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Economia

Edição 108 > O gás natural: novos desafios para a regulação da indústria

O gás natural: novos desafios para a regulação da indústria

Haroldo Lima e José Cesário Cecchi
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A defesa do petróleo inclui, como elemento-chave, a regulação do setor. Este é o tema deste artigo. Os autores resgatam as origens da palavra de ordem “O Petróleo é Nosso” – que abriu caminho entre todas as barragens e emergiu como um grande movimento popular em defesa da soberania nacional – para concluir que ela mantém o mesmo significado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Introdução

É bastante significativa a participação das fontes renováveis e não poluentes de energia na matriz energética do Brasil, como mostram a Tabela 1 e a Figura 1.

Matriz Energética no Mundo, OCDE* e Brasil (em %)

* OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (em inglês, OECD: Organisation for Economic Cooperation and Development).
Fonte: Balanço Energético Nacional (2010).

 

Figura 1 – Matriz Energética no Mundo, OCDE e Brasil (%)


A observação desses dados, relativos às matrizes energéticas em escala mundial, na OCDE e no Brasil, realça a vantagem de nosso país em relação ao uso de fontes renováveis de energia.

A participação da biomassa na matriz mundial é bastante diminuta, cerca de 10,5%, fica reduzida a 5,2% entre os países da OCDE e tem um real significado no Brasil, onde 32,0% de toda a energia consumida têm essa origem. Em energia hidráulica, também o Brasil se destaca com mais de sete vezes a participação relativa que tem essa fonte no âmbito mundial e no conjunto da OCDE.

A matriz energética brasileira revela precariedade na participação do gás natural. Embora a presença do gás tenha crescido muito nos últimos anos, por volta dos 10%, esse índice ainda é muito aquém do que se registra no mundo – 20,9% – e dos países da OCDE: que atinge 23,7%. Sua marca negativa mais destoante é a da parcela ínfima de uso da energia nuclear, 1,4% – distante dos 5,9% da matriz mundial e muito longe dos 10,9% dos países da OCDE.

As características atuais da matriz energética brasileira e as necessidades e potencialidades de nosso país indicam a necessidade de dois movimentos conjugados a serem feitos, presentes na política governamental em curso para o setor. Primeiro: o da ampliação em termos absolutos da disponibilidade energética, posto que, se o país se desenvolve como planeja e precisa – em níveis próximos, iguais ou maiores que 5% do seu PIB – precisará de muita energia nova. Segundo: o de um desenvolvimento da base energética orientado para a) aumentar a participação do gás natural entre as fontes de energia; b) aumentar a participação da fonte nuclear entre essas fontes; c) aumentar a contribuição da biomassa; d) sustentar a parcela da fonte hidráulica; e e) manter a autossuficiência da produção de petróleo e caminhar para a exportação de derivados de petróleo. Destes objetivos, trataremos aqui dos problemas relacionados com o primeiro deles: o de “aumentar a participação do gás natural entre nossas fontes de energia”.

O gás natural: a fonte energética que mais cresce no mundo

O gás natural poderá estar na segunda posição na matriz energética do planeta, atrás apenas do petróleo, até o fim da próxima década. Este é um dado impressionante, inclusive porque o uso intensivo do gás natural como energético é recente, começa pela década de 60 do século XX, quando se expande na Europa e no Japão, já que seu aproveitamento, até então, localizava-se nos centros urbanos mais próximos das reservas. Durante os anos 1970 do século XX, ocorrem não só mudanças tecnológicas importantes como crescem a demanda energética, a pressão por controle ambiental e os preços do petróleo, tudo se conjugando para a remoção dos obstáculos à maior penetração do gás natural na matriz energética mundial. Na atualidade, o preço relativamente estabilizado e alto do petróleo, o intenso crescimento econômico mundial e a crescente exigência por maior proteção ambiental estabelecem condições francamente favoráveis à continuidade da expansão do gás natural na matriz energética mundial.

O uso do gás natural como energético de uso intensivo no Brasil é ainda mais recente e mais tímido do que foi no resto do mundo. Não existindo demanda por calefação em nosso país tropical, não existia distribuição de gás encanado fora das duas maiores cidades (São Paulo e Rio de Janeiro). O gás natural aqui encontrado sempre foi associado ao petróleo e seu aproveitamento não tinha grande importância.

 De qualquer forma, a utilização – com alcance muito limitado – do gás natural no Brasil teve início antes mesmo da criação da Petrobras, na década de 1940, na Bahia, a partir da descoberta de campos de petróleo e gás natural no Recôncavo Baiano. À época empresas privadas brasileiras e com acionistas brasileiros que recebessem autorização do Conselho Nacional do Petróleo (CNP) tinham direito de explorar hidrocarbonetos. A criação do CNP, em 1938 pelo governo Vargas, foi a primeira iniciativa objetiva do Estado de regular a indústria do petróleo.

