Economia
Edição 113 > Crise capitalista, processo inflacionário e políticas macroeconômicas no Brasil
Crise capitalista, processo inflacionário e políticas macroeconômicas no Brasil
O objetivo deste artigo é mostrar como as políticas macroeconômicas neoliberais, ainda vigentes no Brasil, são crescentemente inadequadas para defender nossa economia das consequências mais fortes da crise internacional iniciada em 2007-2008, considerando especialmente as mudanças e novas ameaças no cenário econômico global

A convulsão iniciada em 2007 e que teve seu clímax em setembro de 2008 continua a se desenrolar, mudando de forma rápida suas características - o que traz incerteza e dificuldades de toda ordem aos mercados e governos de todos os países. Após paralisar o mercado e o sistema financeiro em todo o centro capitalista, em especial nos Estados Unidos da América (EUA) e Europa, provocando um socorro estatal estimado em mais de cinco trilhões de dólares, ela continua a se manifestar de diversas maneiras. Enquanto os chamados emergentes conseguiram retomar seu ritmo econômico em 2010, os EUA e a Europa continuam estagnados, apesar da forte política monetária de liquidez, endividando esses Estados capitalistas.
Desde de 2010, notadamente vários países europeus mais fracos passaram a viver forte crise fiscal e estão renegociando ou suspendendo suas dívidas. Nem mesmo os EUA vêm escapando dessa crise fiscal (1). As dívidas privadas mantêm-se elevadas, limitando a retomada econômica, enquanto o mercado financeiro dos EUA persiste nas mesmas práticas que desencadearam o crash de 2008, como se nada tivesse mudado (2). Ainda no segundo semestre de 2010 a crise passou a se expressar em um processo inflacionário que, a partir dos EUA, vem se espalhando pelo mundo, gerada principalmente pela ação especulativa que eleva os preços de quase todas as commodities a alturas inéditas, superiores mesmo aos praticados antes do crash de setembro de 2008.
Esse processo inflacionário reflete o crescente desequilíbrio do sistema capitalista, onde um centro estagnado e em depressão contrasta com um forte ritmo de crescimento de uma parte de sua periferia, representada pelos grandes países emergentes (os BRIC), e estimulada pela política de emissão de dólares do Federal Reserve (FED) americano. Política esta que vem sendo usada pelos EUA para tentar jogar o ônus de sua crise sobre as demais economias, inclusive de seus parceiros mais próximos como Grã-Bretanha, Japão e toda a Eurolândia (3). Note-se que o Japão entrou novamente em recessão após seus últimos episódios catastróficos.
É desse processo inflacionário e seu reflexo no Brasil que este artigo tratará. Nosso objetivo é mostrar a crescente inadequação das políticas macroeconômicas neoliberais para defender nossa economia das consequências mais fortes da crise internacional.
Processo inflacionário que vem rapidamente se transformando, revertendo as expectativas de alta nos preços internacionais. A partir de junho de 2011, bastaram novos sinais de agravamento da estagnação americana (4) e europeia para frear a alta especulativa dos preços das commodities, estabilizando ou revertendo as expectativas sobre a inflação internacional e interna - o que vem deixando mais desnorteados os teóricos da economia neoliberal e os formuladores ortodoxos de políticas macroeconômicas.
Desafios da política econômica no Brasil
Os problemas atuais de inflação no Brasil são determinados pela importação de inflação em dólar e, secundariamente, pela pressão da demanda pela elevação das rendas da pobreza e das camadas médias (consumo).
Apesar de a pressão inflacionária manter-se dentro da faixa superior de variação da meta inflacionária, ela vem provocando uma reação desproporcional de financistas e críticos ortodoxos contra a introdução de novos instrumentos para combatê-la, defendendo a manutenção do remédio único da elevação da taxa de juros. Mas veremos neste artigo que, mesmo com as novidades das medidas macroprudenciais, as atuais pressões inflacionárias são potencializadas pela política monetária herdada das reformas neoliberais do governo de Fernando Henrique Cardoso.
