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Edição 113 > Código Florestal: ideologia, sustentabilidade e paz no campo

Código Florestal: ideologia, sustentabilidade e paz no campo

Eron Bezerra
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Lamentavelmente, enquanto a questão ideológica tenta aniquilar toda e qualquer forma de atividade legal na Amazônia, as mortes continuam, a pobreza campeia e milhares de pessoas são tratadas como se marginais fossem, quando nada mais querem do que trabalhar com dignidade

Desde que a humanidade, há milhares de anos, dominou os fundamentos da agricultura ela se tornou sedentária. Passou a depender da produção de alimentos para assegurar a sua existência sobre a face da Terra e do manejo dos recursos ambientais para acumular bens materiais. A forma como esses recursos são manejados é o que distingue a concepção política, ideológica e acadêmica dos diversos atores sociais, sejam eles produtores, pesquisadores, gestores públicos ou ativistas sociais

De maneira geral, essa polêmica se dá em torno de três concepções básicas: produtivista, santua- rista e sustentabilista, cujo antagonismo é potencializado pela ausência de regras sociais e legais ou pela aplicação parcial, unilateral, e até mesmo irra- cional, desse arcabouço legal - o que tem conduzido a um tensionamento crescente no campo brasileiro, especialmente na Amazônia.

Nesse sentido, a atualização do Código Flores- tal - cuja versão original é de 1934 - não apenas é uma exigência legal contemporânea, como pode ser um importante mecanismo para assegurar a paz no campo a partir da mediação racional entre os di- versos atores sociais e o ordenamento da atividade produtiva - sem o que a tensão não cessará e muito menos os crimes contra trabalhadores.

Saga humana

A saga da humanidade sobre a face da Terra é longa, tortuosa e cheia de superação. Sem maiores recursos tecnológicos, a humanidade venceu tragé- dias naturais, guerras e epidemias. Superou todos os obstáculos que a natureza ou a sociedade lhe impôs. Com o permanente desenvolvimento da ciência, da tecnologia e a crescente percepção de que a humanidade é parte indissolúvel do ambiente, é pouco provável que não se consiga encontrar uma solução adequada ao desafio contemporâneo de produzir ali- mentos com sustentabilidade, como preconiza Bezerra (2010) ao afirmar: -não há desenvolvimento sem sustentabilidade e nem sustentabilidade sem desenvolvimento-.

O rebanho primitivo surgiu por volta de um milhão de anos atrás e o homo sapiens há pouco mais de 40 mil anos. Os dados científicos hoje conhecidos indicam uma constante evolução econômica e social da humanidade, como atestam, dentre outros, os estudos de Thomsen (1) e Morgan (2), transcritos por Diakov e Kovalev (1976), na obra História da Antiguidade.

Nessa longa caminhada a humanidade experimentou diferentes formas de organização econômi- ca e social, como o regime comunitário primitivo e o surgimento do Estado e das classes sociais (escravagismo, feudalismo, capitalismo e socialismo). As classes e o Estado nasceram em condições e épocas diferentes, associadas ao desenvolvimento das forças produtivas. O regime comunitário primitivo, por exemplo, baseava-se na propriedade coletiva dos meios de produção porque o nível das forças pro- dutivas era tão baixo que não permitia obter isoladamente os meios necessários de subsistência. Os homens eram obrigados a viver e a trabalhar em conjunto, gerando a propriedade comum dos meios de produção e dos frutos do trabalho. Tudo pertencia à coletividade. Ainda não se tinha ideia da propriedade privada dos meios de produção, da exploração do homem pelo homem, nem das classes sociais (DIAKOV & KOVALEV, 1976).

Segundo esses autores, a propriedade privada surge com o aumento da produtividade do trabalho, especialmente na agricultura e na criação de gado, o que permite a acumulação de riquezas nas mãos de particulares. O rendimento da criação dá a cada família a possibilidade de lutar com a natureza. O uso de técnicas, mesmo elementares, no cultivo da terra, permite cultivar uma superfície que antes só podia ser semeada por uma grande coletividade de agricultores munidos de picaretas.

