo, foi possível ao governo atender relativamente à base da pirâmide social brasileira, promovendo uma histórica mobilidade desse segmento.
Já atualmente, sob os efeitos da crise capitalista em curso - na qual até mesmo a locomotiva do século XXI, a China, é afetada pelos seus efeitos -, o Brasil precisa romper seus impasses, enfrentar seus obstáculos estruturais através de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND) e pavimentar uma transição rumo ao seu terceiro ciclo civilizacional.
Nessa direção, o centro desse enfrentamento deve ser o rentismo que, sob as condições atuais, sangra a capacidade do investimento público e estimula a ciranda financeira em detrimento da produção.
Destaco três aspectos que conformam os impasses que condicionam os rumos e, sobretudo, os meios que podem financiar um novo padrão para o desenvolvimento brasileiro. Primeiro, na economia política. Replico que as consequências do acordo da burguesia brasileira com o rentismo internacional e seus vassalos no país, operação esta realizada por Fernando Henrique em 1994, são o maior impasse nacional.
Naquele período, institucionalizou-se como política de Estado o tripé macroeconômico: o compromisso com o superávit primário que visa a assegurar o pagamento dos serviços das dívidas públicas; a política de câmbio flutuante; e a elevadíssima taxa de juros por meio do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic).
Esse pacote esgarça a capacidade do investimento público em todas as suas esferas, inibe o investimento privado, desindustrializa o país e eleva ainda mais a desnacionalização de nossa economia. Neste ano o rombo nas contas correntes do país projeta-se para US$ 73 bilhões.
Portanto, sem essa condição de indução, o Estado nacional se torna frágil, refém e, por conseguinte, incapaz de acelerar para outro patamar o nosso desenvolvimento. É condição estratégica desarmar essa bomba-obstáculo.
O segundo diz respeito à super-estrutura do Brasil. Sintonizado com o item anterior, grande parte do sistema do Estado nacional foi fragilizado e seu arcabouço orientado para inviabilizar o gasto público. Uma das evidências é a batalha titânica para se garantir eficácia na realização nos projetos desse último período, com destaque para os do PAC, que, após 40 anos sem investimento em seu foco, tenta dotar o país de melhor condição em sua infraestrutura e logística.
E o terceiro, na política. É sob sua batuta que os anteriores podem ser enfrentados, dando-lhes novas orientações. Nesse rumo, as forças políticas, sobretudo seu núcleo principal, devem ter convicção em torno do NPND - estratégia de longo prazo e compromisso de arregimentar as forças políticas identificadas com esse projeto. Ao mesmo tempo, devem abrir um amplo, franco e aberto diálogo com os movimentos sociais que, respeitando sua autonomia, têm o direito de conhecer o conjunto de variáveis que condicionam as escolhas políticas do atual governo.
A presidenta Dilma, que há pouco tempo abriu uma transição para desarmar a macroeconomia conservadora, sob pesado fogo cruzado da oposição de fora e dentro do país, recuou e cria novas incertezas quanto ao -modus operandi- para o desenvolvimento do país. O retorno dos dois dígitos da taxa Selic é uma expressão dessa realidade.
Portanto, se constata o limite ideológico do projeto democrático e popular do atual governo que, combinado com os fatores supracitados, produz uma correlação de forças políticas e econômicas que inibe maiores arrancadas desse projeto de poder. Urge erguermos pontes que partam dessas correlações de forças existentes para superá-las, sem risco de regressão.
Quais os agentes e as fontes de financiamento do novo planejamento estratégico para o desenvolvimento brasileiro-
Penso que as respostas a essa questão-chave devem partir da realidade objetiva acima interpretada. Nela, se destaca a grande herança maldita desse processo, e que ainda perdura, que limita o meio mais importante para a consecução de uma estratégia planejada de longo prazo: o investimento.
Para um crescimento médio e sustentável projeta-se que o país necessitaria investir 25% do seu PIB. No entanto, hoje só aplica 18% - 5% público e 13% do setor privado.
Nessa direção, apoio os programas com foco na superação dos gargalos na infraestrutura, estímulos à produção e à competitividade do país, além do esforço de atrair e comprometer o investimento privado na tarefa de desenvolver ao limite nossas forças produtivas.