A flutuação do câmbio e a ampla abertura da conta de capitais tornam difícil defender a economia nacional do desequilíbrio monetário do dólar e da entrada de capitais, criando para as autoridades monetária e fiscal o dilema de terem de escolher entre combater a inflação ou proteger a competitividade da indústria de uma valorização crescente do real.
Como veremos, a atual política monetária é inadequada para defender os interesses do Brasil e de sua economia. E as mudanças na execução da política monetária iniciadas em dezembro de 2010, apesar de bem-vindas, são insuficientes para reavermos a autonomia do Estado brasileiro sobre os objetivos de sua política monetária.
A inflação atual
O processo inflacionário percebido desde o último trimestre de 2010 tem duas origens. A primeira e principal delas decorre do programa de emissão de dólares pelo Federal Reserve (FED) (denominadas eufemisticamente de quantitative easing), que vem sancionando a elevação dos preços das principais commodities, tanto as de alimentação como as de minérios e de energia, demandada pelas economias emergentes (ver Gráfico 1).
Com o quantitative easing o FED emitiu em oito meses, a partir de novembro de 2010, US$ 600 bilhões para comprar títulos de Tesouro americano. Essa recompra garantiu a liquidez aos títulos do Tesouro sem ameaçar seu valor, ao tempo que deu mais dinamismo a um mercado de capitais combalido (5).
A justificativa do FED é dar liquidez à economia americana, mas na prática esses recursos são desviados para a busca de ativos mais rentáveis ou que, pelo menos, serem protegidos da desvalorização do dólar, como é o caso das commodities. Por essa razão, o dólar anda de mãos dadas com os preços das commodities: quando ele se desvaloriza, elas sobem, e vice-versa (6).
Todas as economias do mundo vêm sendo afetadas por essa emissão de dólares que, além da inflação, traz também a valorização de todas as moedas frente ao dólar. E o grupo dos BRIC, que vem mantendo crescimento elevado, vem sendo atingido mais fortemente, em especial via preços das commodities. Sendo o Brasil um grande exportador de commodities, a elevação de seus preços internacionais é transmitida ao mercado interno como inflação em reais.
Essa inflação importada tem como consequência direta uma diminuição no ritmo do crescimento desses países mais dinâmicos, como remédio anti-inflacionário, gerando instabilidade e incerteza sobre o futuro. Os EUA impõem, assim, aos demais povos, uma perda de oportunidade de melhorarem de vida. Uma política clara de obter vantagem pela ruína dos vizinhos.
A segunda e mais secundária fonte de elevação de preços é o crescimento da demanda interna, decorrente do processo de desenvolvimento iniciado no governo Lula, que associa crescimento a redistribuição de renda, elevando em especial as rendas dos salários e dos benefícios sociais das camadas de mais baixos rendimentos. Tendo pouca ou nenhuma capacidade de poupança, a rápida criação de renda transforma-se em demanda imediata, pressionando a oferta de bens, em especial os de alimentação e bebidas, e os denominados serviços pessoais, como cuidados, alugueis etc. (não sendo -importáveis-, os preços dos serviços não sofrem concorrência externa, daí esse tipo de mercadoria denominar-se no jargão econômico de -non-tradable-, isto é, não passível de ser comercializada com o exterior).
A pressão da demanda decorrente da distribuição de renda, quando aplicada sobre os demais bens, em especial às manufaturas industriais, não vem produzindo inflação interna porque sua oferta pode ser atendida pelas importações que, com o real se valorizando, tornam-se mais baratas.
A contraparte dessa valorização do real é a redução da competitividade da indústria brasileira. Com a moeda valorizada nossos produtos ficam mais caros em dólar, o que nos faz perder mercado no exterior ao mesmo tempo em os produtos importados se tornam mais baratos, independentemente do ganho de produtividade. A consequência mais grave dessa valorização é um processo de desindustrialização do país, que reduz o consumo interno e externo de produtos fabricados no Brasil, que são substituídos por originários de outros países, tanto na forma de produtos acabados como na de componentes. A desindustrialização não só elimina produção e postos de trabalho; os avanços da tecnologia ficam mais difíceis de ser criados e os empregos perdem qualidade, voltando-se mais para o trabalho menos qualificado nos setores industriais menos sofisticados ou de serviços pessoais.
