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Internacional

Edição 113 > Mercosul: uma visão estratégica no seu 20º aniversário

Mercosul: uma visão estratégica no seu 20º aniversário

Antonio José Ferreira Simões
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Em março de 2011, o Tratado de Assunção, que criou o Mercado Comum do Sul (Mercosul), completou 20 anos.

É um bom momento para realizar uma reflexão acerca dos resultados alcançados e das prioridades estratégicas do bloco

O Mercosul deve ser compreendido como projeto ambicioso de integração, dota- do de força simbólica e cujo objetivo de liberalização comercial - a vertente mais alardeada do processo - não é senão uma de múltiplas dimensões que perfazem o projeto de construção de um espaço integrado, em que os aspectos econômicos e comerciais se integram aos aspectos políticos, sociais e institucionais de maneira indissociável.

O Mercosul foi resultado de processo de aproximação política entre Brasil e Argentina no momento de reencontro desses países com a democracia. Nasceu como intento de dar à associação entre os dois países - e, logo em seguida, aos quatro integrantes - caráter permanente, como espécie de garantia para que o binômio democracia/desenvolvimento encontrasse o terreno adequado para florescer e dar frutos. Ao ler hoje o Tratado de Assunção, salta à vista o grau de ambição previsto. Ao longo de sua história, porém, o bloco acabou oscilando entre os objetivos originais, mais ambiciosos, de integração e conformação de um mercado comum, e uma agenda mais voltada para a liberalização comercial pura e simples. Independentemente dessas oscilações, às quais se sobrepuseram momentos de franco entusiasmo com períodos de pessimismo em relação ao futuro do bloco, jamais se perdeu aquela força simbólica, que permaneceu como um patrimônio das sociedades.

Este artigo tem por objetivo oferecer elementos para avaliar os resultados alcançados até o momento e as perspectivas para avançar rumo ao ambicioso projeto de integração. Pretende-se contribuir para reflexão acerca do passado, do presente e do futuro do Mercosul, sem perder de vista seu caráter de projeto político e estratégico compartilhado pelos Estados Partes e respectivas sociedades.

"Merco-otimismo" e "Merco-pessimismo"

Em meados dos anos 1980, o comércio entre os países da América Latina encontrava-se em progressiva redução. O esgotamento do modelo de substituição de importações, a crise da dívida externa e a insuficiência do mecanismo da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) contribuíram para compor o quadro da -década perdida-, per- meado por um sentimento de isolamento da região num mundo em que o regionalismo econômico dava mostras de estar sendo revitalizado. Nesse ambiente, a retomada dos regimes democráticos no Brasil e na Argentina e a existência de visão compartilhada da realidade internacional - dependência externa, aumento de vulnerabilidade, necessidade de aumentar a competitividade e a inserção internacional - geraram as condições para o desencadeamento de um processo de integração.

Em torno de uma ideia-matriz de conteúdo político - a eliminação da histórica rivalidade entre Brasil e Argentina -, os dois países iriam reativar de maneira mais profunda a ideia brasileira de formação de zona de livre comércio entre os países do Cone Sul. Paraguai e Uruguai se agregam ao processo e, em março de 1991, foi assinado o Tratado de Assunção, que criou o Mercosul. Em dezembro de 1994, os presidentes dos quatro países assinaram o Protocolo de Ouro Preto, estabelecendo a Tarifa Externa Comum (TEC), vigente a partir de janeiro de 1995. O Mercosul passava a ser, também, uma união aduaneira, ainda que incompleta.

A constituição do Mercosul representou ruptura com a história anterior de esforços fracassados de integração na América do Sul. Também rompeu com a histórica tendência brasileira de evitar envolvimento em processos de integração profundos. O bloco buscou a liberalização comercial por meio de cronograma universal, automático e linear de eliminação de barreiras tarifárias intrazona. Mas o bloco pretendeu ir além da simples liberalização comercial, passando a incorporar o objetivo de um mercado comum, com economias efetivamente integradas - daí a presença na agenda de temas como coordenação macroeconômica, serviços, compras governamentais, política de concorrência, procedimentos aduaneiros e livre circulação de trabalhadores. O ambicioso objetivo final é a livre circulação de bens, pessoas e capitais.

A história do Mercosul tem sido sucessão de momentos de otimismo e de pessimismo. Esses estados de ânimo correspondem ao próprio comportamento das economias dos sócios. Momentos de crise econômica tendem a provocar pessimismo, uma vez que o comércio intrazona cai e tensões comerciais podem surgir, dando a impressão de regressão no livre comércio e de perpetuação das imperfeições da união aduaneira. Em momentos de conjuntura econômica mais favorável, com crescimento de renda e emprego, há naturalmente mais espaço para avançar na agenda da integração e o otimismo tende a reforçar-se. É verdade que as dificuldades e controvérsias comerciais, mesmo em momentos de conjuntura econômica favorável, podem seguir existindo, já que muitas vezes derivam de problemas estruturais de competitividade.

