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Edição 113 > O Código Florestal e questão nacional

O Código Florestal e questão nacional

Aldo Rebelo
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A reforma do Código Florestal trouxe à tona a questão nacional. Neste artigo, o relator da matéria revela duas concepções que afloraram no debate: a dos que propõem reformular a legislação à luz dos interesses do Brasil, buscando o equilíbrio entre preservação e produção agropecuária; e aqueles que agem sob a fachada do conservacionismo, mas adotam bandeiras do velho e sorrateiro jogo do comércio internacional

Os debates acerca da reforma do Có- digo Florestal brasileiro botaram em destaque, ainda que de forma não suficientemente explícita, a velha e boa questão nacional. De um lado, a lógica dos que associam a conservação e reprodu- ção da natureza aos interesses do Brasil funda-se na simbiose entre ambiente e desenvolvimento. De outro, a bandeira do conservacionismo é travestida de uma subordinação dos interesses nacionais a um movimento que se apresenta asséptico, puro e altru- ísta na defesa da preservação do planeta Terra, mas na verdade tem na retaguarda um protagonista que surgiu na humanidade desde que o homem superou a barbárie e começou a trocar mercadorias: o "General Comércio".

A grande disputa se dá hoje no campo do am- bientalismo. Os foros internacionais - como a Orga- nização Mundial do Comércio (OMC) e seus ciclos de negociações como a empacada Rodada de Do- ha - são um palco por demais ostensivo para que os agentes dissimulem seus verdadeiros interesses. As posições têm de ser claras e duras, tangenciadas unicamente pela busca das mesmas divisas monetá- rias que orientam as cúpulas ambientais. Nenhum país vai a essas reuniões disposto a chancelar resolu- ções que limitem seu desenvolvimento. Os Estados Unidos, por exemplo, recusam-se a ratificar o Pro- tocolo de Quioto pela argumentação de que se re- duzirem a emissão dos gases que agravam o efeito estufa vão reduzir o ritmo da economia. Os países mais industrializados da União Europeia e o Japão não fizeram o menor esforço para atingir a meta que subscreveram. Conferências sucessivas, como a de Copenhague, em 2009, resultam em fracasso pela simples razão de que os países mais desenvolvidos objetivamente consideram a proteção do meio am- biente um ônus à manutenção do padrão de vida de suas nações.

Daí por que o interesse comercial tem de extra- polar esses foros tão limitados e tomar a forma de partidos cosmopolitas que seduzam corações e mentes, apresentando-se como despidos de interesses nacionais e trajando o figurino de preocupação com o futuro da humanidade. O movimento ambienta- lista assim se robustece como o maior fenômeno ideológico dos nossos tempos. Seu campo fecundo é a realidade que de fato clama por um programa de uso inteligente dos recursos naturais do planeta. Mas o pano de fundo é o interesse comercial que, por não poder assim se expressar, assume a roupagem de uma nova utopia que engaja quem não aderiu ou mesmo se desiludiu com antigas propostas de efeti- va transformação do mundo. Que engajamento mais nobre, universalmente humanitário, poderiam plei- tear além da defesa de um planeta limpo e saudável- A fórmula cavilosa atrai multidões genuinamente interessadas na causa ambiental. Agindo de boa-fé, efetivamente portam a bandeira dos que chamam -desenvolvimento sustentável-, livre da destruição perdulária e da ganância predatória que embora impenitentes na trajetória da humanidade tornaram-se incompatíveis com o estágio atual do processo civilizatório.

A resistência à reforma do Código Florestal in- sere-se nesse movimento de ambiguidade dissimu- lada. Primeiro, convém esclarecer que o Código não enfeixa a política florestal do Brasil. Há um conjunto de leis que cuidam disso, dispondo sobre unidades de conservação, reposição de mata nativa, plantio de espécies exóticas para uso comercial e até a explo- ração privada por concessão de florestas públicas. O Código Florestal, promulgado em 1934, mas, sobre- tudo, na versão modificada pelo Congresso em 1965, vigora na propriedade privada - e por isso atrai o foco das ONGs de filiação estrangeira que se apresentam tão preocupadas com a preservação de nossas matas nativas. Como a mata e a agropecuária disputam o mesmo território, o movimento é para que a primei- ra seja mantida e a segunda, escorraçada. É o que vem acontecendo com as sucessivas mudanças na lei, introduzidas por medidas provisórias, decretos e mesmo resoluções de órgãos ambientais, todos eles tomados sem consulta nem debate com a sociedade, sequer com os agricultores.

