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Edição 113 > Foro de São Paulo Esquerda latino-americana reforça sua unidade
Foro de São Paulo Esquerda latino-americana reforça sua unidade
O 17º Encontro do Foro de São Paulo -ocorrido em Manágua entre 17 e 20 de maio- deu novos e fi passos para a esquerda latino-americana e caribenha prosseguir com o adensamento de sua unidade, potenciando suas convergências e valorizando a existência do espaço de debates e coordenação.

O Encontro de Manágua ocorreu sob clima político positivo, devido ao nível de unidade inédito entre os partidos participantes e às amplas possibilidades de reeleição do anfitrião, o presidente Daniel Ortega, da Frente
Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), em novembro próximo, e, no geral, às vitórias alcançadas pelas forças de esquerda e progressistas da América Latina e Caribe nos últimos anos.
Importantes atores dos processos de mudanças na América Latina compareceram a Manágua, como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Manuel Zelaya, respectivamente de Brasil e Honduras; o chanceler venezuelano Nicolas Maduro; o presidente do parlamento cubano, Ricardo Alarcón; além do presidente Daniel Ortega; e de vários de seus ministros.
Nas últimas duas décadas, o Foro realizou 17 Encontros, reunindo-se, assim, em periodicidade próxima à anual. No curso de seus 21 anos, o Foro vai evoluindo, em suas diversas fases, em relação direta com o curso da experiência vivida a cada momento pelas forças que o compõem. Em outras palavras, com a evolução do quadro de forças na região.
A relevância do Foro
Fundado em 1990 por convocação do Partido dos Trabalhadores (PT) brasileiro, sob a liderança de Lula, o Foro funciona como uma rede de partidos. O ex-presidente brasileiro esteve presente no 17º Encontro de Manágua, e como presidente da República Federativa do Brasil já havia estado no último realizado em São Paulo, no Memorial da América Latina, em sua 12ª edição, em 2005.
Nos Encontros do Foro, que desde 2007 têm sido rigorosamente anuais, ocorrem reuniões por setoriais, como de parlamentares, de autoridades governamentais, de movimentos sociais, de mulheres e de jovens, dentre outros, e reuniões temáticas, como sobre integração continental, descolonização, defesa, democratização dos meios de comunicação, cultura e migração, dentre outras. Recentemente, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) tem coordenado os debates sobre defesa. Destas reuniões setoriais e temáticas, se apresentam projetos de declaração ao plenário do Foro, que são aprovados por aclamação. Além destes, no plenário do Foro - que reúne delegados de todos os partidos membros - aprova-se, por consenso, como documento principal, uma Declaração Final.
Entre um Encontro e outro, reúne-se o Grupo de Trabalho, que funciona como espaço de coordenação política e de concertação de posições dos principais partidos do Foro. É composto por cerca de duas de- zenas de Partidos latino-americanos e caribenhos. O PCdoB faz parte deste Grupo desde 2007.
A principal marca do Foro de São Paulo é sua característica de espaço unitário e plural, que propugna a luta anti-imperialista e antineoliberal e defende a emancipação dos povos latino-americanos e caribenhos, a integração continental e a perspectiva socialista. Espaço que, na definição de Lula, em sua intervenção no plenário de Manágua, busca -juntar diferentes para derrotar os antagônicos-.
Assim, o Foro reúne todas as expressões da esquerda latino-americana e caribenha, as forças comunistas, revolucionárias, socialistas, anticolonialistas, nacionalistas, democráticas e progressistas. Tais forças, naturalmente, possuem diferentes horizontes estratégicos e, por conseguinte, objetivos táticos, mas buscam valorizar o que há de comum, ter unidade na ação política, e seguir o debate sobre o que há de diferenças.
21 anos de história
O Foro de São Paulo aparece no meio da crise resultante da dissolução da União Soviética, que causou perplexidade e crise na esquerda em todas as partes do mundo. Em julho de 1990, correspondendo a uma necessidade de unir-se em um esforço comum de reflexão teórica e política, e de coordenação das lutas anti-imperialistas e contra as políticas neoliberais então hegemônicas, as forças de esquerda e progressistas da América Latina e Caribe reúnem-se no extinto Hotel Danúbio, na capital paulista. Partidos de 14 países da região participaram dessa primeira reunião, realizada exatamente durante os dias em que se jogava as finais da Copa da Itália. O PCdoB compareceu e é, assim, um dos partidos fundadores do Foro.
