• Home
  • Nossa História
    • Nosso Time
  • Edições
    • Principios de 101 a atual
    • Coleção Principios - 1 a 100
  • Índice Remissivo
  • Contato

Revista Principios

  • Home
  • Nossa História
    • Nosso Time
  • Edições
    • Principios de 101 a atual
    • Coleção Principios - 1 a 100
  • Índice Remissivo
  • Contato

Teoria

Edição 158 > Regressão Progressiva: Metamorfose da Política Social Europeia (1)

Regressão Progressiva: Metamorfose da Política Social Europeia (1)

 Wolfgang Streeck
Twitter
FaceBook

A política social foi um ponto sensível nas sucessivas versões do “projeto europeu”, tendo mudado de um potencial estado de bem estar federal social-democrata para um programa de ajuste competitivo aos mercados globais.

Em toda história do mundo, alguma unidade política passou por uma série tão rápida e extensa de transmogrifações quanto a União Europeia? Fundada como uma organização para o planejamento econômico conjunto de seis países adjacentes, no contexto do capitalismo gerenciado pelo estado da era pós-guerra2, ela cresceu para uma zona de livre comércio cada vez mais devotada ao internacionalismo neoliberal chamado de “Mercado Internacional”. Conforme o número e a heterogeneidade dos estados membros cresceu, “integração positiva” foi substituída por “integração negativa” na construção de mercado: a remoção de regulações nacionais que impedissem o comércio, em um sentido ainda mais amplo, dentro da união. Depois da queda do bloco soviético em 1989 a UE se tornou além disso um projeto geoestratégico, firmemente interligado à estratégia americana em relação à Rússia. De um punhado de países administrando conjuntamente um pequeno número de setores econômicos chave, a UE se tornou um império neoliberal com 28 estados, obrigados por tratados a permitir a liberdade de movimento de bens, serviços, capital e trabalho e a evitar intervenções “anti-competitivas” em suas economias.
 
A política social foi um ponto sensível nessas sucessivas versões do “projeto europeu”. O que se segue irá analisar a trajetória da política social europeia durante uma longue durée, tendo mudado de um potencial estado de bem estar federal social-democrata para um programa de ajuste competitivo aos mercados globais3. Mas primeiro, os termos “europeu” e “política social” ambos exigem uma explicação. O sistema europeu de governo, como está organizado, ou desorganizado, na União Europeia é um animal estranho. Ele consiste, primeiro, das políticas domésticas dos estados membros, que com o tempo se tornaram profundamente interligadas.
 
Segundo, os estados membros, ainda soberanos, buscam interesses definidos nacionalmente através de políticas externas nacionais nas relações internacionais intra-europeias. Aqui, terceiro, eles tem uma escolha entre se apoiarem em uma variedade de instituições supranacionais, em acordos intragovernamentais entre coalizões selecionadas de dispostos ou em ambos ao mesmo tempo. Quarto, desde o início da União Monetária Europeia, que envolve apenas 19 dos 28 estados membros da UE, outra arena das relações internacionais europeias emergiu, consistindo de instituições intergovernamentais largamente informais como o Eurogroup, a reunião dos ministros da economia da zona do euro, vista com suspeita pela supranacional UE. Quinto, tudo isso está enquadrado por uma matriz de localizações geopolíticas e interesses geoestratégicos que variam nacionalmente, relacionados particularmente aos Estados Unidos, por um lado, e a Rússia, leste europeu, os Bálcãs e ao leste do Mediterrâneo e o Oriente Médio no outro. E sexto, no centro do sistema europeu está uma contínua batalha por hegemonia entre os dois estados membros mais importantes, França e Alemanha - uma batalha que ambos negam existir.
 
Todos esses fatores tornam as arenas e processo de políticas “europeias” difíceis de demarcar e a responsabilidade pelos resultados difícil de atribuir. O resultado é um conjunto confuso de questões e interesses, motivos e estruturas, níveis e setores de planejamento de políticas com atores operando em diferentes incumbências e capacidades - o que, na ausência de uma esfera pública europeia, acontece em grande parte atrás de portas fechadas. A política social é um caso notável. Há pelo menos três formas diferentes pelas quais ela pode ser - ou ser imaginada como - “europeia”. A primeira é um denominador comum de políticas sociais nacionais, representado pela noção de um “modelo social europeu”que de alguma forma engloba a essência dos variados “modelos sociais” nacionais na Europa. Um segundo significado se refere às políticas sociais da União Europeia, acima e além das políticas nacionais. Aqui, a política social europeia pode complementar, suplantar, regular, coordenar, talvez protejer, talvez reestruturar as políticas sociais dos estados membros da UE, acrescentando uma outra camada, supranacional, aos regimes sócio-políticos dos estados membros. E terceiro, a política social europeia pode, em algum tipo de social-democracia federalista, absorver e substituir - em outras palavras “integrar” - políticas sociais nacionais na direção de um estado de bem-estar social europeu unificado, com políticas sociais idênticas para a Europa como um todo. Referências à assim chamada “Dimensão Social” do Mercado Único Europeu com frequência falham em separar os três significados, o que permite aos proponentes alternar entre eles como lhes parecer melhor.
 
Ademais, analizar a validade empírica das diferentes representações do “modelo social europeu” requer conhecimento especializado em política comparada e direito, dada a ampla divergência entre as instituições, a política e a substância da política social dos estados membros da UE - ainda mais depois da entrada da Escandinávia, Grécia e, particularmente, dos antigos países comunistas do leste europeu. Na prática, isso significa que, no debate público, qualquer um pode imaginar a “Europa” como o que quiser. Isso é verdade também na medida em que a política social europeia no segundo sentido, como um conjunto de orientações supranacionais, é na verdade implementada pelos 28 estados membros da União, com seus sistemas econômicos, políticos e legais muito diferentes. Como resultado, idealizar a “Europa” e as políticas europeias é muito mais fácil do que observar suas realidades, algo que se tornou um domínio de especialistas, a maior parte dos quais tende a ser “pró-europeu”.
 
Uma outra consequência das diferenças profundas entre os estados membros da UE é que a própria definição de “política social”precisa ser traçada em termos bem amplos. A seguir, sendo assim, “política social” se refere ao todo das intervenções oficiais desenhadas para limitar, se não eliminar, a vulnerabilidade dos assalariados e suas famílias, ou de forma geral, dos cidadãos menos privilegiados, em relação à inconstância dos mercados em uma economia dinâmica privado-capitalista. Além disso, uma função importante da política social é assegurar legitimidade ao regime de trabalho assalariado e controle gerencial no processo de trabalho. Isso pode acontecer de duas formas: eximindo parcialmente reais e potenciais assalariados das pressões do mercado - aqui podemos falar em proteção social por de-comodificação - ou permitindo a eles obedecerem os sinais do mercado de forma mais lucrativa, através do apoio público à adaptação privada às condições mutantes do mercado. As duas abordagens, uma colocando limites no mercado, a outra apoiando a adequação a ele, podem as vezes ser difícil de distinguir, e na verdade todos os regimes sócio-políticos incluem ambos os tipos de medida em menor ou maior extensão, comodificando e de-comodificando em diferentes graus e para diferentes propósitos. Tendo esses pontos em mente, iremos examinar as mutações da política social europeia em cinco fases distintas. Como será visto, sua trajetória seguiu de perto a tendência geral do desenvolvimento político-econômico capitalista durante o período, sendo as vezes levada por ele, as vezes reforçando-o ou modificando-o, mas sem nunca questioná-lo ou reverte-lo. 