Apesar das oscilações de estado de ânimo, a integração tem sido vista, de modo geral, como fator de desenvolvimento. Talvez não se tenha enfatizado suficientemente que o processo de integração, longe de ser mero instrumento para a inserção de nossos países no mundo, pode ser concebido também como fonte de desenvolvimento e bem-estar. A verdadeira integração pode auxiliar ainda na prevenção ou mitigação dos efeitos de crises externas, ao criar espaço de prosperidade que se baseia, em boa medida, na ampliação do mercado consumidor intrazona (não só pela liberalização, mas também pela incorporação de novos consumidores que se beneficiam do crescimento econômico e de políticas sociais) e na transformação das vantagens comparativas de cada sócio em vantagens competitivas de todo o bloco.

Para que o Mercosul supere essa espécie de -transtorno bipolar-, será importante perseverar no caminho que começou a ser trilhado em 2003. Os presidentes Luiz Inácio Lula, da Silva e Néstor Kirchner firmaram o Consenso de Buenos Aires- e comprometeram-se em aprofundar o Mercosul não só no tocante à liberalização comercial, mas também em aspectos negligenciados que permitirão construir um verdadeiro mercado comum, corrigindo as imperfeições da união aduaneira sem descuidar da atenuação das assimetrias no bloco, a articulação de políticas comuns para a efetiva integração de cadeias produtivas e a promoção de agenda social vigorosa. Era preciso sepultar o res- quício neoliberal que - embora não tivesse sido predominante na fundação do Mercosul - acabou dando as cartas na maior parte da construção efetiva do bloco, o que explica a visão ainda recorrente em certos meios de que a lógica de mercado deve determinar o êxito ou o fracasso da integração. Nesse sentido, o -Consenso de Buenos Aires- representou verdadeiro contraponto ao -Consenso de Washington-

Resultados recentes e perspectivas: o Mercosul em movimento

Constitui exemplo paradigmático dessa nova forma de encarar o bloco a criação, em 2004, do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM). O Fundo é um instrumento de atenuação de assimetrias, de incremento da competitividade e de estímulo à coesão social dos Estados membros. Ele financia projetos para melhorar a infraestrutura, sobretudo das economias menores e das regiões menos desenvolvidas do Mercosul. O novo impulso dado ao Mercosul nos últimos anos, no qual a criação do FOCEM é um exemplo, não deixou de lado a agenda econômico-comercial tradicional, mas buscou aprofundá-la, de modo a seguir firmemente na consolidação da União Aduaneira, sem deixar de avançar também em outros temas e em uma cada vez mais importante agenda política, social e institucional.

Sob vários aspectos, 2010 foi um dos melhores anos para o bloco desde a sua fundação. A solução de importantes pendências limpou a agenda e abriu caminho para o lançamento de novas bases para o futuro do Mercosul. Além disso, o comércio intra-Bloco em 2010 superou os níveis recordes de 2008, atingindo US$ 45 bilhões.

Na Cúpula do Mercosul, realizada na cidade argentina de San Juan (03-08-2010), atingiu-se a decisão histórica sobre a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum e a aprovação do Código Aduaneiro do Mercosul. Esses avanços, importantes para alcançar a efetiva consolidação da união aduaneira, já eram esperados há mais de seis anos. Ainda em San Juan, foram aprovados nove projetos para financiamentos pelo FOCEM, que se somam aos 25 já aprovados anteriormente. Esses novos projetos perfazem a cifra de US$ 795 milhões, dos quais US$ 650 milhões financiados com recursos do Fundo. Dentre as obras aprovadas, destacam-se a construção da Linha de Transmissão Itaipu-Villa Hayes (US$ 555 milhões) e a construção de linhas de transmissão para a interconexão elétrica entre Uruguai e Brasil (US$ 106 milhões) - iniciativas que terão importância estratégica para a segurança energética e o desenvolvimento industrial do Paraguai e do Uruguai.

A tendência favorável logo se confirmou em outubro de 2010, com a aprovação do critério de representação cidadã para o Parlamento do Mercosul, que permitirá a eleição direta dos representantes em todos os países do Bloco e o pleno funcionamento do Parlamento do Mercosul.

Na Cúpula realizada em Foz do Iguaçu (17-12- 2010), o Mercosul adotou, no pilar econômico-comercial, o Programa de Consolidação da União Aduaneira, extenso plano de ação que versa sobre 25 temas de relevância para o Bloco. Definiu, também, novas bases para negociações em serviços, acordou os ele- mentos de um acordo sobre investimentos e aprovou Acordo sobre Defesa da Concorrência do Mercosul.

