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Edição 101 > Ho Chi Minh, um revolucionário exemplar
Ho Chi Minh, um revolucionário exemplar
Neste ano de 2009, o povo vietnamita e os revolucionários de todo o mundo lembram os 40 anos da morte de Ho Chi Minh (1969), nascido em 19 de maio de 1890, no vilarejo de Kimlien, região central do país. Nestas breves páginas, Princípios destaca alguns pensamentos do próprio Tio Ho – como é carinhosamente conhecido no Vietnã – que mostram sua visão ampla do processo histórico que viveu e lutou pela independência nacional, enfrentando três imperialismos, o japonês, o francês e o norte- americano

Ho Chi Minh foi filho de um oficial do Exército que renunciou ao cargo em protesto contra a ocupação francesa na Indochina. Estudou na cidade de Hué e por um curto período lecionou numa escola particular de Phan Thiet. Em 1911, empregou-se como cozinheiro em um navio francês e desta forma trabalhou em Londres e Paris. Logo após a Primeira Grande Guerra, já usando o codinome Nguyen Ai Quoc, Ho participou de atividades revolucionárias e foi um dos fundadores do Partido Comunista da França, o PCF, sendo enviado para Moscou para assumir responsabilidades junto à Internacional Comunista.
Durante a vigésima segunda sessão do V Congresso da Internacional Comunista, em 1º de julho de de 1924, Ho Chi Minh – ou Nguyen Ai Quoc (um de seus mais de cem codinomes clandestinos) – tomou a palavra depois da intervenção de Manuilski – dirigente da Internacional e do Comitê Central do PC da União Soviética – que havia criticado a atividade insuficiente do PC da França na propaganda nas Colônias e mesmo em Paris em favor da independência colonial:
“Contento-me em complementar as críticas do camarada Manuilski. Os nove países colonizadores, quer dizer, Inglaterra, França, Estados Unidos, Espanha, Itália, Japão, Portugal e Holanda, possuem juntos, uma população de 310 milhões e 200 mil habitantes e uma superfície de 11 milhões e 470 mil Km2. Estes países exploram um domínio colonial cuja extensão supera os 55 milhões e 500 mil km2, com uma população de 560 milhões de almas. Os países colonizados são, pois, cinco vezes maiores que os países colonizadores, e a população destes últimos é três quintos inferior à dos primeiros. Estas cifras são ainda mais eloquentes em relação a Grã-Bretanha e França. A primeira possui uma população oito vezes e meia maior que sua população metropolitana e um território colonial 250 vezes mais vasto que seu território nacional. O território colonial da França é 19 vezes maior que seu próprio país, e suas colônias têm 16 milhões de habitantes a mais do que o povo francês.
Portanto, é absolutamente necessário que nossos partidos de Grã-Bretanha e França tenham uma política mais ativa e enérgica para as Colônias; se não a consigna de “ação de massas” continuará sendo estéril. Melhor dizendo, até hoje têm sido inoperantes. A imprensa do Partido não estaca este grave problema no espaço e importância que merece.
Permito-me formular as seguintes proposições que considero aplicáveis imediatamente:
1 Uma coluna sobre a questão colonial no jornal L’Humanité;
2 intensificar a propaganda e o recrutamento entre os habitantes das Colônias;
3 enviar autóctones à Universidade Comunista em Moscou;
4 organizar os autóctones que trabalham na França; e
5 instar os membros do Partido a se interessarem pelo problema colonial”.
Após esta participação na Internacional, na União Soviética, Ho Chi Minh foi enviado para Cantão, na China, onde organizou um movimento revolucionário entre os exilados vietnamitas. Foi forçado, na ocasião, a deixar o país quando as autoridades locais passaram a reprimir as atividades comunistas na região. Mas Ho voltou à China onde fundou com outros revolucionários o Partido Comunista da Indochina em 1930. Permaneceu em Hong Kong como representante da Internacional. Em junho de 1931 foi preso pela polícia inglesa permanecendo na prisão até 1933. É de sua lavra o poema:
ALERTA NO VIETNÃ
Melhor a morte que a escravidão! Em toda parte do meu país
As bandeiras vermelhas estão tremulando outra vez.