Fase 1. Planejamento Setorial em Economias Mistas

A história das políticas sociais europeias começa em 1957 com a Comunidade Econômica Europeia - a “Europa dos Seis. a CEE foi construída em cima da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, um instrumento tecnocrático desenhado por funcionários públicos franceses sobre o modelo de planificação para gerenciar as então “indústrias chave” de carvão e siderurgia. Seu principal propósito era evitar que a Alemanha mais uma vez usasse sua Montanindustrie para reconstruir seu poder militar; outro era garantir à França acesso ao carvão alemão. Além diso, a CECA iria ajudar a coordenar mudanças industriais nesses setores de base, historicamente organizados por sindicatos poderosos e grevistas. Para isso, a CEE acrescentou a ideia de “mercado comum”para os seis países, inicialmente instalado apenas com exceções significativas (levaria até 1992 para o que veio a ser chamado de “finalização do Mercado Interno”). Nesse contexto, a CEE também se moveu para abolir a discriminação com base na nacionalidade nas condições de trabalho e nos benefícios de seguridade social como forma de ajudar a mobilidade de trabalhadores entre os seis estados membros - de fato, para abrir os mercados de trabalho do norte da Europa para, em sua maioria, o excesso de força de trabalho do sul da Itália.
 
Além disso, políticas sociais não tiveram muito papel4. Os sindicatos permaneceram firmemente entrincheirados nas indústrias de base e os governos nacionais estavam cientes da necessidade de manter bons termos com eles. No geral, esse foi um período de rápido crescimento econômico, salários crescentes e emprego quase pleno, enquanto os mercados ainda estavam longe de serem completamente integrados. A política social era considerada uma questão nacional, a ser cuidada por uma economia crescente. Os ordoliberais alemães, que perderam em casa para o Catolicismo Social e a “cartelização”do mercado de trabalho pelos sindicatos, retomaram a batalha em nível europeu com um projeto para fundar o Mercado Comum em um regime de competição de base legal que iria, finalmente, tornar a intervenção governamental ilegal na maior parte dos setores (a longo prazo, meio século depois, eles iriam triunfar). Nesse meio tempo, estados membros poderiam seguir com suas políticas sociais independentemente sem sofrer desvantagens competitivas, já que suas economias ainda eram fundamentalmente nacionais.
 
Dissidentes desse padrão foram duas clausulas do Tratado de Roma que foram adicionadas por insistência da França. Uma notava que mulheres e homens deveriam, por lei, receber salários iguais por trabalhos iguais em todos os países membros; a outra que a Comunidade deveria trabalhar na direção da “harmonização” do sistema de seguridade social de seus membros. Essas duas prevenções refletiam a preocupação da França de que seus regimes de equidade salarial e segurança-social, um legado da front populaire dos anos 30, iriam impor um fardo desvantajoso na economia francesa. Essa preocupação se mostrou injustificada nas condições de uma economia mista que crescia rapidamente e um alcance rápido por parte dos outros países europeus. Ademais, enquanto equidade de salário para mulheres era impossível de se implementar (ou ao menos não implementada) na França em si, “harmonizar”sistemas de seguridade social nacionais acabou se mostrando algo tão cheio de dificuldades, técnicas e políticas, que ainda que isso tenha permanecido no Tratado, nunca foi tentado. 

Fase 2. Estado de bem-estar social federalista 

Durante as primeiras duas décadas da era pós-guerra, a política social foi assim embutida nos capitalismos nacionais administrados pelo estado dos seis membros fundadores da “Europa”5. A fase dois começou no início dos anos 1970 quando a política social europeia se tornou uma arena política em si, especialmente em resposta ao aumento generalizado de militância proletária. Confrontados com as ondas de greves não-oficiais que se seguiram aos protestos estudantis e anti-guerra de 1968, os líderes europeus se moveram para reformar as políticas sociais nacionais e os regimes de barganha coletivos para restaurar a paz industrial e política. A primeira onda de políticas sociais europeias - a Cúpula de Paris de 1972 e o Programa de Ação Social de 1974 - foram parte dessa resposta6. O esforço foi comandado por governos de centro e centro-esquerda: Wilson e Heath na Grã-Bretanha, Pompidou na França, a ala de esquerda da Democristiana italiana e a coalizão sócio-liberal alemã sob o comando de Willy Brandt. Como a Alemanha parecia haver contido a desordem industrial do fim dos anos 1960 melhor que os outros países, era uma crença dos legisladores que os europeus podiam e deveriam aprender com Bonn - aprender, isto é, como compartilhar o poder para mante-lo e como restaurar a lucratividade através de concessões a trabalhadores e sindicatos. A Comunidade Europeia, nesse momento aumentando para incluir o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca, era vista - aparentemente como fato dado - como o instrumento correto para uma modernização supranacional dos regimes sócio-políticos nacionais europeus.
 
A política social europeia nessa fase pode ser explicada como um projeto social-democrata para salvar o acordo pós-guerra entre capital e proletariado através de uma atualização de suas instituições. Um importante objetivo era encorajar negociações coletivas centralizadas entre sindicatos fortes e associações de empregadores, em nível nacional, mas também em uma perspectiva mais longa, europeu. Para esse último, era preciso sindicatos europeus politicamente unificados e uma organização equivalente dos empregadores. A Confederação Europeia de Sindicatos (CES) foi então fundada pela grandes federações sindicais nacionais em 1973 e recebeu status oficial nos tratados. A Comissão Europeia fez seu melhor para ajudar os sindicatos europeus a superarem a longa divisão entre confederações comunistas e social-democratas e foi, em certa medida, bem-sucedida. Porém, além disso, os esforços para reformar as negociações coletivas falharam. As estruturas e tradições nacionais eram estabelecidas de forma firme demais. A taxa de greve permaneceu alta nos anos 1970 e a inflação diferia dramaticamente entre os países, especialmente entre a Alemanha de um lado e a Itália, França e o Reino Unido de outro.
 
A reforma das relações industriais no modelo alemão perdeu sua urgência depois de 1970 quando a Reserva Federal Americana acabou com a inflação por todo o mundo ao elevar as taxas de juros até um nível que inevitavelmente levaria ao alto desemprego, nos Estados Unidos e fora. Logo depois a Inglaterra de Thatcher seguiria o exemplo. Com uma política monetária de não acomodação, os sindicatos perderam sua capacidade de extrair concessões dos governos que, depois da experiência com Thatcher e Reagan, não estava mais preocupados com desemprego como impeditivo para reeleição. A reforma da negociação coletiva deixou de ser uma questão para a política social europeia; quando voltou, vinte anos depois, durante a união monetária, foi para uma direção oposta - a descentralização e individualização da fixação de salários.
 
Outra perna do projeto social-democrata era a participação proletária, tanto na cúpula das grandes empresas quanto no chão de fábrica. Aqui também a ideia era aprender com a Alemanha. Por muitos anos, durante a presidência de Roy Jenkins e Gaston Thorn, a Comissão Europeia tentou passar uma legislação que obrigasse os estados membros a introduzir uma “co-determinação”da paridade em empresas públicas. As propostas da Comissão receberam uma resistência robusta dos empregadores europeus. Mas havia oposição também de alguns dos sindicatos mais poderosos (fora da Alemanha), que protestaram contra serem forçados para um conluio com a classe inimiga ou a comprometer seus já antigos direitos a uma negociação autônoma. Durante os anos 1970 os estados membros debateram vários regimes de participação da força de trabalho nas empresas. Finalmente, alguns - como a Alemanha e a Suécia - conseguiram passar uma legislação, enquanto outros, principalmente a Itália e o Reino Unido, falharam. Enquanto isso, a nível europeu, propostas legislativas se tornaram cada vez menos ambiciosas. Tentativas paralelas de institucionalizar a voz dos trabalhadores no chão da fábrica, no nível da produção, sofreram um destino similar. No final, apenas alguns países passaram legislação nacional. No nível europeu, o projeto da Comissão, “Diretiva Vredeling” foi derrotado por uma pressão articulada das empresas, representadas pela primeira vez por escritórios de direito americanos, que usaram a oportunidade para colocar um pé em Bruxelas, onde hoje constituem uma força formidável7.
 