APPs e reserva legal

Institutos de proteção ambiental genuinamen- te brasileiros - como a reserva legal (porcentagem de mata nativa que toda propriedade é obrigada a manter variando de 80% na zona de florestas da Amazônia a 20% nas demais regiões) e as áreas de preservação permanente (as APPs, que devem ser conservadas com dimensão crescente nas margens de cursos d-água, restingas, várzeas, encostas e to- pos de morro) - foram alterados sem explicações. A gênese da reserva legal instituída no Código de 1934 limitava-se a um quarto da vegetação existente na propriedade. Mas foi aumentada para até 50% e de- pois 80% da área do imóvel, no caso da Amazônia Legal, e 20% no resto do país. A APP mínima, que se limitava a uma faixa de mata ciliar de cinco metros para os rios de menos de dez metros de largura, su- biu para 30 metros.

Com efeito retroativo, essas leis botaram na ile- galidade a maioria dos agricultores - talvez 90% - que exploravam a terra desde o início da colonização do Brasil, obviamente sem nenhuma restrição legal. Ao contrário, por muitos séculos, a palavra de ordem era ocupar o território nacional - movimento inicia- do pelos bandeirantes do século XVI e continuado por um movimento migratório intenso que ocupou Mato Grosso, Acre, Roraima, Amapá e outros rincões mais ermos. Na década de 1970, o governo militar transplantou milhares de colonos para a Amazônia com a orientação de desmatarem para plantar, caso contrário não teriam direito a financiamento e até poderiam perder o lote. De repente, todos foram inti- mados a -legalizar- suas propriedades com base em normas editadas posteriormente à ocupação. Muitos foram multados, perderam o acesso ao crédito ofi- cial, ganharam o estigma de criminosos.

Ao pé da letra, a reforma do Código Florestal destina-se, portanto, a restabelecer sua ambivalên- cia jurisdicional equitativa entre conservação e ex- ploração. As mudanças de orientação ambientalista geraram uma hipertrofia na paisagem de domínio privado. No entanto, outras vertentes conservacio- nistas continuaram sua trajetória de subida sem obstáculos. Desde que Dom Pedro II mandou plan- tar a floresta da Tijuca, passando pela criação do primeiro parque nacional, o de Itatiaia, em 1937, as unidades de conservação têm sido criadas como testemunho do compromisso do Brasil com a pre- servação de suas matas nativas. As áreas de florestas públicas já cadastradas cobrem hoje nada menos de 290 milhões de hectares (Mha) - ou seja, 88% da área da agropecuária. Apesar da marca de predado- res que nos tentam imprimir, somos o país que mais conservou suas matas nativas. Elas cobrem 59,9% do território nacional. Se o país tem a extensão de 851 milhões de hectares (Mha), as matas e flores- tas naturais cobrem 509,8 Mha - sem contar os 6,8 Mha de florestas plantadas e os 106 Mha reservados aos índios -, números que resultam em mais de uma vez e meia toda a terra ocupada pela agropecuária. E boa parte desta cobertura florestal está em terras de domínio privado. Os 5,1 milhões de propriedades rurais anotadas pelo IBGE no Censo Agropecuário de 2006 ocupam 329,9 Mha e, segundo o estudo Flo- restas do Brasil do Instituto Serviço Florestal Brasilei- ro, exibem uma cobertura de matas e florestas da ordem de 98,4 Mha. Ou seja, ao longo de cinco sé- culos de exploração comercial, as terras sob domínio privado ainda conservam 30% da cobertura vegetal. Nenhum país industrializado oferece exemplo seme- lhante. Pelo contrário. Destruíram suas florestas e as da Ásia, não adotaram medidas preservacionistas como as nossas reservas legais e APPs, usam toda a terra disponível em uma agricultura subsidiada, e até tratada como bem cultural intangível da nação, caso dos vinhedos da França.