O problema específico do atual surto inflacionário é que as duas fontes vêm se somando, dificultando seu controle. Enquanto a inflação externa não se fazia sentir, a própria valorização do real dava conta do problema, evitando a realimentação da inflação. A partir do segundo semestre de 2010, o processo inflacionário veio se agravando à medida que os preços das commodities subiam e nem mesmo a desvalorização do real vem sendo suficiente para compensá-los, gerando, ao mesmo tempo, elevação da inflação e mais pressão de valorização.
A política monetária e a contenção da inflação
Desde 1994, o objetivo único da política monetária passou a ser manter a inflação sob controle, em um nível baixo quantificado na meta anual de inflação, desconsiderando o nível de atividade econômica. E o instrumento exclusivo para alcançar essa meta é a taxa de juros do Banco Central. Ao mesmo tempo, durante os anos subsequentes, a liberdade de entrada e saída de capitais foi se ampliando, até ter alcançado, em março de 2005, a liberdade total, não só para o investidor estrangeiro, mas também assegurando para os próprios brasileiros o direito de enviar para o exterior, a qualquer momento, o capital acumulado aqui dentro.
A abertura da conta de capitais associada ao regime de câmbio flutuante vem fazendo com que a moeda nacional tenha uma tendência de valorização, em resposta à entrada de capitais financeiros em busca da remuneração das altas taxas de juros praticadas aqui dentro.
Essa tendência de valorização do real e a ampla liberdade de comércio vêm sendo utilizadas, em especial a partir 2003, para compensar o processo inflacionário, mantendo-o dentro da meta de 4,5% ao ano, embora isso venha causando uma perda progressiva da competitividade externa, em especial, na indústria.
Essa política monetária monocórdica, associada à abertura da conta de capitais, vem fazendo com que a economia nacional se torne fortemente vulnerável às oscilações e instabilidades da política do FED. A tendência de longo prazo de desvalorização do dólar, necessária à manutenção dos elevados padrões de consumo dos EUA, gera uma inflação internacional que passou a comandar a política monetária brasileira, em prejuízo direto de nossa economia.
A mesma política monetária, infelizmente, veio sendo mantida mesmo após a política econômica do governo Lula ter tomado uma direção desenvolvimentista, a partir da saída de Antonio Palocci da pasta da Fazenda, em março de 2006.
No primeiro semestre de 2008, armou-se uma situação bastante semelhante à atual. No cenário externo tivemos uma grande liquidez provocada pela política de juros baixos do FED, cujo objetivo era evitar um crash do sistema financeiro americano, ameaçado pela crise do subprime e rompida em 2007. Essa liquidez abundante em dólar provocou uma intensa elevação dos preços de commodities, transformando os contratos de entrega em um refúgio dos capitais financeiros contra a desvalorização da moeda americana.
Da mesma forma que hoje, a inflação brasileira passou a se elevar, somando-se a inflação importada à inflação interna. Como nossa política monetária só tem compromisso com a meta de inflação, o Banco Central não hesitou em elevar sua taxa de juros, ou seja, em sinalizar para uma valorização maior da moeda, e a uma consequente queda nos preços das importações, resultando na substituição da produção nacional cotada em reais.
A evolução negativa para a indústria que se seguiria foi evitada pela grande crise iniciada em setembro de 2008. Embora o Brasil tenha pagado caro por aquela crise, negativando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, ela serviu para encobrir as consequências nefastas da política monetária herdada das reformas neoliberais, mas ainda mantida pelo governo Lula.
A manutenção dessa política monetária leva inevitavelmente o governo a enfrentar, em uma situação de inflação ascendente, o mesmo dilema: ter de escolher sempre entre conter a inflação ou abortar o ritmo do desenvolvimento - o que ameaça a integridade do setor industrial.