Nos anos 1980, os esforços da Comissão para criar um sistema europeu de relações de trabalho para acomodar sindicatos fortes estava começando a parecer uma relíquia de uma era social-democrata que havia terminado em nível nacional. Empregadores resistiam a uma “Europa” que eles identificavam com uma abordagem antiquada de parceria social para os problemas de lucratividade baixa e crescimento lento. Com o keynesianismo saindo de cena e o monetarismo no horizonte e Thatcher filme no volante do Reino Unido e Mitterrand se voltando para uma economia de demanda e reforma institucional neoliberal, eles já não viam a necessidade de fazer concessões a uma classe trabalhadora enfraquecida e cada vez mais desorganizada. Ademais, a “globalização” se tornou uma perspectiva realista e as antigas ideias da “fortaleza europeia” perderam poder dentro da UNICE, a maior associação europeia da indústria8. Até mesmo o capital francês começou a se voltar para o mundo do livre-mercado fora da Europa, onde já não era necessário fazer concessões à forças domésticas que poderiam ser disciplinadas tanto por pressões do mercado quanto por representação coletiva - e a um custo menor.
 
Foi nesse ponto que a Comissão Europeia começou a buscar novos campos para uma política social que seria menos contestada que as relações capital-proletariado e ainda não ocupada por políticas nacionais. Duas foram encontradas. A primeira era saúde e segurança do ambiente de trabalho, uma área em que as associações nacionais de empresas e os sindicatos compartilhavam um interesse em eliminar competição de baixa qualidade ao estabelecer padrões obrigatórios para a Europa como um todo; alem do que, a indústria de maquinaria em particular fez lobby para a harmonização no nível mais alto, já que isso tornaria partes do capital fixo instalado na indústria europeia obsoletas. O segundo tema da Comissão foi oportunidades iguais para as mulheres no mercado de trabalho. O rápido crescimento na participação feminina na força de trabalho desde os anos 1970 ainda não havia se refletido em políticas sociais nacionais o que resultou em uma defasagem da regulamentação através da qual a Comissão podia ter a esperança de se introduzir nos sistemas nacionais. Aqui, os legisladores europeus podiam se basear na histórica menção a equidade de salário no Tratado de Roma. Eles também possuíam o apoio de empregadores que buscavam uma oferta de trabalho mais ampla e “flexível”- e ficaram felizes de ver pressão governamental aplicada do “lado de dentro” representado pelos sindicatos dominados por homens, resistentes a liberalização do mercado de trabalho.
     
Uma série de medidas a respeito de saúde e segurança e igualdade de oportunidade foram aprovadas nos anos 1980 em uma onda de ativismo legal. Contudo, isso se esgotou com as defasagens de regulamentação se fechando, interesses comuns entre empregadores e sindicatos se exauriram e os regimes nacionais de política social alcançaram seu tempo. Além disso, esse período viu os objetivos de construção de um estado federal dos anos 1970 serem gradualmente afastados pelo projeto mais firme de construção de um mercado liberal, que era de fato mais adequado para a soberania nacional dos estados membros e a integridade de suas instituições políticas domésticas. Políticas econômicas comuns se expandiram de um planejamento setorial selecionado para a institucionalização do livre comércio através de fronteiras nacionais e setoriais; modos de regulamentação política se afastaram do federalismo de bem-estar social e evoluíram de integração positiva para negativa. 

Fase III. Trazendo capital 

No meio dos anos 80, Bruxelas havia perdido sua reputação entre a classe financeira europeia, um reflexo da incansável crítica de Thatcher de que a UE era burocrática, anti-competitiva e até mesmo socialista. Isso começou a mudar quando Mitterrand e seu ministro da economia, Jacques Delors, tomaram “Europa”como uma alavanca internacional para uma reforma liberal nacional9. Para isso era necessário reviver o processo de integração em uma direção que tanto exigisse quanto contribuísse com uma confiança renovada por parte do mercado. Um motivo era certamente preservar a integração europeia como ferramenta para que a França amarrasse a Alemanha em uma ordem (dominada pela França) continental. De forma mais imediata, no entanto, a intenção era usar uma Comunidade Europeia reconfigurada como um limite externo para as economias domésticas, inclusive na França, onde os sindicatos e o Partido Comunista eram cada vez mais considerados como um impedimento ao progresso econômico.
 
Para trazer capital, Delors foi passado para a Presidência da Comissão Europeia, onde ele focou seu primeiro mandato (1985-90) no que foi chamado de “a finalização do Mercado Interno”, agendada por ele para 1992. Esse era um projeto que agradava o governo Thatcher já que envolvia uma integração “negativa” conquistada por uma desregulação econômica por toda UE10. Já no horizonte estava o novo projeto de liberalização, a União Monetária Europeia, que seria o ápice do Mercado Interno finalizado11. Para acalmar os sindicatos, a Comissão ofereceu a perspectiva de uma “dimensão social”que seria acrescentada ao Mercado Interno uma vez que ele estivesse plenamente implementado. Argumentando que não se pode “se apaixonar por um mercado”, Delors (ele não conhecia Jeff Bezos!) afirmou que a estabilidade do Mercado Interno dependeria finalmente de que ele estivesse embutido em um estado de bem-estar social adequado, o que até as empresas teriam que perceber em algum momento.
 
Para obter progresso nessas frentes, Delors primeiro teve que o defunto do projeto de construção do estado de bem-estar social europeu - acima de tudo, encerrando o conflito a respeito do direito dos trabalhadores a participação e representação sem antagonizar nem as empresas nem o proletariado. No final, antecipando uma tendência geral na política social europeia, isso foi conquistado limitando a legislação da UE a firmas multinacionais que escolhessem ser incorporadas na legislação empresarial européia, ao invés da nacional, e permitindo que elas escolhessem dentre uma ampla gama de representação da força de trabalho12. A Norma de Conselhos do Trabalho, de 1994, exigiu que grandes empresas com base em mais de um país europeu negociassem com uma delegação multinacional de sua força de trabalho a respeito da criação de um corpo representativo supranacional, um Conselho Europeu de Trabalho (CET) com direitos legais de informação e consultoria - mas não de tomada de decisão13.
 
Delors prometeu que uma “dimensão social” seria inserida no Capítulo Social anexado ao Tratado de Maastricht14, de 1992. O Capítulo, do qual o Reino Unido optou ficar temporariamente de fora15 vinha com um Protocolo Social que oferecia um papel privilegiado para os “parceiros sociais”, as principais confederações de empresas e proletariado. Apoiava-se na, assim chamada, Diálogo Social, uma instituição que envolvia a Comissão, a UNICE e a ETUC e que havia sido organizada por Delors no início de sua presidência e foi elogiada por ele mesmo, a ETUC e a esquerda social-democrata como o início de uma era de um tripartismo verdadeiramente pan-europeu. Sob o Tratado de Maastricht, se as empresas e o proletariado a nível europeu concordassem em uma proposta de política social, a Comissão deveria adotá-la e submete-la ao processo legislativo europeu. Se os dois lados da indústria não chegassem a um acordo, a Comissão tinha a opção de propor a legislação independentemente - o que ela, no entanto, não é obrigada a fazer.
 
Como arena política, o procedimento tripartido tomou o lugar do Comitê Econômico e Social da CE (ECONSOC) que, em princípio, decidia por voto da maioria. Como a ECONSOC incluia representantes dos governos nacionais e municipais além da Comissão, das empresas e do proletariado, cada um possuía apenas um quarto dos votos. Esse resultava nas empresas eventualmente perdendo, o que contribuía para seu descontentamento com a “Europa”. Em comparação, o novo procedimento deu as empresas um veto de facto em relação a política social europeia, desde que elas pudessem convencer a Comissão a se abster de introduzir sua própria legislação no caso de discordância entre os parceiros sociais. No meio dos anos 1990 foi era possível afirmar que Delors havia construído o que um comentarista euforicamente chamou de uma “comunidade de política corporativista16 em torno da Comissão Europeia - uma camada supranacional de “parceria social”que juntou empresas e trabalhadores enquanto gerava politicas centralizadas e instituições para um regime multi-nível de política social.
 