Na década seguinte, a percepção de vulnerabilidade do Brasil em relação ao suprimento petrolífero gerou o debate sobre a possibilidade de desenvolver uma indústria nacional do petróleo. Neste contexto tomou força no país a grande campanha popular em defesa do monopólio do petróleo nas mãos do Estado (a campanha “O Petróleo é Nosso”), que culminou com a publicação, em 1953, da Lei n. 2.004/53, que criou a Petrobras.

Esta Lei determinou o monopólio da União sobre as atividades de pesquisa e lavra de jazidas, refino e transporte marítimo de petróleo. Ela estabeleceu, ainda, que o monopólio seria exercido pela Petrobras (“órgão executor” do monopólio da União) e pelo CNP (“órgão de orientação e fiscalização”).

No exercício desse monopólio, a Petrobras produzia o gás natural (na grande maioria das vezes associado ao petróleo) e vendia diretamente a consumidores finais. No entanto, a participação do gás natural na matriz energética nacional era modesta e não superou 1% até 1981. A descoberta das reservas petrolíferas e gaseíferas na Bacia de Campos, na década de 1980, foi um marco importante para permitir o aumento no consumo de gás natural no país.

No final dessa mesma década, a publicação da Constituição de 1988 estabeleceu algumas mudanças que impactaram o funcionamento da indústria de gás natural. A mais significativa foi a determinação de que caberia aos estados da Federação exercer o monopólio sobre a distribuição de gás canalizado. Desta forma, os estados podiam criar empresas públicas estaduais com o direito de monopólio sobre a distribuição, no âmbito de seus respectivos territórios. Isso significava que a Petrobras não mais poderia vender diretamente a consumidores finais. Todavia, a empresa adotou a estratégia de manter participação societária em quase todas as companhias de distribuição.

Na década de 1990, a aprovação de duas Emendas Constitucionais e a publicação da Lei n. 9.478/97 alteraram significativamente a indústria de petróleo e gás no Brasil. A Emenda Constitucional n. 5, de 1995, alterou o § 2º do artigo 25 da Constituição Federal (CF), permitindo que os estados concedessem a empresas privadas a exploração dos serviços locais de gás canalizado. A Emenda Constitucional n. 9, também de 1995, alterou o artigo 177 da CF, retirando da Petrobras sua condição de executora exclusiva do monopólio da União sobre as atividades de pesquisa e lavra de jazidas, refino, importação e exportação de hidrocarbonetos e transporte marítimo ou por meio conduto de petróleo e gás natural. Daí por diante, a União poderia contratar tais atividades junto a empresas estatais ou privadas. A Petrobras permanecia como petroleira estatal. Introduziu-se, assim, no setor do petróleo e gás do Brasil, um modelo de mercado aberto com presença estatal.

O papel da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

Esse modelo de mercado aberto com presença estatal só pôde ser implementado após a publicação da Lei n. 9.478/97, denominada pelo mercado como “Lei do Petróleo”. Ela ratificou a propriedade da União sobre os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos, estabeleceu os princípios e objetivos da política energética nacional, criou o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), criou a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e estabeleceu normas gerais a respeito da participação de outras empresas (além da Petrobras) nas atividades da indústria petrolífera.

A Lei determinou que cabe ao CNPE propor ao presidente da República as políticas públicas em consonância com os princípios e objetivos da política energética nacional. Um desses objetivos, expresso no Art. 1º, VI, é “incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural”. Sob essa forma, incorporava-se na legislação a meta de aumentar a participação do gás natural entre nossas fontes de energia.

Sobre a ANP, a Lei do Petróleo determinou que sua finalidade é a promoção de regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo e gás natural. A partir de então, a ANP passou a editar normas para regulamentar o funcionamento da indústria petrolífera e gaseífera. Em exploração e produção (E&P), foram estabelecidas as condições e as formas de os agentes, devidamente capacitados técnica e financeiramente, poderem ter acesso a blocos exploratórios brasileiros.

A partir de 1998, a ANP começou a fixar regulamentos para os agentes da indústria de gás natural, dando cumprimento à prerrogativa estabelecida pela Lei, de que as atividades de processamento de gás natural, de importação de gás natural e de construção e operação de gasodutos seriam exercidas mediante autorização da ANP.

Participações cruzadas na indústria do gás natural

A característica básica da indústria de gás natural é de ser uma indústria de rede. Isso significa que possui um conjunto de atividades distintas, mas com interdependência entre si para que haja a prestação do serviço. A prestação do serviço com qualidade e de forma ininterrupta só pode ocorrer quando existe a coordenação dos diversos segmentos da cadeia. Por esta razão, de forma geral, indústrias de rede possuem estruturas verticalizadas, ou seja, o mesmo agente atua nos diferentes elos da cadeia, buscando ganhos econômicos.