Segundo Blainey (2010) e Mazoyer (2010), há 10 mil anos o homem dominou os rudimentos da agricultura e passou a depender crescentemente de alimentos cultivados para sobreviver. Desde então, o desenvolvimento de conhecimentos científicos e técnicas cada vez mais eficazes tem elevado constantemente a produção e a produtividade das culturas agrícolas - o que não tem impedido, todavia, que muitos pensadores contemporâneos procurem reabilitar a teoria malthusiana (3), segundo a qual a humanidade tendia a desaparecer pela escassez de alimentos.

Na obra Uma breve história do mundo (BLAINEY, 2010), o autor afirma que por volta de 8 mil anos a.C. já se cultivava trigo e cevada no vilarejo de Jericó. E que as evidências indicam que os primeiros animais também foram domesticados por essa época. Ovelhas nas fronteiras do que hoje seria a Turquia e o Ira- que, cabras nas montanhas do Irã e gado bovino no planalto da Ana- tólia (4).

Mazoyer (2010) sustenta que o cultivo do Planeta, a domesticação de plantas e animais, o domínio da vegetação e da fauna selvagem são a única forma segura que se tem para continuar alimentando a humanidade, na medida em que a simples predação (caça, pesca, co- lheita) não permitiria alimentar mais do que meio milhão de pessoas.

No Brasil, quando os portugue- ses iniciaram a colonização do país o povo Tupi dava os primeiros pas- sos da evolução agrícola, superan- do assim a condição paleolítica, tal como ocorrera pela primeira vez, há 10 mil anos, com os povos do velho mundo. Eram feitos grandes roça- dos na mata, derrubando as árvores com seus machados de pedra e lim- pando o terreno com as queimadas. Dependiam da caça e pesca para outros alimentos (RIBEIRO, 2006). E na Amazônia a produção agrícola foi ainda mais tardia, como ates- tam, dentre outros, os relatos de Frei Gaspar de Carvajal (1992) e do Padre João Daniel (2004), que percorreram a região em 1539 e 1741 respectivamente.

O fato é que independente de quando a tribo humana dominou os fundamentos da agricultura, ela sempre precisou de alimentos. Mesmo o filósofo Epi- curo de Samos (EPICURO, 2005) - segundo o qual, -meu corpo fica saturado de prazer quando tenho pão e água-, e -nada pode originar-se do nada- - deixava evidente a necessidade objetiva de alimen- tos e, também, o desafio de produzi-los com susten- tabilidade. Assim, a produção de alimentos em bases sustentáveis depende da conservação dos recursos naturais e de um manejo que eleve o padrão social e cultural dos trabalhadores e assegure a reprodução do ciclo produtivo. Isso exige o desenvolvimento de técnicas e organização social que possibilitem for- mas de produção e apropriação socialmente justas, aumento de produção e produti- vidade e uso racional dos recursos naturais, como forma de evitar o colapso ambiental já advertido por Marx e Engels (1979 a).

A relação do homem com a na- tureza variou ao longo dos tempos de acordo com o desenvolvimento das forças produtivas e de seu ní- vel de consciência e organização social. Enquanto seus instrumen- tos de produção eram as próprias mãos ou utensílios rudimenta- res, o impacto que eles poderiam provocar era o menor possível. A humanidade, porém, aumentou crescentemente o seu potencial de impacto ambiental desde o sur- gimento do rebanho primitivo e seguiu evoluindo no regime dos clãs e dos Estados escravagista e feudal, até atingir seu nível exponencial na sociedade capitalista. Com o desenvolvimento das sociedades socialistas e, no futuro, da sociedade comunista, esse impacto tende a diminuir a partir de novas tecnologias e da elevação do nível de consciência quanto ao caráter coletivo dos recursos naturais e da necessidade de usá-los de forma parcimoniosa.

Novo Código Florestal e ideologia

Como regra, os ataques ao novo Código - produzido a partir do relatório mediado pelo nosso camarada Aldo Rebelo - são de natureza ideológica e não técnica. Pude constatar em diversos segmentos sociais, incluindo a Academia, que a maioria dos que criticavam (ou criticam) o relatório não o conhece e, mais grave, baseava suas críticas em torno de pontos que simplesmente não constam do relatório. Reproduz acriticamente a versão dos santuaristas (ou neo-malthusianos) que se opõem, por conveniência, a toda e qualquer forma de uso dos recursos naturais nos países em desenvolvimento, especialmente na Região Amazônica.