Os oficiais da UE podem ter esperado usar essa “comunidade de política corporativista”para mais do que só codificar os pontos em comum dos quadros nacionais e torná-los mutuamente compatíveis. O que eles deixaram passar, no entanto - ou talvez reprimiram pelo bem do euro-otimismo - foram ideias mais antigas sobre o corporativismo tripartido: que ele funciona apenas quando os empregadores estão sob obrigação legal ou política de negociar com boa fé; quando os sindicatos tem o direito e a capacidade de fazerem greves; ou quando a credibilidade do governo ameaça legislar se as negociações corporativistas chegarem a um impasse. Essas ideias não foram, contudo, ignoradas por Delors que teve muito cuidado para não atrapalhar o novo relacionamento da UE com o capital ao sancionar os empregadores por sua “inatividade estratégica”. Considerando que eles de facto travaram novas iniciativas de política social, o que alguns celebraram como um corporativismo a nível europeu acabou sendo apenas na aparência, não na essência17.
 
Embora o Protocolo Social tenha sido um grande ponto de disputa nos debates do Tratado de Maastricht, no final ele produziu pouco. Na maior parte ele ou estabeleceu padrões mínimos cuja maioria dos estados membros já alcançava, ou construiu pontes passando por cima de sistemas nacionais e ligando instituições de nível europeu, o que deixou as instituições dos estados membros intocadas, como as concessões quanto a representação dos trabalhadores nas empresas multinacionais. Mais ainda, a implementação nacional da legislação da UE foi atrasada ainda mais em 1995 com a entrada da Suécia, com sua tradição de autonomia da intervenção política e legal nas relações industriais; para proteger essa tradição, os sindicatos suecos insistiram que seria permitido a eles implementarem a legislação europeia por acordo coletivo, em vez de pela legislação nacional. Enquanto isso, o canal tripartido de elaboração de política social caiu em desuso e a Comissão deixou para os parceiros sociais criarem iniciativas conjuntas e os empregadores enrolaram. Para manter o Protocolo Social vivo, a ETUC assinou vários acordos com a UNICE que foram nominalmente irrelevantes, já que quase nenhum país membro precisou mudar suas leis quando foram instaurados; isso contribuiu para que a política social europeia passasse a uma política simbólica18. Muito se falou na mídia conservadora britânica sobre a Norma Sobre o Tempo de Trabalho (2003) e talvez por esse motivo ela as vezes seja tomada por sindicatos britânicos e líderes centristas do partido trabalhista como um exemplo de legislação europeia útil e benéfica, embora a semana média de trabalho de 48 horas que ela propunha fosse sujeita a tantas exceções e oportunidades para não ser adotada que mal importava19. Finalmente, o pseudo-corporativismo sem estado e portanto sem dentes de Delors não foi mais do que um estágio intermediário na transformação da política social europeia em um regime de livre-mercado, em que concessões ao trabalhador ficaram a cargo da boa vontade de empregadores - em sua maioria - multinacionais.
 
De fato, provavelmente a peça mais substancial de legislação europeia em política social nesse período passou fora do Protocolo Social. A Norma Para Trabalhadores Destacados envolvia uma questão, migração, central não só para sindicatos e empregadores, mas também, e em particular, para os estados membros. “Trabalhadores Destacados” são enviados pelo empregador para trabalhar em um país que não o de sua contratação. Se os salários e condições em seu país natal forem inferiores aos do anfitrião, isso pode dar às empresas do primeiro uma vantagem competitiva no Mercado Internacional, com chance de sabotar o mercado de trabalho do país receptor. Isso também resultaria em diferentes condições de emprego co-existindo em um único país (pluralismo legal) o que erodiria a soberania nacional dos países para determinar suas leis em seus territórios. Isso foi reconhecido em primeiro lugar no início dos anos 90 pela França, que reagiu rapidamente com uma legislação nacional que obrigava empresas europeias estrangeiras que oferecessem serviços na França a estarem de acordo com os padrões trabalhistas franceses. A UE, sem querer ficar de fora, seguiu o exemplo aprovando uma norma que permitia aos países membros elaborar seu regime de trabalho de forma a incluir todas as empresas operando em seu território, incluindo as não-nacionais20. Nas décadas subsequentes, conforme a liberalização do mercado prosseguia, a Norma Para Trabalhadores Destacados permaneceu um assunto vivo, enfraquecida por decisões da Corte Europeia de Justiça como a Laval (veja abaixo) e apertada para evitar disputas industriais nos países receptores e proteger a soberania dos estados membros sobre suas constituições trabalhistas nacionais.
 
Fase IV. A Europa na Terceira Via

No meio dos anos 90, com a finalização efetiva do Mercado Interno, a virada para uma economia pelo lado da oferta da segunda Comissão Delors e a contagem regressiva para a união monetária, o desejo dos governos nacionais de que a “Europa” os libertasse da “rigidez” das instituições domésticas venceram a dimensão social21. Era o fim dos dias quando a “Europa” deveria se tornar um estado de bem-estar social supranacional integrando e melhorando os regimes de bem-estar social dos países membros. Esforços menos ambiciosos para regular as políticas nacionais de cima, para harmonizá-las “de baixo para cima”, também perderam força, assim como as tentativas mais bem-sucedidas - em direito empresarial, representação no ambiente de trabalho - de complementar as instituições nacionais com supranacionais22. Com a política social europeia se tornando cada vez mais simbólica - exceto quando foi usada para defender a soberania nacional contra efeitos colaterais indesejáveis da integração de mercado, como na Norma dos Trabalhadores Destacados - o palco foi montado para que uma lei de competição europeia fosse utilizada por governos nacionais para reestruturar de forma neoliberal suas políticas econômicas.
 
O final dos anos 1990 e início dos 2000 foram a era do “estado de competição23. Com a globalização avançando, os governos majoritariamente de centro-esquerda da Europa - Blair, Jospin, Schroeder - definiram sua tarefa central como tornar suas economias nacionais mais “competitivas” internacionalmente tornando-as mais competitivas internamente. Para seus ideólogos, os sindicatos eram culpados de representar apenas os “de dentro” em detrimento dos “de fora”, que supostamente deveriam ser protegidos com a abolição da “rigidez” que protegia a força de trabalho central. Isso não excluía que governos e, ocasionalmente, empregadores buscassem alianças com os sindicatos, quando os últimos ainda eram fortes o suficiente para ou obstruir ou ser útil. Mas em contraste com o corporativismo democrático do pós-guerra - quando o tripartismo dicava em estabelecer e assegurar um arranjo negociado entre os interesses conflitantes do capital e do proletariado - o foco agora era forjar uma estratégia comum para a prosperidade econômica em competição com outros países ao tornar as economias políticas domésticas mais “flexíveis”. Isso envolvia não tanto ataques diretos aos sindicatos, agora uma força muito mais fraca do que eram nos anos 1970, mas uma re-orientação do que havia sido uma política social que ia na direção de objetivos como “flexigurança” e “empregabilidade”.
 
A promessa era que, embora empresas pudessem dispensar trabalhadores mais facilmente, a perda do emprego não significaria um desemprego prolongado, mas levaria a uma recontratação imediata. A tarefa da política pública seria oferecer uma transição suave de um trabalho para o próximo ajudando os trabalhadores a construir o flexível “capital humano” necessário para os mercados de trabalho na era neoliberal. A desregulação no nível mais baixo iria abrir uma pletora de empregos com salários baixos que os trabalhadores que estivessem recebendo auxílio-desemprego se sentiriam compelidos a aceitar. As políticas para o mercado de trabalho de um estado de competição giram em torno de noções como “ativação” e”investimento social”, sugerindo que as habilidades exigidas garantiriam uma ascensão social uma vez que se fosse empregado24. Teóricos sociais blairistas chamaram isso de a Terceira Via, uma posição entre a “rigidez” do capitalismo administrado pelo estado do pós-guerra e a “flexibilidade” de uma economia de livre mercado do tipo Reagan-Thatcher. 