As recentes mudanças na política monetária e a resistência dos financistas
O último mês do governo Lula e o primeiro trimestre do governo Dilma Rousseff trouxeram como novidade uma mudança importante nos instrumentos de política monetária. Embora a política monetária não tenha se alterado, mantendo o regime de câmbio flutuante e o seu objetivo único de controlar da inflação, ocorreram mudanças nas regras de execução dessa política. Então, passou-se a adotar, para o controle da inflação, medidas de regulação bancária e financeira (as chamadas -macroprudenciais-), reduzindo a oferta do crédito para o consumo interno, e também medidas fiscais, como a tributação de fluxos de capitais de curto prazo, para inibir a entrada de dólares decorrente das emissões da política de quantitative easing do FED por meio das operações de carry trade (7).
Essas mudanças nada têm de radicais, elas apenas seguem as recomendações do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) (8), resultado das consequências desastrosas do tipo padrão de política monetária de -objetivo único e instrumento único- que existiam até a crise de 2008 (9).
Especialmente em abril, após a publicação do Relatório de inflação do Banco Central relativo ao primeiro trimestre, iniciou-se na grande imprensa a edição de notícias alarmantes sobre -a volta da inflação- e a publicação de artigos de -analistas- e de -especialistas em política monetária- defendendo a volta da taxa de juros como instrumento anti-inflacionário e a livre desvalorização do real como remédio natural do mercado para resolver a inflação de forma rápida e segura. As mesmas argumentações -racionais- continuam a ser esgrimidas como se nada tivesse mudado no mundo desde 2008, inclusive nas políticas adotadas pelos bancos centrais dos países mais desenvolvidos.
A proposta é aproveitar as -tendências de mercado- para vencer a inflação, embora a causa principal da inflação - o quantitative easing - nada tenha a ver com o -mercado-, mas sim com uma política governamental do FED.
O problema básico dessa política do Banco Central é que se limitar a aumentar a taxa de juros incentivará a entrada de mais dólares, e além de valorizar o dólar gerará, de imediato, maior oferta de crédito interno ou uma bolha especulativa explosiva na Bolsa e no mercado de títulos ou as duas coisas ao mesmo tempo. Caso o Banco Central (BC) intervenha no -mercado-, para evitar esse desfecho, continue a comprar dólares e a -esterilizar- o meio circulante vendendo títulos do Tesouro, essa emissão gerará mais ativos com juros atrativos, trazendo mais dólares, valorizando ainda mais o real e com um custo fiscal altíssimo. E nas duas alternativas parte importante da indústria será prejudicada, tendo de optar pela possível falência, a se transformar em importadora, ou, ainda, a se transferir para o exterior. Embora ciclos de elevação de juros possam vencer a inflação, seu custo em danos políticos e sociais é elevado e acabam levando a uma severa vulnerabilidade do país sob o peso de um déficit externo crescente e um enorme déficit público.
Outro risco grave é que a conjuntura monetária da crise vem mudando rapidamente devido a razões intrínsecas e à própria ação do FED e de outros grandes centrais. Essa conjuntura chega a inverter-se em períodos inferiores a doze meses, tempo que leva uma elevação na taxa básica de juros para gerar efeitos plenos. Assim como aconteceu no terceiro trimestre de 2008, uma política de arrocho monetário anti-inflacionário acaba gerando seus efeitos contracionistas quando a economia encontra-se em contração ou mesmo em recessão. Em processo de grave crise capitalista, nem mesmo para a previsão do futuro imediato é possível considerar apenas o passado recente.
Esse filme os brasileiros já viram.
A verdade é que, mesmo que esses -analistas- e -especialistas- mantenham seu discurso da ortodoxia anterior à crise de 2008, o mundo realmente mudou. Prova disso é o contraste entre as análises e recomendações feitas na imprensa nacional e as que chegam do exterior, que revelam confiança na política econômica do Brasil, inclusive com a elevação de nossa nota de investimento, como fez a agência de rating Fitch, em abril passado.
