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Edição 147 > REFORMA TRABALHISTA: Uma falsa “modernização”

REFORMA TRABALHISTA: Uma falsa “modernização”

Da redação
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Seminário realizado em São Paulo reuniu advogados, sindicalistas e especialistas em Direito do Trabalho para debater as mudanças propostas pelo governo ilegítimo de Michel Temer na legislação trabalhista. Os debatedores foram unânimes ao apontar e criticar o enorme retrocesso representado pelas mudanças que o governo e o patronato insistem em chamar de "modernização".

Nos dias 17 e 18 de março último, diversas entidades ligadas ao mundo do trabalho realizaram o seminário Democracia e Direitos dos Trabalhadores. O Seminário reuniu magistrados, juristas, sindicalistas, acadêmicos, representantes da sociedade civil organizada, gestores públicos e advogados trabalhistas que lotaram um dos auditórios do Novotel Jaraguá, no centro de São Paulo. A série de debates culminou com a realização do 2º Encontro Nacional da ADJC (Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania).

Katia Magalhães Arruda, ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e doutora em Políticas Públicas, fez a palestra de abertura do Seminário. Dias antes, a ministra havia publicado um artigo com o título Reflexões sobre coisas que não deveriam existir no Brasil. O texto foi uma resposta à declaração do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que, ao comentar a votação do projeto que libera a terceirização irrestrita no país afirmou: "a Justiça do Trabalho não deveria nem existir".

Em seu artigo, Katia Arruda, sem citar Rodrigo Maia, afirma que "Não deveriam existir a intolerância, o abuso de poder, autoridades que falam e agem contra os princípios e regras constitucionais.".

O texto diz ainda que "Não deveriam existir o desprezo aos direitos sociais, o descumprimento à lei ou a vingança institucional, novo conceito a ser pesquisado pelos sociólogos após as inúmeras perseguições sofridas pela Justiça do Trabalho, com uso de outras instituições e quase sempre decorrentes de descontentamentos pessoais. Que outro ramo do Poder Judiciário incomoda tanto os donos do capital, mesmo que seja por fazer cumprir a lei? Não é à toa que sofra tantos ataques em sua missão de equilibrar interesses entre capital e trabalho, inclusive com respaldo e alarde da grande imprensa.".

Cultura escravista e valor do trabalho

Durante o Seminário, a ministra reafirmou o conteúdo de seu artigo e fez uma objetiva e bem ilustrada explanação sobre as mazelas existentes no Brasil envolvendo o mundo do trabalho. A ministra iniciou sua exposição lançando uma indagação aos participantes. "Qual é o país em que vivemos e qual o perfil dos trabalhadores brasileiros?". Segundo a ministra, as respostas a tais perguntas são fundamentais para se debater as propostas de desestruturação do direito do trabalho.

"Nós convivemos com grandes tecnologias, com grandes avanços em alguns aspectos, mas convivemos com contradições imensas como trabalho análogo à condição de escravo, trabalho infantil e a precarização em diversos moldes. O Brasil, ao mesmo tempo que é a 7ª economia do mundo, em índices de desenvolvimento humano ou até mesmo em distribuição de renda, é o 80º e o 75º, respectivamente", destacou a ministra, que citou números oficiais que evidenciam a desigualdade social, apesar dos avanços dos últimos anos.

Segundo ela, os índices econômicos vêm acompanhados de uma "forte cristalização da desvalorização do trabalho" e do descumprimento das leis, que perpassam toda a história do nosso país que tem uma formação patriarcalista, machista, colonialista e coronelista.

Ela mostrou que boa parte dos problemas enfrentados hoje pelos trabalhadores brasileiros advém de uma cultura escravista que ainda não foi totalmente dissipada das relações capital-trabalho.

Exibindo uma foto recente de uma oficina de costura de uma grande loja de confecções que foi flagrada impondo condições de trabalho análogo ao dos escravos, a ministra Katia Arruda apontou os vários direitos previstos em lei que estavam sendo descumpridos.

"Quando nós falamos de escravidão, muitos vão dizer 'Ela está falando em 1888'. Talvez não. Estamos falando de uma cultura que prevalece no Brasil", salientou. A ministra reforça que a escravidão perdurou no Brasil durante 388 anos, e que temos hoje 138 anos de trabalho livre. "É um tempo muito arraigado em nossa cultura em termos de dominação, de submissão, de subserviência. Esse lastro negativo da escravidão atuou de forma preponderante na construção da sociedade brasileira", completou.

Segundo a ministra, "há uma naturalização da exploração do trabalho" no Brasil. "O trabalho ainda é visto como uma atividade de pessoas negras e pobres. Não há uma cultura de valorização. O trabalho não é visto como algo dignificante, essencial como direito humano", explicou.