Reformas de terceira via aconteceram principalmente em nível nacional. O papel da “Europa” foi reduzido a assistir a lenta - ou não tão lenta - transformação das políticas sociais nacionais para uma direção neoliberal pós-keynesiana - por exemplo, ao espalhar ideias de “flexigurança” e incentivando os estados membros a adotar voluntariamente “práticas nacionais melhores25. Ferramentas de políticas supranacionais incluem a “marcação” comparativa de performance nacional; a instalação de padrões mínimos, baixos suficientes para não serem um fardo para os governos nacionais e informação sobre políticas que se presumem efetivas quando usadas em outros estados membros europeus. A política social europeia dessa fase se apoiou majoritariamente em soft law, em um quadro neo-voluntarista de “governância” tipificado pelo assim chamado Método Aberto de Coordenação, um eurofemismo celebrado como um processo de aprendizado mútuo e experimentação política conjunta26.

Com a entrada da maior parte do leste europeu em 2004, elevando o número de estados membros para vinte e cinco, dificilmente isso poderia ter acontecido de outro jeito. No início dos anos 2000 a UE havia simplesmente se tornado heterogenea demais para uma política social europeia integrada. A liberalização, mais ou menos amortecida politicamente, era agora a única fórmula com a qual todos os países membros poderiam concordar dadas as incessantes pressões do mercado vindas do Mercado Interno da UE assim como de fora da “Europa”. A integração positiva sobre um modelo social comum havia se tornado impossível já que nenhum modelo poderia encontrar maioria no Conselho. Ao mesmo tempo, qualquer recuo da liberalização também foi excluído pela constituição implícita da UE com seus limites altos de maioria e seu poder de facto de escrever constituições na Corte de Justiça da União Europeia (CJUE)27. 

Fase V. Política Social Subjugada 

Hoje, uma década depois da crise financeira global, a política social europeia como um projeto político sumiu de vista, mesmo ao modo da Terceira Via28. Isso não significa que não exista mais política social, ou que ela tenha deixado de ser polêmica; Pelo contrário, batalhas a respeito da proteção social dentro do sistema de estado europeu se intensificaram. Pelo menos duas coisas mudaram, no entanto. A primeira é que conflitos a respeito da política social europeia agora se desenrolam em confrontos entre defensores dos estados de bem-estar social nacionais e “reformadores” europeistas - esses últimos incluindo instituições supranacionais como a Comissão Europeia, a CJUE e o ECB, ainda presos ao curso pré-2008 da construção de mercado neoliberal. A segunda é que as batalhas a respeito de política social foram realocadas para os campos de políticas fiscal e monetária e de imigração, que clamam uma prioridade sobre todos os outros. No processo, o status da política social dentro da economia política da Europa passou por uma mudança profunda. Sob o modelo padrão do pós-guerra de social-democracia, a política social foi institucionalizada como uma área semi-autonoma da política, governada por uma lógica de integração social que desafiava, e em parte balanceava, o impulso da política econômica para o uso mais eficiente possível do capital. Desde então, a política social perdeu sua semi-autonomia. Ela foi absorvida em uma lógica neoliberal menos monística de racionalização por comodificação na qual ela se tornou instrumentalizada e subjugada a um processo de reestruturação competitiva de toda sociedade.
 
Sobram exemplos dessa subordinação regressiva da política social à reestruturação neoliberal. Um mecanismo chave é a declaração de superioridade da lei de competição europeia sobre as políticas sociais domésticas. Inventivos empreendedores de políticas evocaram repetidamente limitações dos tratados para “ajuda estatal” para acabar com os subsídios a fornecedores de serviços sem lucro para que empresas privadas possam competir com eles em um “campo justo"29. Embora as cortes não necessariamente decidam a favor deles, as portas seguem abertas para que outros tentem de novo mais tarde. Estados membros que se recusam a submeter seus serviços públicos aos mercados privados estão portanto operando sob uma espada de Damocles jurídica que pode cair sobre eles a qualquer momento. A nova interpretação da CJUE das “quatro liberdades” do Mercado Interno teve um papel crucial aqui. Originalmente, os estados membros simplesmente juravam que não iriam discriminar contra forças de trabalho, investidores ou fornecedores de bens e serviços. No início dos anos 2000, no entanto, a Corte era chamada para achar brechas nos tratados qualquer prática nacional que pudesse restringir a atividade econômica através das fronteiras tornando-a “menos atraente” aos investidores internacionais.
 
Interpretadas dessa forma, as “quatro liberdades” podem suplantar legislação parlamentar nacional em praticamente qualquer política para contenção de mercado, exigindo revisões profundas da fábrica institucional dos estados membros. Por exemplo, a Comissão tentou repetidas vezes que a CJUE declarasse que a porção pública minoritária da Volkswagen está em conflito com a “liberdade” de capital argumentando que ela pode impedir investidores estrangeiros de comprarem ações da Volkswagen. Por mais frágil que esse argumento possa parecer, ele aparentemente faz sentido para os juízes com mentes voltadas para o mercado da CJUE. Dois casos marcantes que dizem respeito à relação da legislação trabalhista nacional com as “liberdades” europeias30. Em sua decisão de 2007 nos casos Laval e Viking a CJUE decidiu que os direitos nacionais à negociação coletiva e à greve deviam ser considerados em oposição aos direitos das empresas com base na UE de operar em outros países da UE e podem ter que ficar em segundo lugar. Em Viking, uma empresa finlandesa que operava balsas entre a Finlândia e a Estônia decidiu se incorporar pela lei estoniana para escapar dos acordos coletivos de salário finlandeses; em resposta os sindicatos finlandeses entraram com um processo industrial contra ela. Em Laval, uma construtora lituana ofereceu trabalho na Suécia pagando a seus trabalhadores (lituanos) salários lituanos e se recusou a assinar o acordo nacional de salários da Suécia, como exigido pelos sindicatos suecos do setor. Em ambos os casos, a Corte decidiu que as liberdades do mercado interno europeu suplantavam os direitos dos sindicatos nacionais.
 
As decisões Viking e Laval têm muitas facetas. Advogados próximos a ETUC enfatizam que a Corte pela primeira vez reconheceu direitos trabalhistas coletivos como direitos básicos, o que quer que isso queira dizer na prática. Mais importante, contudo, a Corte também que esses não necessariamente suplantam as “quatro liberdades” e exigiu que as cortes nacionais aplicassem um teste complicado - proporcionalidade, adequação, justificado por “importantes razões de interesse geral” - ao adjucar a legalidade do processo industrial nacional dentro do mercado interno. Embora os dois vereditos pareçam ter sido moderados depois, em parte, eles dão às cortes nacionais poderosos instrumentos legais para restringir a ação coletiva dos sindicatos em nome da liberdade do mercado31.

Sendo governada pela lei “europeia” ou internacional, a imigração pode também, em essência, funcionar como política social. A chegada de trabalhadores não especializados pode derrubar o poder coletivo de negociação em setores de baixos salários até onde ela ainda existe; pode também aumentar a desigualdade de renda. No processo, ela pode enfraquecer ainda mais a percepção do público da pobreza e desigualdade como um problema - e, de fato, permitir aos oponentes da proteção social declararem a aceitação da desigualdade doméstica um mandamento da solidariedade global com os “realmente pobres"32. A imigração pode também exercer pressão nos orçamentos de assistência social enquanto enfraquece a disposição dos cidadãos a serem taxados por ele, já que uma parcela crescente do gasto pode estar indo para não-cidadãos recém chegados. Há evidência da Suécia de que a imigração pode aumentar a segregação educacional local, já que pais das classes média e alta tiram sua prole das escolas que educam os filhos de imigrantes e os enviem para instituições mais seletivas33.
 
