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Edição 128 > A crise internacional e a política de sustentação do investimento

A crise internacional e a política de sustentação do investimento

Lecio Morais*
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O papel do Estado é fundamental no financiamento do investimento. Quando o Estado dispõe de instrumentos adequados, ele tem uma capacidade única de ação anticíclica. Os problemas enfrentados pela estagnação recente da taxa de investimento devem-se mais às limitações do próprio capitalismo e menos a erros nas políticas econômicas conduzidas pelo governo Dilma

Alcançar uma meta elevada de investimento depende crucialmente de uma oferta adequada de financiamento, com recursos próprios ou de terceiros. Numa economia capitalista dependente, como a brasileira, as empresas privadas têm menor capacidade de arregimentar capital e o sistema financeiro privado é incapaz de ofertar crédito adequado ao investimento (1). Além disso, o ciclo do capital - expansão, crise, retração, e nova expansão - de uma economia periférica, muitas vezes, não está sincronizado com o ciclo do centro capitalista. Isso faz com que fases de expansão sejam precocemente criadas como também bruscamente abortadas, cessando o fluxo de divisas e reduzindo a oferta de financiamento externo.

O papel do Estado é então fundamental no financiamento do investimento. Quando o Estado dispõe de instrumentos adequados, ele tem uma capacidade única de ação anticíclica.

A crise internacional, iniciada em 2007-2008, tornou a ação estatal anticíclica ainda mais relevante, pois a fuga do risco faz com que a acumulação do capital se retraia. Embora a ação do Estado em financiar o investimento tenha começado a partir de 2006, a crise iniciada em 2008 fez com que ela crescesse e se ampliasse.

A ação estatal sobre a taxa de investimento pode se dar como regulador ou como agente econômico. A regulatória inclui as políticas macroeconômicas (monetária, cambial e fiscal) e microeconômicas, como as políticas industrial e salarial. Como agente econômico, a ação pode ser realizada por meio do Setor Público - o governo e suas estatais - financiando e executando diretamente o investimento; e de forma indireta, ofertando, como instituição financeira, crédito ao capital privado.

Apesar da ação estatal de regulador e de agente econômico se complementar na promoção do investimento, este artigo analisará apenas a ação do Estado enquanto agente econômico, financiando direta ou indiretamente o investimento na fase posterior ao início da crise internacional, em 2008. Neste período, apesar do esforço estatal, houve uma estagnação na taxa de investimento e, com exceção de 2010, uma queda acentuada na taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Em conclusão, sustentarei que, tendo em vista as circunstâncias histórico-sociais de nossa classe dominante e os condicionantes do ciclo do capital, em um contexto de crise sistêmica, os problemas enfrentados pela estagnação recente da taxa de investimento devem-se mais às limitações do próprio capitalismo e menos a erros nas políticas econômicas conduzidas pelo governo Dilma.

1. Investimento público e a taxa de investimento

Em capítulo do livro Desenvolvimento: Ideias para um Projeto Nacional (2) tive a oportunidade de examinar a questão do nível de investimento no Brasil e de suas fontes de financiamento. Na pesquisa, o investimento foi identificando a Formação Bruta de Capital (FBK), um conceito para o qual se dispõe de estatística confiável. Quando expressa em percentual do PIB, a FBK é igual à -taxa de investimento-.

Na análise mais abrangente, publicada em 2010, identificamos as fontes de financiamento da FBK e agrupamos esses fluxos segundo a natureza pública ou privada de seu controle. As fontes públicas são os governos nacional e subnacionais e suas estatais (o -Setor Público-). As fontes privadas podem ser internas ou externas (investimentos externos diretos (IED) e empréstimos). Nas fontes internas, o fluxo é formado quase integralmente pelo lucro a reinvestir, visto que o crédito para investimento de origem interna é praticamente nulo e o oriundo do mercado de capitais é apenas incipiente.

No Setor Público dividimos os financiamentos em duas modalidades: o -financiamento direto-, aquele que financia um investimento próprio (o executado pelo próprio governo ou empresa estatal); e o -financiamento indireto-, o que financia por meio de uma instituição financeira pública o investimento decidido pelo capital privado. No Setor Privado as duas modalidades são tomadas sem essa distinção.

O comportamento desses fluxos de financiamento está resumido na Tabela 1 - uma reprodução simplificada da Tabela 2 (MORAIS, 2010, p. 89) - expressos em percentagem do PIB (3). O fluxo das fontes de financiamento e a sua destinação ao investimento público ou privado são apresentados na Tabela 3.

