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Edição 113 > Sonhos e desafios para um Brasil sem miséria
Sonhos e desafios para um Brasil sem miséria

Com a meta de retirar 16,2 milhões de brasileiros da situação de extrema pobreza, a presidenta Dilma Rousseff lançou, no último dia 2 de junho, o Plano Brasil Sem Miséria. Neste artigo exclusivo para a Princípios, Dilma explica por que considera este plano a iniciativa mais importante de seu governo.
Durante a campanha presidencial, me indagaram diversas vezes sobre qual o meu sonho para o país. Governar o Brasil é estar diante de muitos desafios. Mas é também ter a oportunidade de realizar alguns dos sonhos de 190 milhões de pessoas. O meu maior sonho, como governante, é também o meu maior desafio: acabar com a extrema pobreza. Temos crescido economicamente, mas não de maneira a eliminar a miséria. Nosso compromisso é o de construir uma sociedade em que todos tenham espaço e oportunidades. Este é o modelo que o presidente Lula trouxe para o país e meu governo é herdeiro deste legado.
Entramos numa trilha de desenvolvimento com inclusão social, de crescimento econômico com estabilidade monetária e consolidação fiscal. Mas esse muito que foi feito coloca a necessidade de irmos além, muito além. Para isso, será preciso corrigir a história.
Está claro que não seremos um país rico se continuarmos admitindo a existência de pessoas extremamente pobres, excluídas das benesses do desenvolvimento, escondidas nos becos e ruas das cidades, espalhadas pelo imenso Brasil rural, sem acesso a serviços públicos que até mesmo desconhecem.
Nos últimos oito anos, o modelo que ajudamos a construir tirou 28 milhões de pessoas da pobreza e propiciou a ascensão de 36 milhões à classe média. Mas ainda existem os extremamente pobres. Eles são 16,2 milhões de cidadãos, dos quais 40% têm até 14 anos de idade. O Brasil não pode mais fechar olhos e portas a esses brasileiros, cuja renda familiar mensal, dividida entre seus membros, não passa de R$ 70,00 por pessoa.
Por isso, cinco meses depois de ter tomado posse no mais alto cargo do meu país, lancei o Plano Brasil sem Miséria. Ele cria, renova, amplia e, especialmente, integra vários programas sociais. É fruto da nossa experiência acumulada ao longo desses anos. Também articula ações do governo federal com as de estados e municípios, reconhece a diversidade do país, prevê programas e ações diferenciados para a cidade e para o campo. Sustenta-se em três eixos: transferência de renda, inclusão produtiva e acesso aos serviços públicos.
O Plano nos alerta de que, se somos capazes de dar atenção aos problemas e crises que se instalam pela vida, não podemos nos esquecer da crise mais permanente, mais desafiadora, do maior e mais angustiante problema, que é a pobreza crônica. A miséria é intolerável e suprimi-la é um dever do Estado. Mas é, também, uma tarefa de todos os brasileiros e brasileiras.
Corrigindo a história
De forma imperdoável, a história negou sonhos a muitos brasileiros. Foram necessários séculos para que a pobreza entrasse na pauta política e na agenda de debates da academia. A população pobre já foi acusada inclusive de ser responsável pela sua própria pobreza. Há não muito tempo, o próprio programa Bolsa Família foi acusado de estimular em seus beneficiários o conformismo com a miséria.
O clima tropical e a miscigenação também já foram lançados no rol de responsáveis pela pobreza, numa espécie de fatalismo que estaria além dos esforços políticos que permitissem a mudança da realidade bruta. A escravidão, uma das causas desse triste legado, passou-se há muito tempo, mas não havia cessado a falta de vontade política para superar seus efeitos.
Raramente, a população pobre foi vista como construtora de futuro, capaz de construir sua própria riqueza. Pobreza foi por muito tempo sinônimo de invisibilidade. A mesma invisibilidade - que cobria o sofrimento em torno do tráfico negreiro - estendeu-se aos milhões de brasileiros famintos e sedentos que por décadas se atiraram em caravanas para o Sudeste, ou para os seringais do Norte, ou para as margens da Transamazônica. Era a pobreza se ampliando e redesenhando o nosso mapa nacional, com seus traços de tristeza, de angústia, de desespero, com muitos virando o rosto para ela.
Mas também sempre houve brasileiros destemidos que lutaram contra essa insensibilidade e indiferença. Dos abolicionistas do século XIX aos movimentos sociais e sindicais do fi do século XX, dos pensadores sociais dos anos 1930 aos intelectuais contemporâneos, muitos merecem o reconhecimento pela contínua luta em prol da justiça e da equidade.
É a voz desses heróis que ecoa no Plano Brasil sem Miséria. É a voz de Nabuco, de Gilberto Freyre, de Manoel Bonfim de Sérgio Buarque de Holanda, de Josué de Castro, de Anísio Teixeira, de Paulo Freire, de Caio Prado Júnior, de Florestan Fernandes, de Darcy Ribeiro, de Celso Furtado. Eles reduziram a cinzas as teorias fatalistas sobre a pobreza no Brasil. Ecoa também a voz suave de Betinho que, na década de 1970, clamou: -Chega de torneios retóricos, minha gente. Vamos lá: ação, ação, ação, por favor, ação. Porque enquanto a gente discute a melhor maneira de salvar o Brasil, milhões de brasileiros morrem de fome-.