Finalmente, com a crise financeira de 2008, o que restou da política social europeia foi subordinada à legislação de emergência supranacional adotada em um esforço para salvar o euro. Embora a união monetária tenha sido introduzida sem união política, precisamente para preservar a soberania dos países da Europa, na crise ela de facto se tornou uma união de política social que impôs rígidas regras orçamentárias - “austeridade” - e “reformas estruturais” profundas aos estados membros. As ferramentas para gerenciamento da crise, como o pacto fiscal, o pacote de seis, de dois e outros, se tornaram em efeito partes da constituição socio-economica da UE. As “operações de resgate”que aconteceram depois de 2008 para assegurar o pagamento da dívida pública dos estados membros foram acompanhadas de lições da “dona de casa da Swabia”, que dizem que ninguém pode gastar mais do que ganhou. A ascensão do que eu chamei de “estado de consolidação” pôs pressão no acquis social dos países até o ponto em que a disciplina fiscal foi vista como necessária para proteger o acquis comercial dos bancos credores34. Não apenas foi dito aos assim chamados “países do programa” que cortassem seus gastos sociais, por exemplo com saúde ou aposentadorias, para reconquistar a confiança dos mercados. Houve também demandas detalhadas para mudança institucional, incluindo a descentralização da negociação coletiva com vista em dessindicalizar as economias nacionais. Aqui, a política social foi absorvida por uma política de estabilização fiscal ditada por governos credores “pró-europeus”

VI. Perspectivas Futuras

A última vez que a política social europeia se tornou assunto de debate geral foi em 2005 quando o Tratado sobre uma Constituição para a União Europeia foi rejeitado por referendos na França e na Holanda. Uma explicação - oferecida pelo presidente francês Jacques Chirac, entre outros - era que os governos não tinham dado atenção suficiente à política social. Hoje, oposição à liberalização dos regimes nacionais de política social guiada pela UE vem de movimentos “populistas” de toda a Europa, frequentemente de direita, e portanto vulneráveis à condenação moral da opinião de internacionalistas para quem a alternativa democrática a “xenofobia” e o “racismo”é a abertura das economias nacionais a competidores externos, independente da ausência de uma política social europeia supranacional que compense os perdedores na liberalização. Conceitos como “Europa social” e “modelo social europeu” quase desapareceram35. “Europa” e o “Projeto europeu” são hoje promovidos como veículos da paz internacional, direitos humanos internacionais e discurso civilizado em vez de como uma alternativa ao capitalismo sem limites.
 
Desde a crise, a subordinação da política social europeia aos imperativos do capital se tornou mais visível. Como resultado, está se traçando um conflito cada vez mais intenso a respeito da “Europa” e “Integração Europeia” como um todo. O primeiro artigo de fé da integração - que a lei europeia deve prevalecer sobre a lei e a política nacionais - tem sido questionado por um contra-movimento “nacionalista” amplo36. Tentativas neoliberais de transformar a política social e o estado de bem-estar social em instrumentos para a promoção de competitividade econômica estão sendo cada vez mais rebatidas com demandas populares para que os governos nacionais sejam responsáveis pelo que acontece com as vidas, e as formas de vida, dos cidadãos nacionais. Em alguns casos, isso deu frutos. Governos nacionais estão fazendo concessões a eleitores e trabalhadores - por exemplo, ao adiar “reformas”ou extrapolando os déficits orçamentários permitidos, como na Itália, na França e na Espanha - enquanto a Comissão faz vista grossa e a ECB dá um apoio tácito. Além disso, agora que o breve interlúdio da imigração-por-asilo ao estilo Alemão se mostrou insustentável na própria Alemanha, os estados membros voltaram a regular a imigração por si próprios. Enquanto isso, pressões para “reforma estrutural” se tornaram impasses políticos. A Grécia, com sua dívida bancária acertada sem criação de precedentes, ficou a sua própria mercê, enquanto até os mais determinados “reformistas” sabem que a Itália nunca irá aceitar o tipo de tratamento o qual o governo Syriza foi obrigado a aceitar37.
 
Mais recentemente, na fase de construção do império da integração europeia, as linhas de conflito a respeito da política social se tornaram internacionais, de proletariado versus capital a países pobres do Sul da Europa - e talvez também no leste - versus países ricos do norte e oeste. Ironicamente, foi a moeda comum, que se imaginou ser o último prego no caixão do nacionalismo europeu, que reanimou as recriminações internacionais na Europa, em particular entre os países do Mediterrâneo - algumas vezes incluindo a França - por um lado e a Alemanha e seus aliados norte-europeus do outro. Agora a questão não é mais se os governos, empregadores ou ambos devem pagar por licença familiar ou investimento social. Em vez disso é como países que se beneficiam do euro podem ser reponsabilizados por pagar compensações, ou danos, para países condenados a perder sob um duro regime de moeda comum. Em vez do preço da paz social e colaboração econômica em uma economia capitalista nacional, o que está sendo negociado aqui é o preço de relações internacionais pacíficas entre países vizinhos, pagável de formas que permitem aos que recebem manter a dignidade e aos pagadores esconder a transação do público.
 
Ao que tudo indica, na ausência de equivalentes funcionais das instituições de gerenciamento de conflito nas políticas sociais, as negociações tendem a serem difíceis e acompanhadas de fortes emoções coletivas; política social inter-estados deve se tornar mais politicamente explosiva do que a política social doméstica. Em todo caso, relocar a compensação dos “perdedores” do mercado para as relações internacionais - onde podem se deteriorar em propinas para que as elites locais mantenham seus países em dependência imperial - contribui para a reemergência, real ou percebida, do estado-nação como um ator unitário e homogêneo com um interesse corporativo solidificado que suplante o conceito pluralista de politicas nacionais que tem sido característico da “democracia padrão” do pós-guerra.
 
As políticas sociais europeias vieram e foram embora, mudando com a dinâmica da economia capitalista, as relações de poder entre capital e proletariado, o tamanho e heterogeneidade da “Europa” enquanto unidade política. O que começou como um exercício internacional de gerenciamento público tecnocrático de indústrias privadas selecionadas virou, por um breve período, um projeto de construção de um estado de bem-estar social-democrata. Isso questionado por um projeto de construção de mercado supranacional e neoliberal que começou então a surgir da economia mista do capitalismo gerenciado pelo estado da Europa pós guerra. O conflito foi resolvido nos anos 1980 em favor da construção do mercado supranacional, com o advento do “mercado interno” em 1992 e a introdução da moeda comum sem estado no fim da década, constitucionalizando o “déficit democrático”da União no que diz respeito tanto à política monetária, no nível supranacional, quanto às políticas fiscal, econômica e social dos estados-membro. Acrescentado a isso, nos anos 2000, esteve o projeto de construção do império que usou apoio fiscal e financeiro para países periféricos para atraí-los para a órbita do centro do oeste da Europa, ajudando “o oeste” a estender sua periferia até as fronteiras da Rússia.
 
A política social europeia hoje não é mais um campo político (relativamente) autônomo guiado por interesses, por mais fracos que sejam, em conflito, por mais limitado que seja, com os imperativos da acumulação de capital. Em vez de frear ou modificar o curso do desenvolvimento capitalista, a política social europeia em suas muitas versões foi puxada para a crise geral da acumulação capitalista e do sistema de estado do pós-guerra e mais recentemente para uma batalha a respeito de uma ordem pós-neoliberal e, de fato, o futuro do capitalismo. O que irá acontecer com a política social europeia em sua presente condições implodida e submergida agora que a “integração europeia” do pós guerra se exauriu? Depende do que vai acontecer com o sistema de estado da Europa ocidental com sua superextensão, sua ambição frustrada de centralização tecnocrática, suas disparidades crescentes entre regiões e estados, a desigualdade crescente entre os cidadãos e as ambições geopolíticas de Paris, Berlim e, de uma forma diferente, Bruxelas. O que parece claro, no entanto, é que o projeto, datando dos anos 1970, de um estado de bem-estar social supranacional europeu que desse definição política a um “modelo social europeu” chegou ao fim. 

Wolfgang Streeck é sociólogo econômico e diretor emérito do Instituto Max Planck para o Estudo de Sociedades (Colônia - Alemanha)
E-mail: streeck@mpifg.de
 
Traduzido do inglês para o português por Juliana Cunha. 

Texto completo original (em inglês) disponível para download no endereço eletrônico: https://ssrn.com/abstract=3303811 ou http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3303811


Notas

1- Essa é uma versão condensada de um artigo do Max Planck Institute for the Study of Societies, disponível online e baseado em uma palestra dada na Conferência de quinze anos da Associação de Ciência Política, Durham, 10-12 de julho de 2017. Eu sou grato a Ruth Dukes por me atualizar a respeito dos últimos desenvolvimentos. Todos os erros restantes são meus. 