A fase 2003-2008 representou um período de forte crescimento, acompanhando o Leste Asiático e os países emergentes. A segunda fase abrange os anos da crise sistêmica iniciada ao final de 2008. Durante todo o período, o total relativo dos fluxos de financiamento oriundos do Setor Público cresceu uniformemente, elevando, ao final, a quase 70% sobre o do ano inicial, medido em percentual do PIB. Enquanto o financiamento orçamentário do próprio governo manteve-se estável, o crescimento maior se deu nas estatais e, principalmente, no fluxo dirigido para o investimento privado (ver Tabela 3). No último caso, o maior fluxo para o Setor Privado se originou no BNDES, que teve seu capital ampliado - entre 2009 e 2013 - em R$ 300 bilhões, mediante emissão da dívida pública federal.

Quanto ao financiamento privado interno, ele cresceu moderadamente na primeira fase, caindo fortemente a partir de 2009, após a crise. Em 2012 ocorreu o valor mais baixo, com 2013 apresentando a primeira elevação após 2008.

A fonte externa (IED e empréstimos) teve comportamentos contrastantes nas duas fases. Na primeira delas, o resultado líquido de entradas e saídas manteve-se negativo até 2006, refletindo o repatriamento de lucros e IED, a redução do empréstimo externo e forte elevação na concessão de empréstimos de empresas nacionais a filiais no exterior. Mas a partir de 2007, e durante toda a segunda fase, em plena crise internacional, o fluxo financiador líquido manteve-se positivo.

O comportamento paradoxal da conta de capital é inédito em nossa história, sendo duas as causas mais prováveis. A primeira decorre das grandes mudanças no sistema capitalista internacional, com a emergência do Leste Asiático como centro dinâmico do sistema, e o relativo declínio dos EUA e da União Europeia. A segunda causa é a crescente internacionalização da economia brasileira, resultado do avanço significativo de ativos estrangeiros na economia, e também uma pequena, mas também inédita, internacionalização de empresas brasileiras.

A partir de 2009, ano de maior impacto da crise externa, o esforço de financiamento do setor público compensou a imediata e forte queda das fontes privadas - fazendo-o assumir o financiamento de mais de dois terços da taxa de investimento. Uma taxa que, apesar de ter-se reduzido em relação à de 2008 - a mais alta da série recente -, ainda foi maior que a média dos anos anteriores à crise. O que mostra o tamanho da mobilização de recursos por parte do setor público em 2009 e nos anos seguintes para financiar o investimento das estatais e, principalmente, o do capital privado, via BNDES e fundos federais, regionais e setoriais (ver Tabelas 1 e 2).

No balanço entre as fontes de financiamento públicas e privadas, a partir de 2009 houve uma crescente participação relativa das fontes públicas e uma redução das fontes privadas, em especial as privadas internas. Na média anual de 2009-2013, as fontes privadas caíram em 2 pontos percentuais do PIB, abaixo da média de 2003-2008 (ver tabela 2). A média das fontes privadas internas caiu ainda mais, reduzindo-se em mais de um terço. Significa que a queda concentrada do financiamento desse setor se deu no reinvestimento de lucros, que representa a sua quase totalidade. Como o financiamento privado voltou a crescer, ainda que pouco, em 2010-2013 (ver Tabela 1), o provável é que as empresas estejam retendo lucros, substituindo-os no investimento por financiamentos de fontes públicas (mais) ou externas (menos).

Em decorrência da retração das fontes privadas, a participação do setor público - como mostram as linhas 6.1 e 6.2 da Tabela 1 - ultrapassou-as em larga medida no financiamento da FBK, tendo como ponto de virada o ano de 2009. Esse forte aumento foi direcionado quase todo para o investimento privado, apesar do crescimento das estatais federais.

Apesar da queda da taxa de investimento em 2009, a oferta de crédito do setor público ao setor privado conseguiu sustentar uma taxa de investimento em uma média ligeiramente superior à média da fase pré-crise. Porém, frustrou fortemente a expectativa de que, apesar do impacto externo negativo, o crescimento após 2010 manteria taxas elevadas.

Tomando como indicativa a participação relativa das fontes de financiamento em relação ao setor público e privado, assumindo hipóteses conservadoras (4), a Tabela 3 sugere, grosso modo, que a participação do financiamento do setor público ao investimento privado, quando medido em porcentagem do PIB, tenha se elevado de 30,7%, no período 2003-2008, para 43,2% na segunda fase. Mas a forte queda do financiamento privado ao investimento fez com que o fluxo total para a FBK, na média anual, caísse em 3%. Ao contrário, no setor público houve um crescimento do financiamento anual médio da ordem de 28% entre as duas fases.