Segundo Roberto Regalado - observador privilegiado e autor de importante estudo sobre a trajetória do Foro (Encuentros y desencuentros de la Izquierda Latinoamericana - una mirada desde el Foro de Sao Paulo. Ocean Sur, Ciudad de Mexico: 2008) -, o Foro de São Paulo surge num contexto de resistência e, mais que isso, num primeiro momento, após a dissolução da União Soviética, até de certa desorientação pelo que neste contexto que surge pela necessidade de intercambiar opiniões, num contexto de crise da esquerda em nível mundial.
O 2º Encontro, realizado na Cidade do México em 1991, batiza-o como Foro de São Paulo, no senti- do de identificar as origens da articulação do grupo. Em Manágua, no 3º Encontro, em 1992, forma- liza-se a existência de um Grupo de Trabalho. O 4º Encontro em Havana, 1993, seria um dos dois presididos por Fidel Castro, como primeiro secretário do PC Cubano - o outro foi o de 2001.
No 6º Encontro, de San Salvador, em 1996, comparece ao Encontro um tenente-coronel venezuelano, Hugo Chávez, líder do Movimento Bolivariano 200 que, dois anos depois, seria eleito presidente da Venezuela e onde quatro anos antes havia liderado uma revolta cívico-militar.
O 7º Encontro, em 1997 em Porto Alegre, marca, por um lado, uma volta ao Brasil e, por outro, importantes debates estratégicos fruto da pressão política e ideológica de concepções centristas e derrotistas em parcelas da esquerda latino-americana. Pode-se dizer que deste período até 2007, com auge entre 2002 e 2007, viveu-se no Foro de São Paulo muitas tensões e divergências, fruto desses debates estratégicos.
Ocorre o importante Encontro de Havana, centrado na luta contra a proposta estadunidense da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), em 2001. Entre 2002, quando realizado na Guatemala, e 2007, em El Salvador, ou seja, em cinco anos acontece apenas o 12º Encontro, em São Paulo, no auge da crise política de 2005 no Brasil. É um período de crise também do Foro de São Paulo, manifestada, sobretudo, nas reuniões do Grupo de Trabalho.
Essas tensões e incertezas decorriam, certamente, de debates novos que se apresentavam fruto da eleição ou reeleição de cinco governos encabeçados por partidos do Foro, entre 1998 e 2006. Talvez o ponto-chave de sua superação tenha sido o duro, mas exitoso, debate travado contra a visão maniqueísta e reducionista da direita quanto à existência de -duas esquerdas- na América Latina.
Em lugar disto, formou-se a convicção de que, de fato, as forças que ascendem aos governos latino-americanos são diversas, mas também que há muitos pontos de coincidência entre as experiências, como a defesa da integração continental, da soberania nacional, do aprofundamento da democracia e do desenvolvimento econômico e social com distribuição de renda e valorização do trabalho.
Os quatro últimos Encontros do Foro, que ocorrem respectivamente em Montevidéu (2008), Cidade do México (2009), Buenos Aires (2010) e Manágua (2011) refletem, para além da diversidade de visões, um maior sentido de unidade das forças de esquerda latino-americanas.
O Encontro de Manágua
O 17º Encontro do Foro de São Paulo, realizado entre 17 e 20 de maio deste ano, foi concluído com uma Declaração Final que denuncia o ataque imperialista da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) à Líbia, exige a libertação dos cinco patriotas antiterroristas cubanos presos nos cárceres dos Estados Unidos, define apoio ao retorno do presidente Manuel Zelaya a Honduras, e hipoteca forte apoio dos partidos de esquerda latino-americanos às mu- danças que estão sendo implementadas pelo governo da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) liderado por Daniel Ortega. O Foro teve a participação de 640 delegados de 48 partidos-membros de 21 países e 33 convidados de 29 partidos de 15 países da África, Ásia e Europa.
O próximo Encontro será realizado em Caracas, de 9 a 12 de julho de 2012, em solidariedade à Revolução Bolivariana. Já o Grupo de Trabalho do Foro, reúne-se neste mês de junho, também em Caracas, por ocasião da instalação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e em comemorações ao bicentenário da Independência da Venezuela.
No Encontro da Nicarágua, a Declaração Final, aprovada por consenso pelos 640 delegados presentes, defende consolidar a unidade das forças progressistas, aprofundar a integração regional e projetar novas vi- tórias eleitorais. Ela dá centralidade à importância de seguir impulsionando os processos de integração, para combater -as forças de reação do imperialismo mundial, que operam de forma cada vez mais agressiva-.