2- O padrão aqui era notavelmente parecido com o que Polanyi, em um artigo incrivelmente premonitório escrito em 1945 chamou de “planejamento regional” - algo que ele via como uma alternativa bastante preferível a um regime de ouro regional: Karl Polanyi, “Universal Capitalism or Regional Planning?” [ Capitalismo Universal ou Planejamento Regional?], London Quarterly of World Affairs, Janeiro, 1945, p. 1-6.

3- Para uma reconstrução similar da história da política social europeia, veja Antonios Roumpakis e Theo Papadopoulos, “From Social Regulation of Competition to Competition as Social Regulation: Transformations in the Socioeconomic Governance of the European Union” [ De Regulação Social da COmpetição à Competição como Regulador Social: Transformações na Governância Socioeconômica da União Europeia],  em Dan Horsfall e John Hudson, eds. Social Policy in an Era of Competition: From Global to Local Perspectives [ Políticas em uma Era de Competição: Perspectivas Globais e Locais], Bristol, 2017, p. 55-69. 

4- Para o que se segue, ver Ruth Dukes, “The Labour Constitution: The Enduring Idea of Labour Law”[A Constituição do Trabalho: A Duradoura Ideia do Direito Trabalhista], Oxford, 2014, p.130 em diante. 

5- Veja Andrew Shonfield, Modern Capitalism: The Changing Balance of Public and Private Power [ Capitalismo Moderno: O Equilíbrio Mutante Entre Poder Público e Privado], Londres, 1965; Andrew Shonfield e Zuzanna Shonfield, In Defence of Mixed Economy [Em Defesa da Economia Mista], Oxford, 1984. Veja também Wendy Brown, Undoing the Demos: Nelimeralism’s Stealth Revolution [Refazendo a Demos: A Revolução Furtiva do Capitalismo], Cambridge, MA, 2015. 

6- Dukes, The Labour Constitution, p. 137-145. 

7- Em sua versão inicial, o projeto da Diretiva Vredeling exigiria de todas as empresas acima de certo tamanho, nacionais ou multinacionais, que arranjassem soluções para ampla participação dos trabalhadores na gerência. Foi finalmente engavetado em 1986. 

8- UNICE era sigla de Union des Industries de la Communauté Européenne [União das Indústrias da Comunidade Europeia]. Em 2007 a organização foi renomeada como BusinessEurope.

9- Veja a análise de Bruno Amable, Structural Crisis and Institutional Change in Modern Capitalism: French Capitalism in Transition [Crise Estrutural e Mudança Institucional no Capitalismo Moderno: Capitalismo Francês em Transição], Oxford, 2017. 

10- Fritz Scharpf, “Negative and Positive Integration in the Political Economy of European Welfare States” [Integração Negativa e Positiva na Política Econômica do Estado de Bem-Estar Social Europeu], in Gary Marks et al, ed. Governance in the European Union, Londres, 1996, p. 15-39. 

11- Ashoka Mody, EuroTragedy: A Drama in Nine Acts [EuroTragédia: Um Drama em Nove Atos], Oxford, 2018. 

12- Tendo sido removido tudo que poderia ter enfraquecido a posição doméstica dos empregadores, ou sujeitado a governância corporativa à interferência de forças de trabalho e sindicatos, a Companhia Europeia (Societas Europaea, SE) foi estabelecida em 2004 como uma opção para que empresas multinacionais europeias buscassem serem incorporadas na lei europeia, ao invés da nacional. 

13- Detalhes, de procedimento assim como substantivos, são complexos, não apenas porque a norma foi escrita de forma a não distribuir ou suplantar arranjos naturais existentes. Hoje, CETs oferecem a delegados da força de trabalho de diferentes países uma oportunidade de se encontrarem regularmente, não apenas com a gerência, mas também entre si para trocar informações e, talvez, coordenar atividades. Quão efetivo eles são para os trabalhadores ainda é algo a ser debatido e parece diferir entre países, setores e empresas. Gerências parecem usar as CETs principalmente como fóruns para construir identificação da força de trabalho com a empresa do que como organizações internacionais. 

14- Para detalhes precisos e as consequências práticas dessa legislação, veja Dukes The Labour Constitution, p. 125-130, 138-155. 

15- A natureza altamente simbólica da política social europeia se confirma pelo fato de que no final do período de excessão do Reino Unido - juntaram-se em 1997 - não fez nada para prevenir a desigualdade, a decadência da negociação coletiva e a deterioração das condições de emprego no Reino Unido nos anos que se seguiram. 

16- Gerda Falkner, “The European Union’s Social Dimenson” [A Dimensão Social da União Europeia], em Michelle Cini e Nieves Pérez-Solórzano Borragán, eds. European Union Politics, Oxford, 2016, p. 277. 

17- Sobre isso, veja o diagnóstico anterior de Wolfgang Streeck e Phlippe Schmitter, “From National Corporatism to Transnational Pluralism: Organized Interest in the Single European Market” [Do Corporativismo Nacional ao Pluralismo Transnacional: Interesses Organizados no Mercado Único Europeu], Politics and Society, vol. 19, nº2, 1991. Veja também um extenso postmorten sobre o “corporativismo” da UE no contexto da “passividade estratégica”e da ascensão da Mesa Redonda de Industriais Europeus: Armin Schäfer e Wolfgang Streeck, “Korporatismus in der Europäischen Union” [Corporativismo na União Europeia], in Martin Höpner e Armin Schäfer, eds., Die Politische Ökonomie der europäischen Integration [ A Economia Política da Integração Europeia], Frankfrut, 2008. 

18- Três normas foram aprovadas durante o procedimento tripartido do Protocolo - uma sobre licença parental (1995), trabalho de meio período (1997) e trabalho temporário (1999) - seguidas de cinco acordos bilaterais, implementados e monitorados pelos parceiros sociais diretamente, sobre trabalho remoto (2002), stress relacionado ao trabalho (2004), assédio e violência no trabalho (2007), mercados de trabalho inclusivos (2010) e um “quadro de ação” para o desemprego na juventude (2013). 

19- Sobre a Norma de Tempo de Trabalho e a tendência geral entre alguns sindicalistas britânicos de superestimar os benefícios da legislação trabalhista europeia, veja Mary Davis “The Chimera of Labour Rights in the EU” [ A Quimera dos Direitos Trabalhistas na UE], Full Brexit: Analysis, 15 de julho de 2018. 

20- Veja Werner Eichhorst, Europäische Sozialpolitik zwischen nationaler Autonomie und Marktfreiheit: Die Entsendung von Arbeitnehmern in der EU, Frankfurt, 2000. Dada a diversidade dos sistemas nacionais de relações industriais, implementar essa nova norma exigiu manobras políticas e legais altamente complexas. Eichhorst defende que a maior parte da substância legal da norma já era há muito tempo legislação internacional sob a Convenção de Roma. 

21- A virada da Comissão Delors foi explorada no artigo “Growth, Competitiveness, Employment: The Challenges and Ways Forward into the 21st Century” [Crescimento, Competitividade, Emprego: Os Desafios e Caminhos Adiante para o Século XXI], COM (93) 700, 5 de dezembro de 1993.

22- Veja também George Menz, “Whatever Happened to Social Europe? The Three-Pronged Attack on European Social Policy” [O que aconteceu com a Europa social? O ataque de três dentes na política social europeia], em Menz e Amandine Crespy, eds., Social Policy and the Euro Crisis: Quo Vadis Social Europe, Londres, 2015, p.45-62.  

23- Bob Jessop, “From the Welfare State to the Competition State” [Do estado de bem-estar social ao estado de competição] em Patricia Bauer, ed. Die Europäische Union—Marionette oder Regisseur? Festschrift für Ingeborg Tömmel, Wiesbaden, 2004. 

24- Veja Bettina Leibetseder, “Social Investment Policies and the European Union: Swimming against the Neoliberal Tide?” [Políticas de investimento social e a União Europeia: Nadando Contra a Corrente Neoliberal?], Comparative European Politics, vol. 16, nº4, 2018, p. 597. 

