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Edição 108 > Uma eleição histórica
Uma eleição histórica
Uma campanha limpa e propositiva que desmascare o dissimulado discurso da direita neoliberal e que esclareça ao eleitorado a essência do confronto de outubro: avanço versus retrocesso. Assim dever ser a campanha da coligação que apoia Dilma Rousseff, segundo a indicação de José Eduardo Dutra, presidente do PT. Para ele, “o Brasil vai decidir se dará um salto definitivo na direção de um novo modelo de desenvolvimento ou se passará os próximos anos com a roda presa”

Toda eleição presidencial coloca em jogo o futuro do país, é sempre uma disputa de projetos. Mesmo que isso às vezes não fique muito claro para o conjunto da população, dado o caráter personalista do modelo político brasileiro, o fato é que o eleitor, quando vota para presidente, acaba fazendo uma opção pela candidatura que, acredita, melhor representa seus anseios pessoais, suas expectativas de país e sua visão de mundo.
Engana-se quem pensa que o brasileiro não sabe votar. As pessoas podem fazer escolhas que mais tarde se demonstram equivocadas, mas a normalidade democrática permite que algum erro seja corrigido na eleição seguinte. E assim o eleitor vai aprendendo a compreender melhor as nuances da política e a distinguir o essencial, ou seja, aquilo que de fato diferencia uma proposta de outra.
Em alguns momentos da história brasileira, essa distinção ficou bem clara
A volta de Getúlio Vargas ao poder pelo voto popular, em 1950, é um desses marcos porque significou o apoio majoritário da sociedade ao projeto que estava revolucionando as bases das relações econômicas e sociais do país – projeto, é verdade, nascido no período do Getúlio ditador, mas agora recolocado sob uma perspectiva política democrática. Com a vitória desse projeto, o Brasil foi consolidando seu parque industrial e começou a deixar de ser considerado um país rural – paradigma que norteou os governos de vários presidentes seguintes. De tal maneira estava consolidada a ideia do Brasil “grande” na alma do povo brasileiro, que a própria ditadura militar se apoiou nela para obter apoio popular.
Mas nos anos 1970 começou a ser detectada uma grande contradição no modelo de crescimento adotado pelos golpistas de 1964: enquanto o país estava cada vez mais rico, seu povo ficava cada dia mais pobre. O bolo ainda não estava grande o suficiente para começar a ser repartido – era o que se dizia então.
Esse modelo, ao contrário do que fizera Vargas, privilegiava a indústria multinacional, ignorava os direitos sociais e produzia concentração de renda. Não é preciso lembrar todos os males que isso provocou, alguns deles ainda hoje de difícil reversão.
Com a redemocratização do país, todos os candidatos, claro, prometiam resolver os enormes problemas sociais herdados do regime ditatorial.
Para o PT e seus aliados históricos, já em 1989 não havia dúvida de que a solução passava por questões centrais como: distribuição de renda, incentivo à indústria nacional, respeito aos direitos sociais, valorização da cidadania, combate às desigualdades e distorções, fim da subserviência externa, integração da América Latina, fortalecimento da democracia e criação de um mercado interno de consumo.
Do outro lado, naquelas eleições, a direita pregava uma solução bem mais simples: reduzir o tamanho do Estado e desregulamentar a economia, numa radicalização da ideologia liberal que viria a ser conhecida como neoliberalismo. Com essas bandeiras, a direita reduziu a origem de todos os males do país ao binômio corrupção/ineficiência. E – seja por méritos próprios, seja por erros nossos – acabou conseguindo convencer a maioria dos eleitores brasileiros de que o caminho proposto por ela era o mais correto.
Com Collor, Itamar e FHC, os neoliberais ficaram 12 anos no poder. Uns mais, outros menos, eles foram abrindo as portas para o capital especulativo transnacional e vendendo a preço de liquidação parte considerável do patrimônio público brasileiro; desmontaram o Estado e o colocaram a serviço quase exclusivo dos grandes grupos econômicos; estimularam a precarização do trabalho, eliminaram direitos e enfraqueceram os sindicatos; combateram os movimentos sociais e interditaram o diálogo democrático; mantiveram e ampliaram a subserviência aos interesses norte-americanos, desprezando a integração regional e o alinhamento dos chamados países periféricos ou até mesmo das potências emergentes, entre as quais o Brasil sempre esteve desde a segunda metade do século passado.
Para os neoliberais, essa era (ainda é) a fórmula do sucesso. Só que todos sabemos que ela redundou em fracasso. E as teses defendidas pelo PT, que questionava esse modelo de desenvolvimento desde o início, acabaram triunfando na mais histórica de todas as eleições brasileiras até hoje, a de 2002.
A importância dessa eleição não se resume ao fato – grandioso, sem dúvida – de o Brasil eleger seu primeiro presidente operário. Ela também marcou o amadurecimento político do maior partido de esquerda do país, o PT, que soube compreender a partir daí a importância das alianças estratégicas e das consequentes concessões para a implantação, ainda que não no ritmo desejado, de nosso projeto democrático-popular.
Muitos, no início, não compreenderam ou não aprovaram essa estratégia. Fomos chamados de traidores, de fracos, de estelionatários. Com a ficção político-midiática batizada de mensalão, viramos também antiéticos.