O que significa ser hoje um prisioneiro!
Quando vou poder sair, para tomar meu lugar na batalha?
Depois de conquistada a liberdade, Ho Chi Minh ainda cumpriu tarefas como conselheiro militar das forças armadas da China, e com a invasão do Vietnã pelas tropas japonesas, em 1941, organizou o movimento pela independência nacional que ficou conhecido como Vietminh, para lutar contra os japoneses. Quando o Japão se rendeu e perdeu a guerra em 1945, o Vietminh assumiu o poder e proclamou a República Democrática do Vietnã, em Hanói. Ho Chi Minh tornou-se o presidente do país. A França, entretanto, não concedeu a independência ao Vietnã e por longos oito anos ainda o Vietminh lutou contra as tropas francesas a partir das montanhas e dos campos de cultura do arroz. Finalmente, na famosa batalha de Dien Bien Phu, em 1954, os vietnamitas sob a direção do general Vo Nguyen Giap, expulsaram as tropas francesas do país, dando fim a uma ocupação colonial que se estendeu por 98 anos. Na Conferência de Paz de Genebra, no entanto, o Vietnã foi dividido em dois. O Norte, sob o comando do Vietminh e de Ho, passou a construir o socialismo, enquanto o Sul, ligado aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos, tinha capital em Saigon. A partir de 1960, a guerra de guerrilhas estalou no sul contra o regime títere. Ho Chi Minh a esta altura apresentava uma saúde muito precária e faleceu no dia 3 de setembro de 1969, passando suas tarefas para novos dirigentes, como Phan Van Dong e Giap. Em sua honra, o Partido Comunista do Vietnã nomeou a antiga cidade de Saigon como Ho Chi Minh. Ho, o fundador do comunismo no Vietnã, foi a verdadeira alma da revolução. Suas qualidades pessoais, seu exemplo de simplicidade, integridade e determinação revolucionária influenciam ainda hoje as gerações do movimento progressista e avançado do mundo.
Pedro de Oliveira é jornalista e membro da Comissão Editorial de Princípios
TIO “HO”
José Roberto Guedes de Oliveira
Não há como falar sobre o Vietnã, sem descrever a figura de Nguyen Al Quoe, ou melhor, de Ho Chi Minh (“aquele que traz as luzes”).
Nascido em 1890 e falecido em 1969, o tio “Ho”, mais carinhosamente conhecido, foi um político, estrategista revolucionário e herói de sua pátria, mantendo uma vida de plena dedicação ao Vietnã, particularmente demonstrado nas suas duas batalhas: a primeira, contra os franceses; a segunda, contra os americanos.
Muito embora mantendo segredo de sua vida, e que pouco ainda se conhece, salvo a sua biografia Ho Chi Ming – A Life, do historiador William J. Duiker, editada em 2000, nos Estados Unidos, o pequeno homem, pés descalços, figura simples e despida do estrelato e holofotes, fascinou a todos pela causa e pela sua capacidade de unir um povo em torno de seus ideais.
Para se ter uma ideia geral, tio “Ho” utilizou mais de uma centena de nomes diferentes, a fim de despistar-se de todos e passar os seus 79 anos de vida à causa de sua pátria, sem louros, mas consciente de seu trabalho hercúleo em favor da unificação do Vietnã. Mesmo o Museu que leva o seu nome e outros centros de estudos vietnamitas desconhecem enorme parte de sua trajetória – um perene anonimato de sua vida e particularidades.
Este jovem passou pelo Brasil. Isto Dr. Druik relata em seu livro e faz algumas considerações a respeito. Descreve ele, que o marinheiro Neguyen Tat Thanh (seu nome na época) passou pelas Américas entre 1911 a 1914, desembarcando no Rio de Janeiro. Acrescenta, ainda, que o jovem de somente 20 anos de idade, chegou com o navio francês Amiral Latouche-Treville, onde era lavador de pratos. Segundo outros historiadores, tio “Ho” desembarcou aqui por motivos de saúde, residindo, por vários meses, no bairro de Santa Tereza, numa pequena pensão.