Katia Arruda abordou o tema dos ataques do governo aos direitos trabalhistas desmascarando as mentiras que a propaganda governamental espalha para convencer os trabalhadores de que suas reformas são necessárias. Segundo ela, são mentiras repetidas intermitentemente dentro de uma cultura secular de escravidão e desvalorização do trabalho e do trabalhador.

Sobre os mais de 40 projetos em trâmite no Congresso, como terceirização, negociado sobre o legislado, demissão imotivada, entre outros, a ministra do TST destaca que se trata de ataques frontais aos direitos e à Justiça do Trabalho. "Para muitos, os direitos trabalhistas são direitos secundários. São direitos que podem ser burlados. E na verdade estamos falando de direitos humanos", afirmou.

"Quase todas as propostas têm como objetivo afastar as causas da Justiça do Trabalho, porque, segundo eles, o Tribunal Superior do Trabalho causaria insegurança jurídica na sociedade. Eu pergunto: O que os juízes fazem é mandar cumprir a lei. E o descumprimento da lei não causa insegurança jurídica?", questionou.

"Modernizar" a exploração do trabalhador

Além da ministra Katia Arruda, outra integrante do TST, a ministra Delaíde Arantes, também falou sobre a reforma trabalhista aos participantes do Seminário. Para a ministra, a saída para a crise está na economia, e não na precarização do trabalho.

Delaíde apontou uma tentativa de acabar com a Justiça do Trabalho, "quebrar a espinha dorsal" da Consolidação das Leis do Trabalho e desmoralizar a política. Para ela, trata-se de mais um movimento em busca de implementar o neoliberalismo no país. "Faz parte do esquema do neoliberalismo para implementar sua política de mercado. Em todo lugar foi assim", disse, ao participar do debate.

Segundo Delaíde, os setores que agora apoiam a reforma trabalhista de Temer são os mesmos que criticam a Justiça do Trabalho desde a sua implantação. "Esse é o segmento que, quando se estenderam os direitos aos trabalhadores domésticos, dizia que haveria desemprego em massa.Os mesmos que, depois das conquistas da Constituição de 1988, diziam que empresas não teriam mais condições de oferecer emprego".

A ministra ressaltou que, hoje, já é permitido que o negociado se sobreponha ao legislado, desde que para estabelecer benefícios ao trabalhador, para além da legislação. "A tentativa, agora, é para negociar aquém do que diz a lei", prejudicando o trabalhador, disse.

Ela desconstruiu a ideia que o governo tenta passar de que a legislação trabalhista é responsável pelas dificuldades econômicas pelas quais o país passa, uma vez que tornaria mais onerosa a manutenção dos empregos. "A saída para a crise tem que ser encontrada na economia, não na precarização do trabalho", foi taxativa.

Para comprovar que os direitos dos trabalhadores não impedem o país de crescer, ela lembrou o período em que a economia do país ia de vento em popa, há apenas alguns anos. "Tivemos uma fase de praticamente pleno emprego. A economia ia bem e tínhamos essa mesma legislação trabalhista e essa mesma Justiça do Trabalho", afirmou.

Delaíde destacou que, nas relações entre capital e trabalho, existe uma desigualdade muito grande. As partes e a legislação existem para equilibrar o jogo. "Os ministros do TST estão sendo acusados de proteger os trabalhadores. Mas nós não protegemos trabalhadores, nós aplicamos a legislação e a jurisprudência. Esse ataque faz parte de um intento de desmantelar o sistema jurídico processual trabalhista vigente", denunciou.

Ela chamou a atenção para o poder de influência da mídia tradicional no debate sobre as reformas. "Falamos aqui nesse auditório para 200 pessoas. À noite, William Bonner e Renata Vasconcellos falam na Globo para 30 milhões, sempre a favor das reformas e de tudo o que é proposto pelo governo.".

A ministra apresentou a relação de temas mais recorrentes nas estatísticas de 2016 do Tribunal Superior do Trabalho. Em primeiro lugar, estão os processos relacionados às verbas rescisórias (ou seja, trabalhadores despedidos que não receberam seus direitos); em seguida, vem a ausência de concessão de intervalo entre a jornada, o repouso e alimentação (algo que atenta contra a segurança e a saúde do trabalhador); em terceiro lugar, aparecem os processos por horas-extras.

Apesar de, no Brasil, 60% dos empregos serem ofertados por micro e pequenas empresas, no topo da lista dos principais litigantes estão a União, estados e municípios, bancos, grandes frigoríficos e grandes redes de supermercados, respectivamente.

Segundo ela, trata-se de uma realidade que as mudanças propostas por Temer devem agravar. "A experiência do contrato temporário em outras empresas mostra que isso só precarizou o trabalho e não gerou novos empregos. As empresas despedem os efetivos e contratam os temporários. Só precarizam", reiterou.