Mas o problema é que os fatos contrariavam as versões da grande imprensa e da oposição
Em 2006, já havia a convicção geral de que Lula, o PT e aliados faziam um governo voltado preferencialmente para os mais pobres; um governo de promoção da igualdade com geração de emprego qualificado, de valorização do poder de compra dos assalariados, de resgate da cidadania para setores historicamente marginalizados, de inserção soberana no mundo com integração latino-americana e de rigoroso combate às quadrilhas organizadas que atuavam nos setores públicos e privados.
Essa discordância do povo com o que pregavam os “formadores de opinião” tradicionais – todos com amplo espaço nos meios de comunicação de massa – transformou o pleito de 2006 também num marco histórico. A reeleição de Lula significou a aprovação popular ao projeto iniciado em seu primeiro mandato, cuja síntese fundamental talvez seja a combinação inédita de crescimento com distribuição de renda, num ambiente de aprofundamento democrático que permitiu a amplos setores da sociedade sentirem-se, pela primeira vez, incluídos nas prioridades de um governo.
Não tenho dúvida de que essa percepção está ainda mais apurada hoje, às vésperas de outra eleição presidencial. Na prática, seremos nós contra eles, os oito anos de governo Lula contra os oito de FHC, com retrospecto amplamente favorável às forças populares.
Isso não significa, porém, que possamos cantar vitória antecipada
A oposição, presa aos dogmas fracassados do passado, mas sem coragem de expô-los publicamente, tentará confundir a cabeça do eleitor, garantindo em linhas gerais que dará continuidade aos “bons projetos” do governo Lula, na tentativa de evitar a disputa plebiscitária. Até aqui, não deu certo. O candidato José Serra passou os últimos meses dizendo que não era oposicionista e chegou a afirmar que Lula está “acima do bem e do mal”. Parece que o povo não acreditou muito na conversa fiada do tucano como mostram as mais recentes pesquisas de intenção de voto.
Mas a campanha propriamente dita está só começando. E pelo que se viu até aqui os demo-tucanos, em desespero, sem projeto para o país, não pensarão duas vezes antes de substituir o debate político pelo baixo nível dos ataques pessoais e da produção de factoides midiáticos.
Para nós, da coligação que apoia a candidata Dilma, cabe insistir cada vez mais na explicitação das diferenças fundamentais entre os dois projetos, fazendo uma campanha limpa e propositiva, de acordo com os novos padrões da democracia brasileira e mostrando o que de fato está em jogo: de um lado, o avanço; de outro, o retrocesso.
Não se trata, portanto, de mero continuísmo com pequenas correções de rota – bandeira que Serra tenta empunhar de maneira pouco convincente. A eleição de 2010 também será histórica porque, com ela, o Brasil vai decidir se dará um salto definitivo na direção de um novo modelo de desenvolvimento ou se passará os próximos anos com a roda presa, quando não voltando à condição de país de segunda categoria, entregue novamente aos interesses de uns poucos grupos nacionais e estrangeiros.
O Brasil vai decidir, para pegar um exemplo recente, se continua participando com protagonismo das grandes questões internacionais ou se volta para as brigas de boteco com os vizinhos regionais; se redobra os investimentos para universalizar direitos básicos ou se paralisa tudo em nome do eterno “choque de gestão”, eufemismo tucano para o corte de orçamentos sociais; vai decidir se permanece fortalecendo o Estado e os serviços públicos ou se retoma a rotina de terceirizações, privatização e desmonte da máquina administrativa; vai decidir se as riquezas do pré-sal ficam nas mãos do povo brasileiro ou das petrolíferas norte-americanas; vai decidir, enfim, se caminha para um futuro de oportunidades iguais para todos ou se joga no lixo as conquistas políticas, econômicas e sociais dos últimos anos.
Nossa responsabilidade é grande. Antes de mais nada, o PT e seus aliados precisam construir um programa de governo que aponte avanços concretos, cuja base são as diretrizes já aprovadas em nosso 4º Congresso e que vem recebendo colaborações dos demais partidos da coligação.
Desde já, destacam-se alguns pontos que deverão merecer atenção especial no governo Dilma, como o incremento das políticas de inovação tecnológica, a criação de programas integrados para a juventude e a necessária reforma do sistema político brasileiro, entre tantos outros temas que – mesmo avançando nos dois mandatos do presidente Lula – acabaram esbarrando nos limites da conjuntura política ou das condições orçamentárias.
Precisamos avançar ainda mais na Saúde, na Educação e na Segurança Pública, precisamos de um programa multiministerial que ajude a resolver os problemas comuns às grandes cidades e que melhore as condições de vida de seus milhões de habitantes. É com essas e outras propostas que iremos nos apresentar ao eleitor nas eleições de 2010, com a convicção de que o Brasil se encontra num daqueles momentos decisivos de sua História.
A vitória de Dilma em outubro será a obtenção definitiva do passaporte para o futuro. As disputas de projeto continuarão, lógico – até porque isso é essencial para a democracia –, mas as perspectivas e os objetivos de cada um terão necessariamente de se adaptar aos novos tempos.
José Eduardo Dutra é Presidente Nacional do PT