Mas a integração vertical das atividades de uma cadeia também pode resultar na adoção de práticas discriminatórias e anticompetitivas. É possível, por exemplo, que um agente integrado utilize os ganhos de uma atividade monopólica para subsidiar uma atividade competitiva, realizando uma competição desleal, fraudando a competição, geralmente em detrimento dos menores competidores, e elevando os custos do produto, ou do serviço, para o consumidor final.

Para evitar a adoção de práticas como essa, as reformas nos setores de infraestrutura, de maneira geral, estabelecem um nível de separação mínima entre as atividades da cadeia, ou seja, a separação contábil. Assim, mesmo que uma empresa seja verticalizada, é ideal que ao menos a contabilidade das distintas atividades seja feita de forma separada.

No caso brasileiro, exigiu-se da Petrobras não apenas a separação contábil da atividade monopólica da cadeia (o transporte do gás), mas também sua separação jurídica. Determinou-se que a Petrobras constituísse uma empresa subsidiária para construir e operar os dutos de transporte do energético. Mas, não foram estabelecidos limites à participação de grupos econômicos nos diferentes segmentos da cadeia do gás natural.

A Lei n. 11.909/09 (Lei do Gás), publicada em março do ano passado, estendeu aos demais agentes da indústria tratamento semelhante ao conferido à Petrobras, pois determinou que o exercício do transporte do gás natural é exclusivo de empresas transportadoras de combustíveis e que podem também exercer a atividade de estocagem de gás natural, mantendo contabilidade separada.

No entanto, mesmo avançando na segmentação da atividade de transporte e corroborando o modelo já estabelecido na Lei do Petróleo, a simples separação jurídica (segunda etapa no processo de separação) não é suficiente para garantir a competição nas atividades potencialmente competitivas da cadeia. Para que ela aconteça, seria necessário tornar independentes os diferentes segmentos da cadeia, especialmente o de transporte do gás, de natureza monopólica. Com isto, um transportador teria como objetivo a maximização da utilização da capacidade de transporte de seu ativo, o que está alinhado com os princípios de isonomia entre agentes. O acesso de todos os potenciais competidores à infraestrutura de transporte estaria garantido.

Esta é a razão por que, nos processos de reforma em alguns países, notadamente da Europa, avançou-se na direção da separação societária. Este terceiro nível na separação das atividades exige limites de participação cruzada de grupos econômicos nos diferentes segmentos da cadeia do gás natural. Com isto, busca-se evitar que uma empresa de um segmento aja em função do interesse específico de sua controladora, ou de empresa com relevante participação acionária, que atua em outra atividade da cadeia.

Considerações finais

A Lei do Gás ampliou o escopo de atuação da ANP no segmento de transporte e estabeleceu o regime de concessão para os gasodutos de transporte cujos processos de licenciamento ambiental tenham sido iniciados antes de sua publicação. De acordo com as novas regras de concessão para a atividade de transporte, os transportadores deverão ter como objetivo a maximização da utilização de seus ativos, e não a representação dos interesses dos seus acionistas controladores. Desta forma, deverá aumentar o acesso de agentes produtores e comercializadores ao mercado, gerando potenciais benefícios para o consumidor final de gás natural.

Há que se destacar ainda que a regulamentação estabelecida pela ANP contribuiu para a melhoria da qualidade dos serviços de transporte, pois exigiu critérios mínimos dos agentes interessados em atuar na atividade de transporte dutoviário de gás natural, seja construindo, seja operando gasodutos. Por sua vez, a Lei do Gás aperfeiçoou os instrumentos disponíveis para a regulação do transporte de gás natural, que proporcionam maior solidez e transparência do arcabouço regulatório da indústria.

À luz da evolução do marco regulatório, pode-se concluir que a mudança do regime de outorga para os novos gasodutos de interesse geral, assim como a adoção do procedimento de licitação que antecede a concessão, revelam a escolha do legislador pelo aprofundamento da separação das etapas potencialmente competitivas da cadeia do gás natural (produção e comercialização) daquelas de natureza monopolista (transporte e distribuição).

A transparência é outro aspecto de vital importância na evolução do marco regulatório, na medida em que a informação plena e tempestiva é indispensável para o funcionamento de mercados competitivos. O princípio da transparência está fortemente presente nos novos regramentos trazidos pela Lei do Gás, que atribui à ANP sua promoção direta através da realização da chamada pública, da licitação para concessão e da supervisão da movimentação de gás natural na rede de transporte.

Dessa forma, o aprimoramento do arcabouço regulatório, fundamentado no princípio da transparência, na independência entre os segmentos da cadeia e no acesso não discriminatório à infraestrutura de transporte, poderá desenvolver a indústria, trazendo novos agentes para o setor e conseguindo, assim, aumentar a participação do gás natural na matriz energética brasileira.

Haroldo Lima é diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, ANP.
José Cesário Cecchi é superintendente de comercialização e movimentação de petróleo, seus derivados e gás natural, da ANP.

 

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