25- Veja também os vários contratos de “direitos sociais” anexados aos tratados, o mais recente sendo o “Pilar Europeu de Direitos Sociais” de 2017, geral o suficiente em seu conteúdo para ser aceitável para países tão diversos quanto a Suécia e a Bulgária. Pouco se sabe sobre os efeitos reais das medidas europeias na prática dos estados membros, uma questão raramente discutida na literatura de pesquisa. Uma excessão é a comparação profunda do impacto das normas de política-social da UE em Gerda Falkner et al. Complying with Europe: EU Minimum Harmonization and Soft Law in the Member States [Se Adequando à Europa: a Harmonização Mínima e Soft Law Europeia nos Estados Membros], Cambridge, 2005. Como foi resumido por Falkner, o estudo encontrou “sérias falhas de implementação” com os países “privilegiando suas preocupações políticas internas em detrimento das exigências da legislação europeia”. Extender a análise aos estados membros mais novos vindos da Europa central e do leste mostrou que os padrões da UE “frequentemente se tornam ‘letra morta’”. Falkner, “The European Union Social Dimension”, p. 279. 

26- Introduzida em 1997 pelo Tratado de Amsterdam, a OMC inclui orientações políticas anuais não-obrigatórias em áreas como estratégia de emprego, pensões, imigração, educação, cultura e pesquisa; estados membros devem se reportar à Comissão e uns aos outros a respeito de como lidaram com as orientações. Ela agora foi integrada ao Semestre Europeu, um arranjo complexo para a supervisão e controle orçamentário da UE. Em “Neo-Voluntarism: A New European Social Policy Regime?” [Neo-Voluntarismo: Um Novo Regime de Política Social Europeia?], European Law Journal, vol. 1 nº 1, 1995, eu descrevi o neo-voluntarismo como um (então apenas) possível “regime de política social pós estado de bem-estar social” para a Europa, caracterizado pela “coesão por excessão”, “unidade por subsidiário”, “governância por escolha” e “homogeneidade por difusão”. Sua suplantação por políticas de crise da EMU sob pressões do mercado não foi antecipada. 

27- A CJUE tem constantemente expandido sua jurisdição desde o fim dos anos 1980, o princípio da supremacia da lei europeia sobre a lei nacional foi ele mesmo uma criação da Corte, incorporado mais tarde no Tratado de Lisboa de 2009. Em contraste com a Suprema Corte dos Estados Unidos, os juízes da CJUE não estão sujeitos a audiências de confirmação pelos representantes eleitos. Em vez disso, cada estado membro nomeia um juiz que é então ratificado por todos os outros países. 

28- Para o mesmo efeito veja Philip Whyman, Mark Baimbridge e Andrew Mullen, The Political Economy of the European Social Model [A Economia Política do Modelo Social Europeu], Londres, 2012, p. 321: “Uma Europa social é um sonho impossível”. 

29- Um caso recente envolveu um asilo privado para idosos processando a Bundesland alemã da Baixa Saxônia por conta da assistência financeira dada a asilos não lucrativos. É interessante que a questão não é se tal assistência é permitida sob os tratados - não é mais - mas apenas se foi dada há tempo suficiente que seria protegida por uma clausula-avó. 

30- Thomas Blanke, Die Entscheidungen des EuGH in den Fällen Viking, Laval und Rueffert—Domestizierung des Streikrechts und europaweite Nivellierung der industriellen Beziehungen’, Oldenburger Studien zur Europäisierung und zur transnationalen Regulierung, no. 18, 2008; Christian Joerges e Florian Rödl, “Informal Politics, Formalized Law and the ‘Social Deficit’ of European Integration: Reflections after the Judgments of the ecj in Viking and Laval”[Políticas Informais, Lei Formalizada e ‘Déficit Social’da Integração Europeia: Reflexões sobre o Julgamento da ECJ em Viking e Laval], European Law Journal, vol. 15, no. 1, 2009; Simon Deakin, “The Lisbon Treaty, the Viking and Laval Judgments and the Financial Crisis: In Search of New Foundations for Europe’s ‘Social Market Economy’” [O Tratado de Lisboa, os Julgamentos Viking e Laval e a Crise Financeira: Em Busca de Novas Bases Para a ‘Economia de Mercado Social’ da Europa], em Niklas Bruun, Klaus Lörcher and Isabelle Schömann, eds, The Lisbon Treaty and Social Europe, Oxford 2012. 

31- Decisões seguintes da corte, entre elas a AGET Iraclis (2016) seguiram a linha de Laval e Viking. Além disso, Stefano Giubboni argumenta que, pela porta dos fundos, Laval tornou o salário mínimo em um salário máximo - parte de uma tendência geral da jurisdição da CJUE: “Freedom to Conduct a Business and EU Labour Law” [Liberdade Para Conduzir Negócios e a Legislação Trabalhista da UE], European Constitutional Law Review, vol. 14, no. 1, 2018. 

32- Em 2004, o governo Blair permitiu liberdade completa de movimento para o Reino Unido de trabalhadores dos países recém entrados na UE - uma recompensa para governos da “nova Europa”que haviam apoiado a invasão do Iraque - embora os tratados previssem um período de isenção de vários anos. Junta a imigração muito maior de países do Commonwealth, isso certamente não ajudou a frear uma transformação em curso do Reino Unido em uma economia de baixos salários com alta desigualdade de salários.

33- Veja Philip Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit: Zur Transformation der politischen Ökonomie Schwedens, Frankfurt, 2014; Lukas Haffert e Philip Mehrtens, “From Austerity to Expansion? Consolidation, Budget Surpluses, and the Decline of Fiscal Capacity”[Da Austeridade a Expansão? Consolidação, Excesso Orçamentário e Declínio da Capacidade Fiscal], Politics and Society, vol. 43, no. 1, 2015. 

34- Wolfgang Streeck, “The Rise of the European Consolidation State” [A Ascensão do Estado de Consolidação Europeu], em Hideko Magara, ed., Policy Change under New Democratic Capitalism, London 2017

35- Os dados bibliográficos mostram que livros sobre a “Europa social” e o “modelo social europeu” tiveram seu auge em 2004 e 2005, com cerca de 80 por ano, depois de um aumento crescente desde 1980 e então caíram rapidamente para cerca de 20 em 2016. Artigos foram de menos de 10 em 2003 para mais de 50 em 2009; em 2016 eles caíram para 25.

36- Como o Reino Unido permaneceu fora da união monetária, a austeridade britânica é local ao invés de imposta por Bruxelas. Embora Londres tenha liderado a batalha contra a construção do estado de bem-estar social europeu, a direita radical inglesa considera a política social da UE como um perfeito exemplo do domínio europeu sobre a Grã-Bretanha, independente das muitas excessões que seu governo conseguiu negociar. Boa parte da esquerda britânica, por outro lado, vê a pouca política social europeia existente como uma razão para permanecer na União, temendo que uma Inglaterra pós-Brexit estaria ainda mais firmemente nas mãos do fanaticismo do livre mercado do que hoje. O sentimento “populista” anti-UE na Inglaterra, diferente de um anti-europeismo de elite, se foca principalmente na imigração. Até onde esse sentimento alcança a esquerda pró-imigração, ele vê a UE como uma ferramenta para a classe política dos estados membros evadir o controle doméstico. Nessa perspectiva, “retomar o controle” quer dizer que cidadãos “retomem seu estado” para restaurar uma democracia popular e preservar uma opção socialista para o futuro. Veja William Mitchell e Thomas Fazi, Reclaiming the State: A Progressive Vision of Sovereignty for a Post-Neoliberal World [Retomar o Estado: Uma Visão Progressista de Soberania em um Mundo Pós-Neoliberal], London 2017. 

37- Yanis Varoufakis, Adults in the Room: My Battle with Europe’s Deep Establishment  [Os Adultos na Sala: Minha Batalha com as Instituições Profundas da Europa], London 2017.  

05/11/2019
voltar

Editora e Livraria Anita Garibaldi
Rua Rego Freitas 192 - República - Centro - São Paulo - SP - Cep: 01220-010
(11) 3129-4586 - livraria@anitagaribaldi.com.br