Para entendermos a radicalização em torno desse debate é necessário que conheçamos as três concepções básicas a que se afiliam esses distintos grupos sociais.

a) Produtivistas. A produção é tudo, a conser- vação nada. Essa corrente, também conhecida como cornocupianos (5), se contrapõe ao caráter fi dos recursos naturais e defende, por conseguinte, a intensifi da atividade econômica e da exploração desses recursos. Sustenta que os recursos naturais têm se tornado mais acessíveis, tanto em quantidade quanto em preço, e que o desenvolvimento tecnológi- co é capaz de superar qualquer obstáculo ao processo produtivo. Geralmente se levanta contra toda e qual- quer norma que regule a atividade produtiva, sob o argumento de tratar-se de uma intromissão indevida ao processo produtivo. Ignora, solenemente, que na natureza, como na sociedade, todos os fenômenos es- tão interligados, interconectados e interdependentes, como Marx e Engels (1979a) bem demonstram na Introdução à Dialética da Natureza ao afirmarem:

"Talvez passem ainda milhões de anos, nasçam e baixem à sepultura centenas de milhares de gera- ções, mas se aproxima inflexivelmente o tempo em que o calor decrescente do Sol já não poderá derreter o gelo procedente dos polos; a humanidade, cada vez mais amontoada em torno do Equador, não encon- trará nem sequer ali o calor necessário para a vida; irá desaparecendo paulatinamente todo sinal de vida orgânica e a Terra, morta, convertida numa esfera fria, como a Lua, girará nas trevas mais profundas, seguindo órbitas mais e mais reduzidas em volta do Sol, também morto, e sobre o qual, por fim, cairá. Alguns planetas terão essa sorte antes da Terra, ou- tros depois; e em lugar do luminoso e cálido sistema solar, com a harmoniosa disposição de seus compo- nentes, restará tão só uma esfera fria e morta, que continuará ainda seu solitário caminho pelo espaço cósmico. Destino igual ao que aguarda o nosso siste- ma solar será, antes ou depois, o de todos os demais sistemas de nossa ilha cósmica, inclusive aqueles cuja luz jamais alcançará a Terra enquanto restar um ser humano capaz de percebê-la".

b) Santuaristas. A preservação é tudo, a pro- dução nada. A irracionalidade dos produtivistas possibilitou o surgimento dessa corrente (também conhecida como neomalthusianos), cuja plataforma central é o bloqueio de grandes áreas de recursos naturais nos países em desenvolvimento, especial- mente na Amazônia, sob o pretexto de assegurar o equilíbrio ambiental do Planeta. Argumentam que o planeta chegou ao seu limite e alguns de seus afilia- dos, como o Clube de Roma, defendem o crescimen- to zero ou o decrescimento. Se a motivação deles de fato fosse ambiental seria mais eficiente concentrar toda energia exigindo que países altamente poluido- res, como Estados Unidos e da Europa, adotassem um padrão de uso menos predatório e menos po- luente dos recursos naturais. Paradoxalmente, são esses países que financiam a atividade da maioria desses grupos no Brasil - e na Amazônia em especial. Todavia, como o objetivo central dessa corrente é restringir esse padrão de consumo apenas aos ricos daí a expressão "neomalthusianos", se faz necessário impedir que os pobres, ou os em desenvolvimento, -devorem- seus recursos naturais. Assim, não por acaso a pressão deles se volta quase exclusivamente contra esses países, especialmente contra suas ações estruturantes: agricultura, hidrelétricas, rodovias etc. A cruzada contra a aprovação do novo Código Florestal é a expressão prática dessa retóri- ca. Sua ideologia, assim como a dos produtivistas, é reacionária, metafisica, na medida em que desco- nhece que o homem, a humanidade, é parte indissolúvel do ambiente e não um corpo estranho como eles procuram apresentar. A sua prática política vai desde a inofensiva defesa de espécies de borboletas ameaçadas de extinção ao bloqueio de grandes áre- as, com o objetivo de assegurar reservas estratégi- cas aos países imperialistas cujo estoque de recursos naturais está praticamente exaurido. Assim, tal qual os produtivistas - por razões distintas -, são contra qualquer norma que regulamente a atividade produ- tiva, pois seu objetivo estratégico é não usar nada. Uma norma legal inaplicável, como se converteu o velho Código Florestal, ou aplicável de acordo com a conveniência ideológica da maioria dos operado- res dos órgãos ambientais, é o cenário ideal para os santuaristas. Uma parte é composta de -idealistas-, filosoficamente falando, outra, todavia, sabe perfeitamente a serviço de quem estão.