No documento, os partidos-membros do Foro consideram que o atual cenário mundial é caracterizado -por uma das mais profundas crises do sistema capitalista-. Neste sentido, o documento destaca a necessidade de aprofundar alternativas como a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Celac. O comunicado também pede uma solução pacífica para o conflito interno na Colômbia -por meio de negociação política-.
Quanto à guerra de agressão do imperialismo norte-americano e europeu contra o povo líbio, o 17º Encontro condenou energicamente os países imperialistas e a Otan pela -flagrante violação da soberania nacional da Líbia-, propondo -um cessar-fogo das duas partes envolvidas no conflito-, com o objetivo de se -alcançar uma solução pacífica-. Os delegados do Foro também expressaram sua solidariedade com a luta dos palestinos para a criação de um Estado nacional independente, exigindo o fim das violações dos direitos humanos e da repressão.
Diversos partidos-membros, por meio de seus delegados no 17º Encontro, se pronunciaram em plenário sobre as eleições presidenciais que ocorrem na América Latina em 2011, hipotecando apoio e solidariedade às candidaturas apoiadas por partidos-membros do Foro: a de Ollanta Humana, da coligação Ganha Peru, liderada pelo Partido Nacionalista Peruano, vitorioso no 2º turno disputado duas se- manas depois da realização da reunião de Manágua; a de Rigoberta Menchú, por uma frente que inclui a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG-MAIZ) e a Alternativa Nova Nação (ANN) da Guatemala; a de Cristina Kirchner, à reeleição, na Argentina em outubro; e finalmente a do anfitrião Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), que concorre à reeleição na Nicarágua em novembro.
O plenário final do 17º Encontro aprovou ainda 22 resoluções sobre diversos temas que exigem solidariedade da esquerda latino-americana. No aspecto organizativo, foram aprovadas importantes mudanças em sua estrutura organizacional e aprovado, por aclamação, o ingresso do boliviano Movimento ao Socialismo-Instrumento Político pela Soberania dos Povos (MAS-IPSP), presidido por Evo Morales, para compor o Grupo de Trabalho do Foro.
A presença do PCdoB
O PCdoB enviou uma delegação de sete integrantes ao Foro em Manágua - constituída pela vice-presidente do Partido, deputada federal Luciana Santos; o secretário de Relações Internacionais, Ricardo Alemão Abreu; por Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois e Editor de Princípios; por Liège Rocha, secretária da Mulher; pelos membros da Comissão de Relações Internacionais, Ronaldo Carmona e Rubens Diniz; e por Ticiana Alvarez, diretora de Solidariedade Internacional da União da Juventude Socialista (UJS). Pelo Brasil, também compareceram delegações do PT, Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Pátria Livre (PPL).
A delegação do PCdoB realizou três intervenções em plenário, no último dia do Encontro. A vice-presidente do Partido e deputada federal pernambucana, Luciana Santos, em sua intervenção defendeu que -o mais importante é que a tendência atual que se desenvolve na América Latina e no Caribe tem um sentido antineoliberal e anti-imperialista comum. O fundamental para o êxito destas forças, ao longo de nossa história continental, tem sido a unidade-. Luciana ressaltou que -a partir da diversidade política e ideológica das forças de esquerda e progressistas na América Latina, e das diferentes realidades nacionais, alcançamos uma inédita unidade no processo latino-americano e neste Encontro do Foro de São Paulo-.
Ricardo Alemão Abreu, secretário de Relações Internacionais do PCdoB, também se dirigiu ao plenário. Ele defendeu que a 17ª edição do Encontro do Foro de São Paulo -foi um marco na história de 21 anos deste importante espaço unitário das forças políticas de esquerda latino-americanas e caribenhas, por três motivos: o fortalecimento da unidade, os avanços na construção de projetos alternativos e os progressos na integração regional-. Ressaltou, ainda, que -ao lado da Revolução Cubana que aperfeiçoa seu modelo de socialismo, os governos nacionais de Argentina, Brasil, Bolívia, El Salvador, Equador, Nicarágua, Paraguai, Venezuela e Uruguai representam uma parcela de poder e inauguram o desafio de construir não somente uma democratização maior, mas também, em termos estratégicos, um novo poder popular que assegure para o processo um rumo socialista-.
Continuou Abreu, dizendo: -para enfrentar esse desafio é necessário um diferenciado e prolongado processo de acumulação de forças, no qual uma das principais tarefas é a exigência de atualizar e renovar a teoria revolucionária, com princípios, mas sem dogmatismo, e no curso destas experiências de projetos alternativos, partindo da nova realidade nacional e continental-.