Debate público

É nesse campo minado de interesses que se tra- vam os debates acerca do Código Florestal Brasileiro. Até agora, o movimento ambientalista, associado à burocracia estatal, exercia a hegemonia legislativa, limitando e conquistando território da agropecuária

- a ponto de entre os Censos de 1996 e 2006 se ter registrado uma redução da área ocupada por pasta- gens e lavouras da ordem de 23,6 Mha ou a metade da Holanda. Legislavam na surdina, por decretos e medidas provisórias. A reforma do Código Florestal propiciou um debate público ao qual poucas peças legislativas, talvez nenhuma, foram submetidas. A Câmara dos Deputados promoveu uma larga e pro- funda discussão sobre os termos e os fundamentos de aperfeiçoamento e modernização da lei e o obscu- ro Código Florestal virou a controvérsia mais viva da atualidade, figurando até como estrela do Twitter. Ao associar o Código e seu pano de fundo à questão na- cional, a Câmara adensou o debate com elementos geopolíticos que desnudam a trama ambientalista. O ponto central do debate deixou de ser a falsa dicoto- mia entre conservação e exploração, passando a significar a busca do equilíbrio entre uma e outra, em um território nacional onde até tentava-se imprimir no campo o selo da edenização ao par da satanização da agropecuária.

Aos países mais desenvolvidos não interessa a prosperidade progressiva da agricultura brasileira. Apesar de conquistarem a maior parte de suas divisas com a exportação de serviços e produtos manufatu- rados, ainda têm na agropecuária e na agroindústria uma polpuda fonte de renda externa, sobretudo com arroz, milho, soja, trigo, frutas, leites, sucos, carnes de aves e de suínos. Em todas essas a que chamam commodities, com exceção do trigo, o Brasil despon- tou como grande produtor e exportador mundial, valendo-se não só de vantagens comparativas como a abundância de terras e o clima favorável, quanto de espetacular avanço nas técnicas de produção. O aumento da produtividade, ao também forjar redu- ção de custos e de preços, propiciou a conquista de mercados antes quase monopolizados pelos países ricos. No mercado interno, a pujança da agricultu- ra familiar garante a segurança alimentar da Na- ção, abastecendo a mesa do brasileiro com produtos fartos e baratos que não precisamos importar a ne- nhum título. O mercado nacional de 190 milhões de bocas é autossuficiente - fato raríssimo no mundo -, sujeito, naturalmente, a dificuldades sazonais que dizem respeito à natureza e manobras nos preços.

A essa competitividade global da agropecuária do Brasil coincidiu a ofensiva externa do lobo na pele de cordeiro. A reação veio, primeiro, na forma de subsídios (diz-se que em alguns países o agricultor é funcionário público de tão remunerado pelo Esta- do) e a seguir de sobretaxas e barreiras sanitárias, se não forjadas, frequentemente exageradas para terem efeito comercial. Confrontados com o esboço de uma nova divisão internacional do trabalho, na qual os chamados países periféricos não só expor- tam manufaturados como tomam mercados de pro- dutos agrícolas, os mais desenvolvidos encampam a bandeira do ambientalismo para inibir a explosão agropecuária que tem efeitos deletérios em sua pau- ta de exportações. Para deter nossa prosperidade no campo, financiam e instrumentalizam organizações não governamentais com a tarefa de exorbitar aqui padrões de conservação da natureza que não adotam em seus territórios. Na mesma medida em que pro- curam barrar o avanço da base física da agropecuá- ria brasileira, tentam fazer com que o país confisque terras de uso secular na produção de alimentos.