c) Sustentabilistas. Não há desenvolvimento sem sustentabilidade e nem sustentabilidade sem desenvolvimento. Essa corrente procura demonstrar que não há contradição entre produção e conser- vação. Considera dialeticamente a interdependên- cia dos fenômenos e tem presente tanto o caráter predatório do modo de produção capitalista quanto o desenvolvimento de métodos científi e tec- nológicos capazes de assegurar o uso dos recursos ambientais por um longo período (MARX, 1988), mesmo tendo presente que -tudo que nasce deve morrer- (6).

O caráter predatório do modo de produção capitalista é assim regis- trado por Marx:

"Na agricultura moderna, como na indústria urbana, o aumento da força produtiva e a maior mobili- zação do trabalho obtêm-se com a devastação e a ruína física da força de trabalho. E todo progresso na ar- te de despojar não só o trabalhador, mas também o solo e todo aumento da fertilidade da terra num tempo dado significam esgotamento mais rápido das fontes duradouras dessa fertilidade. Quanto mais se apoia na indústria moderna o desenvol- vimento de um país, como é o ca- so dos Estados Unidos, mais rápi- do é esse processo de destruição. A produção capitalista, portanto, só desenvolve a técnica e a combina- ção do processo social de produção, exaurindo as fontes originais de toda riqueza: a ter- ra e o trabalhador".

A apropriação privada desses recursos era outra grande preocupação de Marx:

"Do ponto de vista de uma formação econômica superior, isto é, o socialismo, a propriedade privada individual da terra parecerá de tão mau gosto quan- to a propriedade de um ser humano por outro. Nem mesmo toda uma sociedade, ou toda uma nação, ou todas as sociedades contemporâneas tomadas em conjunto, são donas absolutas da terra. São apenas seus ocupantes, seus beneficiários e, como bons pais de família, têm de deixá-la em melhores condições para as gerações seguintes".

Todavia, Marx se mostrava muito otimista com o desenvolvimento das ciências naturais e da agronomia, vendo nesse arcabouço científi e tecnológico as ferramentas capazes de recuperar, potencializar e alon- gar a fertilidade do solo e, assim, assegurar um proces- so de desenvolvimento sustentado. Os sustentabilistas defendem, portanto, o uso sustentável dos recursos ambientais e advogam a construção de regras claras e aplicáveis, respeitando as particularidades regionais.

O debate contemporâneo sobre sustentabilidade

Fica evidente, a partir do conhecimento da con- cepção ideológica dos diversos grupos sociais, ser impossível um consenso em torno desse ou de qual- quer outro relatório. O caos legal em que se transfor- mou a legislação ambiental do país não interessa ao agricultor familiar, ao produtor que se orienta pela sustentabilidade. Mas interessa aos predadores e santuaristas - aos pri- meiros porque não querem limite al- gum ao caráter predatório do modo de produção capitalista e aos segun- dos porque o caos legal impede, na prática, qualquer atividade produti- va economicamente viável.

Assim, resta ao agricultor familiar apenas a opção da agricultura de subsistência até que, exaurido sob todas as formas, ele migra para a cidade, é expulso de sua terra por grileiros ou é assassinado por pistoleiros a soldo de predadores de toda ordem. Quando tal fato se consuma ele deixa para trás, intocável, o estoque estratégico de recursos naturais que se constitui na única e exclusiva preocupação do imperialismo. É importante ressaltar que nem todos os ativistas ambientais têm clareza desse papel bizarro e pouco patriótico que acabam executando em troca de parcos financiamentos "desinteressados".