Em um curto período histórico, se contarmos desde 1990, ano da fundação da Foro de São Paulo, argumentou Abreu, os povos da América Latina e Caribe alcançaram grandes conquistas. A criação da Celac é uma delas. Desde sua primeira declaração, a Declaração de São Paulo, o Foro defende a criação de uma organização continental de integração com a participação de Cuba, e sem a participação de EUA e
Canadá; uma organização que faça a ruptura com o -pan-americanismo- hegemonizado pelos EUA e que estabeleça uma relação solidária entre os países-membros.
A terceira intervenção do PCdoB em plenário coube a Ronaldo Carmona, da Comissão de Relações Internacionais do Partido, na condição de coordenador dos debates sobre Defesa no Foro de São Pau- lo. Em Manágua, pela segunda vez consecutiva sob coordenação do PCdoB - a anterior, no ano passado, na edição de Buenos Aires -, as forças de esquerda latino-americanas realizaram um grupo de debate específico sobre Defesa.
Em sua intervenção, Carmona buscou valorizar a experiência sul-americana que, no âmbito da Unasul, criou um Conselho de Defesa Sul-Americano. Ela se insere no contexto de alinhavar ele- mentos de investigação para gerar -pensamento estratégico sul-americano autóctone-, em oposição a uma bem definida agenda da potência extra regional imperialista, os Estados Unidos. Nessa oposição, destaca-se a aliança em torno da ideia-força de estabelecermos uma visão comum de cooperação sul-americana para a dissuasão de atores extra regionais que, tendo em vista a previsível evolução do cenário estratégico mundial, tenderão a cobiçar intensamente os ativos estratégicos sul-americanos, sobretudo em recursos naturais, minérios, energia, água e alimentos.
Carmona também defendeu a importância de outra ideia-força nesse debate, que faz cair por terra teses exóticas como a de -subimperialismo-, segundo a qual só teremos uma zona de paz e estabilidade num contexto de desenvolvimento acelerado e compartilhado e de redução das graves assimetrias e disparidades de riqueza e renda que caracterizam nossa região.
Forças avançadas
Os principais debates políticos e ideológicos no Foro em Manágua se deram no debate das cinco versões da Declaração Final, no âmbito do Grupo de Trabalho.
A principal contribuição do PCdoB ao debate foi o entendimento de que o ciclo de vitórias das forças de esquerda na América Latina não se encerrou. Ao contrário, novas vitórias e, sobretudo possibilidades de consolidação de governos nacionais dirigidos pela esquerda num rumo avançado, estão na ordem do dia.
Uma importante vitória foi alcançada no Peru, com a eleição de Ollanta Humala e ela pode ser seguida de prováveis vitórias na Argentina e na Nicarágua, onde os atuais presidentes, que disputam a reeleição, são favoritos. A Argentina é um país estratégico da América do Sul. E a Nicarágua, na América Central, ao lado de Cuba socialista no Caribe, são referências anti-imperialistas na região mesoamericana.
Este debate se deu a partir de uma proposição que surgiu ainda no Encontro de Buenos Aires e que busca explicar o curso da evolução política latino-americana e de suas tendências. Procuramos demonstrar o equívoco da visão de que as vitórias das forças de esquerda e progressistas cessaram em abril de 2009, com a eleição de Maurício Funes em El Salvador, e passava a prevalecer uma contraofensiva que tinha como símbolo o golpe em Honduras.
E, ainda, a vitória de Dilma Rousseff, no Brasil em 2010, por exemplo, teve grande significado. Por- tanto, não estamos de acordo com a tese segundo a qual a tendência dominante na América Latina e Caribe seria -o contra-ataque da direita e do imperialismo na América Latina e Caribe-, apesar de este ser um dado da realidade.
A delegação do PCdoB defendeu que há uma luta constante entre duas tendências: a de avanço das forças anti-imperialistas e antineoliberais, e a de retrocesso, sendo esta uma contra tendência. Sem dúvida, tendo em vista a dinâmica de forças sociais vivas, há alterações na correlação de forças de determinam a dominância de uma ou outra tendência. Em nossa opinião, a tendência dominante na atualidade, desde 1998 com a eleição de Chávez na Venezuela, é aquela de caráter avançado, anti-imperialista.
Ricardo Alemão Abreu é economista e secretário de Relações Internacionais do PCdoB.
Ronaldo Carmona é mestrando em geopolítica e membro da Comissão de Relações Internacionais do PCdoB.