Essa necessidade, no entanto, deve ter como característica um papel de complementariedade econômica dirigida, portanto integrada e submetida aos objetivos maiores do desenvolvimento brasileiro. Essa circunstância não pode eliminar o estratégico investimento público. Pelo contrário, este deve ser o maior indutor e, nessa condição, exercer o controle, sobretudo em cadeias produtivas estratégicas para o país.
Compreendo as concessões inseridas dentro desse contexto. Uma combinação de investimentos já experimentada internacionalmente e que atualmente exerce papéis decisivos em outros projetos nacionais, com destaque para o chinês.
O Leilão do Campo de Libra
Sem dúvida, as receitas oriundas da exploração do pré-sal se constituem no grande aporte que pode financiar um novo desenvolvimento brasileiro. E por essa condição, não podemos repetir os erros históricos de quando outras fontes foram indevidamente apropriadas.
Jorrá-lo e realizá-lo - em função do contexto já descrito - é uma necessidade inadiável. No entanto, se faz necessário submetê-lo a um novo planejamento estratégico nacional que oriente toda a sua cadeia produtiva, evitando-se assim um novo risco de desperdício. A decisão da destinação concentrada na educação e na saúde é importante.
Nessa direção, o arcabouço legal que regula a exploração dessa riqueza, mesmo com suas limitações e riscos, revelou-se mais protetor do interesse nacional do que o modelo anterior, o das concessões. Não à toa os neoliberais tentam através de vários projetos de lei retirar essas garantias.
Sem nenhum afago reducionista, penso que os cenários abertos com o leilão não são resultantes apenas da legislação em vigor, mas também têm a ver com a tendência dos novos contornos na geopolítica, sobretudo com o poderio econômico da sua nova locomotiva, a emergente China.
O poder de ser proprietário e dominante tecnológico da exploração dessas reservas, da qual a China é vulnerável e dependente, viabilizou o Brasil nessa aliança. Esse contrato de longo prazo, através do petróleo, acopla o país na segunda economia mundial e ainda em ascensão. Abrem-se assim novas perspectivas industrializantes.
Entretanto, essas possibilidades exigem uma premissa decisiva para o seu alcance. Refiro-me ao planejamento desenvolvimentista de longo alcance, pois os chineses já o possuem, e sabem muito bem aonde querem chegar, quando e como. O Brasil agora terá de elaborá-lo e viabilizá-lo em pleno exercício operacional dessa complexa atividade. Ou seja, riscos potenciais estão à nossa frente.
O movimento social brasileiro
Coube ao movimento social brasileiro legitimamente provocar reflexões e debates em torno da oportunidade, dos riscos e da forma de explorar essa nossa riqueza. Pouco provável se o seu resultado privilegiasse as empresas americanas, e pudéssemos traçar as mesmas possibilidades. Ou seja, ela ainda está incompleta e aberta a intervenções antinacionais.
A maioria das opiniões teve um sentido de proteger o interesse nacional e de aperfeiçoar as escolhas políticas envolvidas, sobretudo questionando a orientação governamental de submeter o leilão, mais pelo desarranjo da macroeconomia conservadora do país (rombo nas contas correntes) do que pela sua visão de longo prazo. Realizar essa produção e submetê-la à lógica rentista é um desserviço ao povo brasileiro, o seu verdadeiro proprietário.
O acúmulo dessas lutas contribuiu para aperfeiçoamentos e impulsionou a ousadia do governo e da Petrobras nessa disputa. Quanto às verdades absolutas, recuso-as, pois apenas a história responderá a esse conjunto de possibilidades, mas também de incertezas.
* Divanilton Pereira é membro do Comitê Central do PCdoB, secretário de Relações Internacionais da CTB, secretário de Assuntos Institucionais da FUP, membro do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Norte.
LEGENDAS
Em 2006, durante evento de início da produção da plataforma P-50 na bacia de Campos, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado de seus ministros Aldo Rebelo e Dilma Rousseff, repetiu o gesto do ex-presidente Getúlio Vargas, feito em 1952