O Brasil sem Miséria ecoa a voz, o trabalho e o empenho do presidente Lula, que somou todas as vozes que não aceitaram a miséria como destino de um povo.
Os 16 milhões de miseráveis não são estatísticas. São pessoas com vidas, experiências e sonhos. Sem eles, nosso futuro estará irremediavelmente comprometido. No governo do presidente Lula constatamos que enquanto o Brasil deixasse de fora a imensa força construtiva, que é o seu povo, não se transformaria em uma grande nação. Enquanto não fosse desatado esse imenso potencial de consumo, de mãos produtivas, de mentes criativas e de sonhos represados, estaríamos presos às mazelas do passado. Nós continuaremos esse avanço, agora no resgate dos extremamente pobres.
Na cidade e no campo
Não é mais possível esperar que os muito pobres venham em busca do Estado; o Estado é que precisa buscá-los ondefor preciso. O Brasil sem Miséria criou a Busca Ativa, uma ferramenta que funcionará por meio de parcerias com governos estaduais e prefeituras. É imprescindível, também, a participação da sociedade.
Identificaremos quem não recebe o Bolsa Família e faremos com que passem a receber. Identificaremos os idosos sem aposentadoria, para que passem a ter o seu provento. Também procuraremos os que não contam com acesso a água, luz elétrica, a uma unidade básica de saúde, a uma maternidade. Trabalharemos arduamente para que também possam usufruir esses serviços públicos.
O governo federal já sabe quantos são em cada região: 59% vivem no Nordeste, 21% no Sul e Sudeste e 20% no Norte e Centro-Oeste. A partir dessas indicações, está sendo desenhado o mais completo Mapa da Pobreza no País. E construído o Mapa Nacional de Oportunidades.
No campo está quase metade do público-alvo do Plano. O objetivo é aumentar a produção e tornar esses agricultores autossuficientes. Cada grupo de mil famílias terá o acompanhamento de um técnico de nível superior e de dez técnicos de nível médio.
Uma parceria com as universidades e a Embrapa levará tecnologias apropriadas a cada família, que receberá um fomento a fundo perdido de R$ 2.400, durante dois anos, para adquirir insumos e equipamentos. Até 2014, serão atendidas 250 mil famílias. No Programa Água para Todos, a meta é atender 750 mil famílias com a construção de cisternas e sistemas simplificados coletivos. Além disso, milhares de famílias serão beneficiadas por sistemas de água voltados para a produção.
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do qual o governo federal compra a produção para doar a entidades assistenciais ou para a formação de estoques, será consideravelmente ampliado. Se hoje ele atende a 66 mil famílias em situação de extrema pobreza, até 2014 beneficiará 255 mil.
Outra ação prevista é a ampliação das compras públicas para hospitais, universidades, presídios, creches e também para a rede privada de abastecimento, como supermercados e restaurantes, que passarão a contar com a produção dos agricultores mais pobres.
O Plano cria ainda a Bolsa Verde, que pagará a cada trimestre R$ 300 por família que preserve florestas nacionais, reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável. O acesso à energia elétrica será garantido a mais 257 mil famílias.
Nas cidades, o objetivo central do Brasil Sem Miséria será gerar ocupação e renda, mediante cursos de qualificação profissional, intermediação de emprego, ampliação da política de microcrédito e incentivo à economia popular e solidária, entre outras ações de inclusão social que devem beneficiar dois milhões de pessoas.
É preciso inserir os beneficiários do Bolsa Família no mercado de trabalho, em sintonia com a vocação econômica de cada região. Escolas técnicas, o Sistema S e outras redes serão mobilizados para que seja possível oferecer mais de 200 tipos de cursos gratuitos e certificados. Serão selecionados, prioritariamente, os beneficiários do Bolsa Família e pessoas com idade entre 18 e 65 anos.
O Brasil Sem Miséria vai apoiar as prefeituras na implantação de programas de coleta seletiva. Com isso, além de beneficiar o meio ambiente, o que se pretende é o fortalecimento das cooperativas de catadores já existentes e abertura de milhares de vagas nesse setor.
A prioridade é atender capitais e regiões metropolitanas, num total de 260 municípios. O plano vai capacitar e fortalecer a participação na coleta seletiva de 60 mil catadores, até 2014, viabilizar a infraestrutura para 280 mil e incrementar cem redes de comercialização.
Com o Plano, mais 800 mil famílias serão incluídas no Bolsa Família até dezembro de 2013. Atualmente, a família pode inscrever até três crianças e adolescentes com até 15 anos. Com o Brasil sem Miséria, esse número passa a cinco. Com essa mudança, 1,3 milhão de crianças e adolescentes serão incluídos no programa. Hoje, são 15,7 milhões.
Nosso propósito é criar nas cidades novas oportunidades de desenvolvimento econômico local, ampliar o mercado das micro e pequenas empresas, estimular a formação de empreendimentos cooperativados e apoiar o microempreendedor individual, as políticas de microcrédito e a Economia Popular e Solidária.
São muitos os caminhos. Sabemos como trilhá-los. Nos últimos anos, o Brasil cresceu porque a pobreza diminuiu. Agora, vamos acabar de vez com a miséria. Esse é um dever do Estado e de todo governante. Mas, também, uma tarefa de cada brasileira e brasileiro. Juntos, vamos transformar desafio em sonho realizado.
Dilma Rousseff é presidenta da República.