Em conclusão
Em nossa opinião, mesmo que o Banco Central continue neste momento utilizando a taxa de juros, a ação da autoridade monetária para debelar o surto inflacionário deve se apoiar cada vez mais nos instrumentos regulatórios e em penalidades tributárias. Mas isso ainda será insuficiente para dotar o Brasil de uma política monetária soberana, o que nos permitirá enfrentar as incertezas de um mundo em forte mudança e com a hegemonia norte-americana em trajetória descendente. A crise sistêmica iniciada em 2008 ainda não foi superada, ela deve se prolongar à medida que o sistema monetário e financeiro criado no pós-Guerra se desfaz. Assim, torna-se imperativo que as autoridades econômicas e monetárias do Brasil considerem as mudanças constantes na conjuntura da crise internacional, fazendo com que as medidas macroeconômicas sejam tomadas com parcimônia, evitando efeitos contraproducentes.
Por essa razão, entendemos que em médio e longo prazo os esforços do governo Dilma Rousseff devem se voltar para reformar a política monetária, mudando o câmbio flutuante para um regime de câmbio administrado e determinando que o BC persiga como objetivos, além da meta de inflação, a manutenção do pleno emprego na economia nacional. Essa reforma é o caminho que fará com que o governo e o Banco Central deixem de ser reféns dos interesses dos mercados financeiros.
Porém, infelizmente, ao que parece, o BC, a partir de abril último, não foi capaz de sustentar mais consequentemente mesmo a reforma branda de execução da política monetária iniciada em dezembro de 2010. A reunião do Copom, de 19 e 20 de abril - ao declarar em sua ata que o BC passaria a implementar principalmente a elevação da taxa de juros no combate ao atual surto inflacionário, e que -o ajuste da taxa básica- será -suficientemente prolongado- -, deu um passo atrás, cedendo diante da -formação de expectativas- do mercado (10). E assim que a ata se tornou pública, em 28 de abril, as -expectativas de mercado- colhidas pelos relatórios Focus semanais mudaram sua tendência, mostrando que ao invés de o BC fazer convergir as expectativas ele é que convergiu para as expectativas do mercado. O Gráfico 2, sobre as expectativas semanais, mostra que a decisão de nova alta na taxa de juros, anunciada no dia 20 de abril, em nada mudou a -expectativa- da semana seguinte, publicada no Relatório do dia 29; mas após a publicação da ata a queda na semana seguinte, 6 de maio, foi considerável (embora a pesquisa Focus tenha saído do dia 29, a coleta de dados já tinha de encerrado no dia 28, data de publicação da ata).
E o mais grave é que bastou ser alterada a direção das expectativas dos investidores nos mercados financeiros internacionais, ocorrida a partir do final de maio de 2011, para começar a se inverter a alta da inflação interna! E sem nenhuma ajuda da elevação da taxa de juros que passou a se elevar a partir de janeiro de 2011, já que a teoria econômica demonstra que nenhum efeito dessa taxa é constatável antes de pelo menos seis meses! Ou seja, a política de elevação da taxa de juros durante o primeiro semestre não fez nenhuma diferença nessa redução da inflação.
Isso demonstra, de forma cabal, como a teoria econômica das expectativas racionais, usada para construir os modelos macrométricos de previsão, é inadequada para promover os interesses nacionais. Entretanto, apesar de vir gerando opções equivocadas para os agentes e autoridades econômicas, essa teoria ainda é capaz de paralisar as reformas necessárias nas políticas macroeconômicas.
Parece que as reformas necessárias para que o Estado brasileiro recupere sua autonomia sobre a política monetária ainda tardarão. O que não podemos saber é se o futuro esperará.
Lécio Morais é economista e mestre em Ciência Política, atuando como assessor técnico na Câmara dos Deputados.
Dilermando é jornalista e membro do Comitê Central do PCdoB.