Pequenos proprietários

A primeira manobra diversionista é alardear que as florestas brasileiras estão sendo derrubadas para receber as culturas que concorrem com eles. Nada mais falso, considerando que a área agrícola do Bra- sil até diminui. A seguir, a pecha de -mais desmata- mento- foi transplantada para o debate do Código Florestal, não só em seu significado preciso, ou seja, de que mais terras virgens e, portanto, florestas se- riam ocupadas e cultivadas, como também na forma de combate feroz pelo confisco de áreas já ocupa- das. A exigência é que largas porções das glebas de uso consolidado sejam interditadas à agropecuária e repovoadas com árvores de espécies nativas. A le- gislação ambiental brasileira encarregou-se disso, obrigando - de forma retroativa, como visto - os pro- dutores rurais a cobrirem de matas o déficit de re- serva legal e APPs verificado em suas propriedades. Na prática, a exigência leva à absurda situação de arrancarmos pés de arroz, feijão, mandioca, milho, hortaliças e frutas para em seu lugar replantar as matas originais. A lei é especialmente perversa com o pequeno proprietário rural, a maioria esmagadora em um quadro fundiário de antiga concentração da propriedade e posse da terra. Os pequenos estabelecimentos são a imensa maioria, somando 4,3 milhões, ou 84,4%, do total de 5,1 milhões de propriedades. Esses imóveis, que se sobrepõem ao conceito de agricultura familiar, ocu- pam apenas 80,2 Mha, ou seja, apenas 24,3% do to- tal, e têm área individual inferior a quatro módulos rurais, o que, dependendo do município, varia de 20 a 440 hectares - embora na prática a área média da pequena propriedade seja de 18 ha. A miríade de 3,8 milhões de propriedades tem menos de 50 hectares. No Nordeste, dos 2,4 milhões de imóveis rurais, 1,2 milhão medem menos de cinco hectares - menos que o terreno da mansão dos Matarazzo na Avenida Paulista. Usando intensivamente a terra para serem competitivos, em muitos casos, repita-se, séculos antes de qualquer restrição ambiental, sofreriam enormes perdas se tivessem de substituir suas la- vouras por matas para atender retroativamente aos rigores da lei. Ademais, não têm recursos para arcar com o alto custo da reposição florestal. Daí que o no- vo Código Florestal aprovado pela Câmara por 410 a 63 votos os dispensou da exigência da reserva le- gal que pode abocanhar até 80% de sua propriedade. Enfrentando o problema da sextuplicação da menor APP de margem de rio, que subiu de cinco para 30 metros de largura, também tragando terra já ocu- pada pela agricultura, foi firmado um acordo pelo qual o proprietário deverá recompor a metade dessa faixa - o que mantém a dimensão efetiva da APP em 15 metros de mata ciliar de cada margem do cur- so d-água. Dessa forma, a reforma do Código Flo- restal congela a área agrícola do Brasil. Importante destacar que essas duas salvaguardas previnem um baque violento na produção de alimentos, conside- rando que a pequena propriedade familiar responde por 87% da produção nacional de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite e 21% do trigo. Também respondem por 59% do rebanho de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e 16% da soja, atividades que conectam o pequeno produtor ao fluxo do mercado externo e lhes permite o ingresso no clube dos famigerados ruralistas.

Agricultura: atividade nobre

Nessa infamada categoria convém separar a agro- pecuária comercial dos predadores - sobretudo na fi- gura do extrator de madeira da Amazônia - que ser- vem de bandeira alarmista para o ambientalismo. O propósito da reforma do Código Florestal é proteger a agricultura como atividade nobre, respeitada e in- centivada, motivo de orgulho nos países mais desenvolvidos. O estágio atual do capitalismo no campo significa um progresso, pois cumpre a tarefa histó- rica de varredura de relações de produção atrasadas secularmente sustentadas pelo latifúndio. Se persiste a incompletude de medidas como a reforma agrá- ria e a efetiva proletarização da mão-de-obra, para atingir-se a extinção de restos semifeudais e a liber- tação das forças produtivas do campo, o agronegócio é uma riqueza nacional a ser celebrada. Âncora da Economia nos tempos de crise, crescendo na razão inversa da desindustrialização em curso, responde por 22,3% do Produto Interno Bruto. No conjunto, os principais produtos exportados (soja e derivados, açúcar, aves, café, fumo e milho, carnes e sucos) re- presentam 28% da pauta de exportações, e superam a joia da coroa da exportação brasileira, o minério de ferro (14,3%), e o orgulho nacional que são os aviões da Embraer, com 2%. Ainda há um enorme caminho a percorrer, pois vendemos muitos produtos brutos que ganham valor agregado na mão dos comprado- res, a exemplo de café, carnes, soja - problema que também ocorre com a principal mercadoria item de exportação, o minério de ferro, pois a Vale vende a tonelada a R$ 160 e compra vagões feitos com ele por R$ 160.000.

A terra de domínio privado está, portanto, pro- duzindo comida e riquezas para o Brasil, e a que não estiver deve ser incorporada à produção em vez de confiscada para a preservação. Na mesma medida em que a agropecuária não pleiteia mais terras no momento, embora esteja perdendo área, o interesse nacional determina que toda a extensão em uso per- maneça destinada a culturas de alimentos. A prote- ção do meio ambiente, de que o Brasil é campeão no planeta, jamais esteve ameaçada pelo arroz e o feijão nosso de cada dia.

*Aldo Rebelo é deputado federal (PCdoB-SP) e foi o relator do projeto de lei do novo Código Florestal bra- sileiro já aprovado pela Câmara dos Deputados.

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