Num congresso comunista internacional, depois de muito tempo, ele confirmaria pessoalmente ao célebre Astrojildo Pereira esta sua estada no Rio de Janeiro, dizendo que apreciara por demais a cidade, os seus encantos, tendo visitado e se impressionado com as “casas de tolerância” que existiam no antigo bairro do Mangue.
Ho Chi Minh deixou registrado em seus apontamentos um interessante acontecimento ocorrido na então capital do Brasil, com o título de “Solidariedade de Classe”. Este escrito feito em francês, recebemos em fins de 2000 pelo embaixador em Hanói, Christiano Whitaker, acompanhado, gentilmente, de sua tradução para o português:“No início de 1921, deflagrou-se, no Brasil, uma greve de grandes proporções entre os marítimos. Justamente então, aportou no Rio de Janeiro um navio cuja tripulação não sabia que seus camaradas estavam em luta contra os patrões. Um grevista negro, José Leandro da Silva, quis subir a bordo do navio recém-atracado, a fim de informar à tripulação deste acerca do movimento grevista. No cais, José encontrou um policial que lhe impediu de prosseguir.
- Mas eu tenho pleno direito de ir ver meus camaradas!, disse José ao representante da ordem.
- Não quero saber de explicações! Circule!, replicou este último.
José insistiu. Como resposta, o policial limitou-se a sacar de seu revólver e disparar. Ágil, José conseguiu evitar ser atingido e, rápido como um raio, agarrou o policial e atirou-o ao mar. Acorreram uns cinquenta policiais armados que se lançaram sobre José. Com sua faca de marinheiro, matou dois policiais e feriu outros tantos. Por fim, foi vencido pelo número de seus opositores, e caiu quase morto, tendo recebido dezoito tiros. Enquanto o transportavam ao hospital, ele teve forças suficientes para ir murmurando a “Internacional”. Depois, foi levado a juízo, tendo sido condenado a 30 anos de trabalhos forçados.
Assim que souberam da sentença, os trabalhadores revolucionários formaram um comitê de defesa. Por um lado, confiaram o caso de seu camarada a vários advogados e, por outro, organizaram passeatas e demonstrações de protesto em todo o país. Durante três meses, levou-se a cabo uma vigorosa campanha de agitação em prol de José. A opinião pública indignou-se a tal ponto que as autoridades se viram forçadas a reabrir o processo. No dia 8 de fevereiro passado, realizou-se o novo julgamento de José. Quinze mil trabalhadores assistiram aos debates, que se prolongaram pela noite adentro. Os patrões não queriam deixar ir livre sua vítima, e o procurador levou cinco horas expondo suas longas acusações. Com eloquência, o camarada Paulo de Lacerda e seus colegas da defesa refutaram vitoriosamente os argumentos do procurador. O julgamento terminou às 4 e meia da manhã. O resultado foi a absolvição. O veredito foi recebido com uma tempestade de aplausos. E José, o grevista negro, deixou-se cair nos braços de seus camaradas e defensores, e dos representantes dos trabalhadores. Assim, apesar da multiplicidade de cores, há apenas duas raças no universo: a dos exploradores e a dos explorados. E há apenas uma verdadeira fraternidade: a fraternidade proletária.
Nguyen Au Duoc”Eis, pois, um breve relato da vida de Ho Chi Minh que, entre outras grandezas, foi encarregado de propaganda revolucionária na China e Tailândia, fundador do PC Indochinês e presidente da República do Vietnã. Faleceu sem ver a unificação do Vietnã, mas contando, para esta sua vitória histórica, com um professor, considerado o maior estrategista militar de todos os tempos: Nguyen Giap.
José Roberto Guedes de Oliveira é ensaísta, biógrafo e historiador