Renildo Souza é doutor em economia pela UFBA.
A. Sérgio Barroso é médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp e diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois.
Notas
(1) No início de junho de 2011, a Câmara dos Representantes recusou-se a elevar o teto do montante da dívida pública federal, de US$ 14,2 trilhões (cerca de 90% do PIB), obrigando o Departamento do Tesouro a anunciar que vai parar de emitir e reinvestir títulos federais em alguns fundos de pensão públicos, como -parte de uma série de medidas para adiar a moratória-; o limite legal de endividamento deve ser alcançado até 2 de agosto de 2011. Em KHAIR, Amir Khair., -Nova crise em marcha--. O Estado de S. Paulo, 05-06-2011.
(2) O valor dos derivativos, operações que estiveram no centro do crash de 2008, voltou a crescer, alcançando um valor igual a dez vezes o do PIB mundial. Ver entrevista do grande especulador Mark Mobius no Valor Econômico, de 31-05-2011.
(3) Neste contexto, é emblemática a situação da Espanha: depois de forte redução em 2010, o PIB encolheu mais 0,3% no primeiro trimestre deste ano; a taxa de desemprego está acima de 20% (sendo de mais de 40% na juventude) e a dívida pública com bancos alemães e franceses atinge US$ 600 bilhões. Em verdade, o Banco Central Europeu, o FMI e a Comissão da União Europeia processam o salvamento de um sistema bancário às voltas com dívidas impagáveis e deflagrando uma -guerra financeira- à custa dos assalariados. Ver HUDSON, Michael. Um mundo em guerra financeira, SinPermiso/Counterpunch, 06-062011.
(4) Ver sobre isso: BELLUZZO, L. -A frágil recuperação americana-, Valor Econômico, 07-07-2011; e WOLF, M. -A longa estrada para a recuperação-, Valor Econômico, 08-06-2011.
(5) Além dos US$ 600 bilhões, o FED resolveu continuar reinvestindo o fluxo de caixa de seus investimentos em títulos imobiliários e outros papéis que estão na sua carteira, originários de suas aquisições imediatamente após a crise de 2008. Por esse motivo, em cinco meses, até março de 2011, já foram emitidos US$ 525 bilhões, e não US$ 375 bilhões que seria a média esperada. Desse modo, o valor das emissões do quantitative easing pode atingir US$ 840 bilhões ou mais.
(6) Para uma discussão sobre o programa de emissão de dólares do FED, previsto para o período de novembro de 2010 a junho de 2011, e suas consequências econômicas no resto do mundo, ver MORAIS, Lecio. -O G-20 e o Brasil: a -guerra de capitais- e a geopolítica por trás da -guerra cambial--. Princípios, São Paulo, p. 66-70, 30-11-2010.
(7) Carry trades são operações em que o investidor toma um empréstimo em moedas com baixas taxas de juros (como o dólar e o yene, por exemplo) e o aplica em ativos de países com taxas de juros maiores, ganhando a diferença. Esse tipo de operação multiplica a liquidez dessas moedas propiciando a formação de -bolhas- especulativas nos mercados de destino.
(8) Ver BLANCHARD, Olivie e outros. Rethinking macro policy, FMI, 2010. Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/ spn/2010/spn1003.pdf
(9) Ver mais detalhes sobre essas medidas em FIOCA, Demian. -A nova política monetária-, Valor Econômico, 25-04-2011 (disponível em: http://www.valoronline.com.br/impresso/ opiniao/98/416537/a-nova-politica-monetaria); e KHAIR, Amir. -Abaixar a Selic para crescer com estabilidade-, Estado de S. Paulo, 10-04-2011; disponível em: http://www.agenciat1.com. br/8195-abaixar-a-selic-para-crescer-com-estabilidade-amir--khair.
(10) Ata da reunião do Comitê de Política Monetária de 19 e 20 de abril de 2011, parágrafos 29 e 30. Disponível em: http://www. bcb.gov.br/htms/copom/not20110420158.asp#_Toc291693944