Apesar do crescimento do financiamento ao investimento de empresas estatais produtivas, não é possível ver nisso nenhum avanço generalizado de setor estatal, como aconteceu na década de 1970, pois a expansão foi concentrada apenas no setor energético (Petrobras e Eletrobras). O mesmo não se pode dizer quanto ao financiamento do investimento. O total das fontes financiadoras do setor público elevou-se acentuadamente a partir de 2009, passando a suprir dois terços do total do investimento, com o recuo das fontes privadas, ampliando a estatização do crédito de longo prazo. O BNDES, a fonte mais significativa, passou a financiar sozinho 20% de todo o investimento na economia (ver Tabela 3).

2. Um problema do governo ou do capitalismo-

O diagnóstico da ortodoxia econômica vê como causa da queda na taxa de crescimento do PIB, após 2010, o aumento do setor público no investimento e sua consequente -estatização-. O argumento é de que o Estado, ao crescer, inibe o crescimento do capital, ainda mais quando há subsídios que distorcem o bom equilíbrio econômico e promovem a ineficiência, gerando desperdício. Isto justificaria a perda de dinamismo e o baixo crescimento do PIB. Este argumento tem dois problemas: primeiro, porque ele depende de uma premissa ideológica de que o mercado é perfeito em formar expectativas sobre o futuro e que será sempre mais eficiente na atividade econômica do que o Estado; e segundo porque, embora possa considerar o impacto da crise externa na formação das expectativas internas, elude completamente a natureza cíclica da dinâmica capitalista que faz com que uma crise, se deixada por si, causará sempre grande destruição de meios de produção e de sobrevivência e um longo período de estagnação.

É este segundo ponto que queremos ressaltar como explicação mais plausível para o recuo da acumulação privada. A grande crise capitalista instalada em 2008 é apenas um fenômeno recorrente da conhecida dinâmica do ciclo capitalista de expansão, crise e depressão. Após uma crise, o capital recua, temendo maiores perdas, preferindo manter-se com maior liquidez, reduzindo o investimento produtivo. A violência da crise ocorrida no centro do capitalismo em 2007-2008 resultou em uma generalizada retração que se espalhou em ondas, embora desigualmente, por todo o sistema. As economias periféricas cujo crescimento estava mais ligado ao novo centro dinâmico do Leste Asiático resistiram mais à recessão, e até ensaiaram uma retomada em 2010. Porém, em um segundo desdobramento da crise, a Eurolândia entrou em colapso - reduzindo significativamente o fluxo do comércio mundial -, ocasionando uma segunda onda de choque que, desta vez, atingiu até o Leste Asiático e seus parceiros. E o capital no Brasil arrefeceu com ele.

A ação anticíclica do governo foi fundamental para que esta retração não tenha se transformado em uma forte depressão, que destruiria os avanços de inclusão social e de distribuição de renda, e se perderia parte do capital acumulado nos últimos anos. Essa ação, porém, não conseguiu retomar, até agora, o crescimento desejável, antecipando a retomada de um novo ciclo de expansão.

Não foi possível, até agora, desfazer as expectativas do capital privado frente à estagnação e à instabilidade do centro sistêmico americano e europeu. Em especial porque a política monetária dos EUA lança sucessivos choques de instabilidade cambial e vem ameaçando o mundo com o calote de sua dívida. As notícias agourentas sobre o desempenho da China, transformada em maior motor de crescimento de uma parcela, jogam mais incertezas e desconfiança.

Um grande trunfo da estratégia de desenvolvimento em curso, que é a expansão do mercado interno, empalideceu. A economia interna vem sendo alvo de uma invasão de bens importados (finais e intermediários), tornados mais baratos nos EUA e Europa pelo violento corte de custos conseguido graças ao desemprego e ao achatamento de salários lá praticados. A concorrência que já nos era difícil pela valorização do real tornou-se mais difícil frente ao dumping social dos países ricos!

Não têm sido poucos os motivos a preocupar o capital tupiniquim. Este é o problema a resolver.