O ordenamento legal da atividade produtiva na Amazônia é o caminho mais eficiente para pôr fim às mortes e ao processo de exploração predatória atualmente em curso nessa região. O atual Código Flores- tal se converteu num emaranhado de normas con- traditórias e inaplicáveis. Chega-se a especular que existam atualmente mais de 10 mil normas legais tratando da questão ambiental no Brasil. É fácil concluir que o maior prejudicado com esse -cipoal legal- é precisamente o pequeno e médio produtor, que não dispõe de recursos para pagar consultorias, demarcar o seu espaço e muito menos averbar a sua Reserva Legal (RL). Os grandes produtores - até pela neces- sidade de acesso a grandes financiamentos bancários-, de maneira geral, já resolveram suas pendências le- gais ou simplesmente aderiram ao Cadastro Ambien- tal Rural (CAR). A simples adesão a esse instrumento suspende os embargos e lhes assegura um prazo su- perior a 20 anos para regularizar eventuais passivos ambientais, como o uso indevido da RL.

Determina a norma legal que -os embargos impos- tos em decorrência da ocupação irregular de áreas de reserva legal não averbadas, e cuja vegetação nativa tenha sido su- primida até 21 de dezembro de 2007, serão suspensos até 11 de dezembro de 2009, mediante o protocolo pelo interessado de pedido de regularização da reserva legal junto ao órgão ambiental competente-.

Essa regra não foi criada pelo novo Código Flores- tal. Ela está nos decretos presidenciais (6514; 6695; 7029 e 7497) editados e reeditados a partir de 22 de julho de 2008, para ser cumprida até 11 de dezem- bro de 2009. Posteriormente, seu prazo foi dilatado para 11 de junho de 2011 e, finalmente, em 09 de junho atual, a presidenta Dilma Rousseff estendeu o prazo até 11 de dezembro de 2011. Esse prazo não é para recuperar o passivo ambiental. É para dizer aos órgãos ambientais que está disposto a recompor seu eventual passivo ambiental - o que é feito mediante adesão ao CAR.

Lamentavelmente, enquanto a questão ideoló- gica tenta aniquilar toda e qualquer forma de ati- vidade legal na Amazônia, as mortes continuam, a pobreza campeia e milhares de pessoas são tratadas como se marginais fossem, quando nada mais que- rem do que trabalhar com dignidade. Trabalhar e produzir riquezas para construir um cenário distinto daquele descrito por Euclides da Cunha, em À mar- gem da História, onde o -seringueiro é o homem que trabalha para escravizar-se-, ou do retrato desenha- do por Fraxe (2000) em Homens anfíbios, no qual -o ribeirinho trabalha para sobreviver-.

E nesse particular não restam dúvidas de que o cenário se agravou em relação ao que Pedro Álvares Cabral encontrou quando de sua chegada ao Brasil, assim retratado por seu escrivão:

"Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer ou- tro animal que esteja acostumado ao viver do ho- mem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos" (Pero Vaz de Caminha).

Eron Bezerra é engenheiro agrônomo, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), se- cretário de Estado da Produção Rural do Amazonas (SEPROR), doutorando em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, secretário nacional da Questão Amazônica e Indígena do Comitê Central do PCdoB - eronbezerra@hotmail.com

NOTAS

(1) Christian Jürgensen Thomsen (1788-1865), arqueólogo dina- marquês que propôs o sistema idade da pedra (paleolítico, mesolítico e neolítico), idade do bronze e idade do ferro para classificar a história antiga.

(2) Lewis Henry Morgan (1818-1881), antropólogo americano que propôs a distinção da história primitiva em duas épocas: sel- vageria (que termina com a invenção do arco e das flechas) e barbárie (começa com a invenção da cerâmica e compreende o nascimento e o desenvolvimento da agricultura e do pasto- reio). Subdivide-se em inferior, médio e superior.

(3) Thomas Robert Malthus (1766-1834), demógrafo e economista inglês que previu o fim da espécie humana em decorrência de superpopulação e escassez de alimentos, na medida em que, segundo a sua teoria, a população crescia geometricamente enquanto a produção de alimentos apenas aritmeticamente.

(4) Região do extremo oeste da Ásia que corresponde hoje à por- ção asiática da Turquia.

(5) Alusivo aos cornos da cabra mitológica de onde saíam, ininter- ruptamente, alimentos em profusão.

(6) Palavras de Mefistófeles no Fausto de Goethe (in Obras Escolhi- das, volume 2, p. 263).

BIBLIOGRAFIA

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