No pilar da cidadania, aprovou-se em Foz do Iguaçu o Plano de Ação para a conformação de um Estatuto da Cidadania do Mercosul, com o objetivo de ampliar e consolidar direitos e garantias fundamentais dos indivíduos por serem cidadãos do Bloco. As medidas previstas, com impacto direto no cotidiano dos cidadãos do Mercosul, atingem as áreas de trabalho e emprego, previdência, educação, livre circulação de pessoas, tarifas de telecomunicações e defesa do consumidor, entre outras. O Plano de Ação é parte dos esforços para implantar uma cidadania do Mercosul. O Plano contém metas de implementação gradual, que deverão ser integralmente cumpridas até o 30º aniversário do Bloco, em 2021. As inovações alcançaram a própria estrutura institucional do Mercosul, fortalecida significativamente com a criação do cargo de alto representante-geral, que tem mandato amplo para, entre outras atribuições, auxiliar na construção de uma visão comum do Mercosul, que não se confunde com a visão individual de cada Estado parte.

Resultados concretos como esses - longe de constituir lista exaustiva dos avanços - não significam que tenhamos ingressa- do numa fase isenta de percalços e desafios, mas demonstram que o Mercosul está em movimento e constante evolução.

À agenda econômico-comercial do Mercosul é fundamental agregar a agenda política, social e institucional. O Mercosul possui foros e mecanismos de participação de parlamentares, trabalhadores, empresários, lideranças locais e regionais e organizações da sociedade civil. Esses mecanismos precisam ser fortalecidos para que sejam cada vez mais ativos e dinâmicos. O pilar social fortalecido será um antídoto contra um bloco descolado da realidade e das aspirações dos cidadãos. Assim, o Merco- sul preservará a legitimidade essencial para qualquer projeto de integração profunda, que exige mudanças significativas nas legislações nacionais em benefício de normas comunitárias. Essas mudanças apenas serão possíveis se forem percebidas como necessárias e vantajosas não apenas pelos governos, mas também pelas sociedades.

Considerações finais

O Brasil encara o Mercosul não mais como parte de uma agenda pura de livre comércio, mas como um empreendimento muito mais profundo e com- plexo, em que a liberalização dos fluxos comerciais é um aspecto entre outros igualmente importantes e necessários. Não estamos construindo integração entre países desenvolvidos e homogêneos. O Merco- sul é um projeto de países em desenvolvimento com importante dívida social, além de deficiências de infraestrutura e desequilíbrios regionais. O processo deve levar em conta necessidades e dificuldades típicas de países em desenvolvimento e não pode se pautar por modelos importados.

Boa parte da crítica ao Mercosul emana de com- preensão equivocada do significado estratégico da integração. Critica-se o Mercosul por falhas no livre comércio (medidas de defesa comercial adotadas unilateralmente são citadas) ou em função de imperfeições da união aduaneira. É um erro resumir o processo de integração à liberalização comercial ou considerar que não se pode aprofundar a integração entre países em desenvolvimento. Esses equívocos ajudam a explicar por que se deixou de lado por tanto tempo, especialmente na década de 1990, a agenda da integração econômica mais profunda, que visa a criar condições para a maior convergência macroeconômica, a integração de cadeias produtivas regionais e o fortalecimento das vertentes institucional e social.

Essa agenda mais ampla, desde que feita sob medida para as necessidades de nossos países, é fundamental para evitar que a liberalização comercial esbarre em resistências oriundas da heterogeneidade econômica e social e da persistência de assimetrias. Foi a retomada dessa agenda ambiciosa e multifacetada que permitiu destravar as negociações para a consolidação da união aduaneira. Os países menores, preocupados com aspectos do aperfeiçoamento da união aduaneira, começaram a perceber melhor as vantagens da integração a partir dos benefícios concretos auferidos com os projetos do FOCEM. É por reconhecer que integração deve dar respostas aos desafios do desenvolvimento, por meio de políticas e planos de ação concretos, que estamos também avançando na agenda econômico-comercial tradicional.

Em 2011, ainda estamos relativamente longe do mercado comum integrado prometido no Tratado de Assunção. Mas estamos muito mais perto do que há cinco ou dez anos. Resgatamos a visão estratégica do Mercosul, não mais considerado mero instrumento para aumentar o comércio. Passamos do Mercosul instrumental (ou funcional para o aumento das exportações brasileiras) para o Mercosul como valor em si e objetivo estratégico de integração, o que pressupõe dar ao bloco a configuração de espaço regional de geração de prosperidade, bem-estar e justiça social no qual os respectivos projetos nacionais de desenvolvimento convergem e se reforçam mutuamente. Mais do que instrumento para mudar a ordem internacional no sentido desejado por parte de cada integrante, o resgate do Mercosul estratégico do Tratado de Assunção significa a própria mu- dança dessa ordem pela afirmação de um novo polo de poder e a consequente emergência de uma nova geografia econômica mundial.

Antonio José Ferreira Simões é subsecretário-geral da América do Sul, Central e do Caribe do Ministério das Relações Exteriores

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