3. Política econômica e política na economia

Uma lição que temos de tirar desta situação é que o Estado no capitalismo pode muito, mas não pode tudo. A dinâmica do capital constrange os caminhos. Mesmo a simples questão da desproporção existente entre o volume do investimento do capital privado e o do Estado já demonstra o tamanho do desafio em conduzi-lo. É realmente grande a dificuldade do Estado para determinar um nível da atividade econômica que considere adequado à sociedade. Em especial quando pretende fazê-lo em meio a uma fase mundial de crise e recessão.

A retração do financiamento e do investimento do capital privado vem tendo diversas explicações. À direita, a ortodoxia alardeia que a retração do capital se dá em reação ao avanço do Estado na economia, e acusa o governo de ter abandonado as políticas macroeconômicas corretas. Já à esquerda, a crítica à política econômica é porque ela vem sendo insuficiente e tíbia na promoção da continuidade da prosperidade, defendendo, em particular, a mudança nas políticas macroeconômicas -neoliberais- ainda vigentes.

O ponto em comum das duas críticas é apontar o governo e suas políticas como os culpados pelo baixo crescimento e pela estagnação da taxa de investimento.

É, como vimos, um grande equívoco. A explicação do fenômeno está na própria dinâmica do capitalismo: uma crise sistêmica que gerou duas ondas de choque sobre as economias da periferia, minando-lhes a prosperidade e estabelecendo um longo período de estagnação e instabilidade.

É verdade que o governo Dilma pode ter errado a mão e ter incorrido em erros de condução na política econômica. Na política fiscal, procedeu de forma atabalhoada na concessão de benefícios fiscais, principalmente em 2012 e na primeira metade de 2013, passando a impressão de insegurança e criando uma corrida de vários setores em busca de benefícios cada vez maiores. Também não se conseguiu defender nosso grande trunfo para o desenvolvimento em um mundo em crise que é um mercado interno grande e em expansão. Não conseguiu protegê-lo do dumping social promovido pelos EUA e União Europeia, reduzindo nosso estratégico espaço de crescimento endógeno.

Mas também é verdade que o governo Dilma conseguiu muita coisa. Colheu baixas taxas de crescimento, mas manteve o povo longe dos terríveis problemas de desemprego, perda de rendas e de direitos sociais vistos agora nos países ricos.

Como vimos, o problema fundamental da situação atual não está tanto em erros do governo - à esquerda ou à direita -, mas na própria dinâmica do capitalismo, com suas crises cíclicas seguidas de recessão ou depressão. A culpa do baixo crescimento não é do governo, é do capital.

O esforço de política que vem se fazendo é essencial para enfrentar a recessão e antecipar, no possível, o crescimento. Porém, isso não é apenas um problema de políticas econômicas, é um problema para a política, a única força social capaz de em momentos como este lograr animar a nação e apontar o caminho. Lula assim agiu quando da crise em 2008.

E a saída de nossas grandes dificuldades depende agora crucialmente de o governo Dilma voltar a liderar a nação, o povo e os capitalistas, dando-lhes confiança no futuro e apontando o caminho.

Por fim, uma boa notícia está na observação de que os dados do financiamento privado parecem ter chegado ao seu pior nível em 2012. Em 2013, o financiamento vem se recuperando. Os fluxos privados internos quase duplicaram em porcentagem do PIB. Pode ser apenas um ponto fora da curva, mas pode sinalizar o começo de uma nova fase de expansão.

Infelizmente, se confirmada essa retomada do crescimento, ela ainda poderá ser abortada por outro desdobramento negativo da crise internacional. O futuro próximo dirá.

* Lecio Morais é economista e mestre em Ciência Política. Atua como assessor técnico da Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados.

Notas

(1) Neste artigo, o termo investimento define o investimento produtivo, aquele produtor de mais-valia, e o termo financiamento relaciona-se a qualquer tipo de fluxo monetário que o realiza. A quantificação do investimento em determinada unidade de tempo, por motivação estatística, será tomada como igual à Formação Bruta de Capital.

(2) MORAIS, L. -Financiando o Desenvolvimento: Fontes para um Novo Desenvolvimento Nacional-. In: Desenvolvimento: Ideias para um Projeto Nacional, p. 69-92. São Paulo: Anita Garibaldi, 2010.

(3) Os valores desta Tabela, que diferem da Tabela 2 original, em Morais (2010), resultam de revisões de dados procedidas pelas respectivas fontes das estatísticas. As revisões incorporadas foram feitas até novembro de 2013, quando este artigo foi redigido.

(4) No caso de uma fonte como o BNDES, que financia empresas privadas e estatais, assumimos que a participação do financiamento a empresas estatais não supera 10% do desembolso anual.

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