"A proposta [de Temer] é de Estado mínimo para o povo e os trabalhadores, mas não para as teles, as grandes redes de televisão, nem para o sistema financeiro", disparou.

Cezar Britto: uma nova compreensão acerca do trabalho

Outro importante jurista a se pronunciar no evento foi o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto. Na sua fala, ele condenou o discurso falacioso do atual governo, segundo o qual o direito do trabalho precisaria ser modernizado. "É a propaganda que mais se faz: que o direito do trabalho impede o desenvolvimento do Brasil, que a CLT está caduca e precisa ser modificada porque atrapalha o desenvolvimento", disse, classificando o mantra como uma "mentira".

O advogado criticou aqueles que atacam a justiça do trabalho, afirmando que ela seria "protecionista". "O direito penal é protecionista, protege o réu contra o Estado; o direito do consumidor também, pois protege o consumidor; o direito de família também é protecionista. Então se temos que acabar com o protecionismo, vamos acabar com a própria advocacia, porque nossa função é lutar por quem quer justiça num país desigual", defendeu.

Britto fez uma abordagem histórica sobre a evolução da relação da sociedade com o trabalho ao longo dos séculos. Ele destacou que, durante a maior parte do tempo, trabalho foi sinônimo de castigo, atividade indigna, dedicada a escravos e, posteriormente, a servos.

 "No início dos tempos, as pessoas guerreavam para ter mão de obra escrava. Os nobres ganhavam soldos para não trabalhar. Quando há a primeira evolução desse conceito do trabalho dedicado a escravos, foi para dizer também que o trabalho era reservado aos servos. Havia servidão. O trabalho era coisa, como o homem era coisa à disposição do senhor feudal", afirmou. Britto lembrou que uma nova compreensão acerca do trabalho - não mais como coisa, mas como fator de dignidade - surge a partir da revolução industrial, com um movimento de resistência dos trabalhadores à exploração. "Os trabalhadores começam a conviver e a falar sobre uma reação. Em 1824, surge o primeiro sindicato na Inglaterra. E, a partir desse movimento, o trabalho passa a ser compreendido não mais como coisa, mas como fonte de poder", colocou.

Ele resgatou que, daí, começam a surgir grandes conflitos, que culminam com o assassinato de homens e mulheres em luta por melhores condições de vida e trabalho. Britto ressaltou que, nas manifestações que deram origem ao Dia Internacional do Trabalhador e ao Dia Internacional da Mulher - ocorridas no fim do século XIX e início do século XX -, as pessoas pleiteavam a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Hoje, o governo Michel Temer fala em estendê-la para até 12 horas.

 De acordo com ele, é naquele período de contestação que o mundo passa a refletir sobre o direito de as pessoas terem a propriedade das outras e se começa a formular a ideia de que é preciso suavizar a exploração e estabelecer o trabalho como fator de dignidade.

Mas, embora tenham sido feitas concessões, a organização do trabalhador continuou a ser vista como uma ameaça. "Essa é a regra que passa a regular nossos conflitos: transformar o trabalho em fator de dignidade da pessoa humana, concedendo e regulamentando o direito do trabalho - para que não houvesse tamanha exploração -, e, paralelamente a isso, impedir a organização sindical, porque ela conduziria a outra conceituação de trabalho, que é o trabalho como poder, o que poderia levar a uma revolução", detalhou o ex-presidente da OAB.

Segundo ele, alguns fatos históricos pressionaram ainda mais para a constituição do direito do trabalho nos países capitalistas, como as revoluções mexicana e russa.

"O que dizem as duas: é possível que aquele que produz o trabalho se aproprie do poder e das riquezas geradas pelo trabalho. O mundo entra em polvorosa e começa a aperfeiçoar a ideia de que é preciso transformar o trabalho em fator de dignidade humana, se afastando da ideia de coisa. Porque dizer que o trabalho é coisa atrai o trabalhador para o mundo comunista", disse Britto.

Dois anos após a Revolução Russa de 1917, nasce a Organização Internacional do Trabalho, para dizer que é preciso melhorar as condições humanas da classe trabalhadora. "E, a partir de 1919, o mundo capitalista começa a formular esse conceito evolutivo do trabalho, que sai de castigo, da servidão e da apropriação, e passa-se a falar em proteção, em fator de dignidade humana e vem toda uma legislação.".

A queda do muro e a involução do direito do trabalho

Em 1989, contudo, ocorre a queda do Muro de Berlim, alterando o cenário mundial, com repercussões negativas para os trabalhadores. "E aqueles que desde sempre compreendiam o trabalho como coisa se assanham de novo e voltam a pregar a involução do direito do trabalho. A partir de então, no Brasil e no mundo, toda legislação que se tem é para voltar ao conceito do trabalho como sinônimo de exploração e do ser humano como mercadoria.", declarou Britto.

 De acordo com ele, dependendo do governo que comandou o Brasil, isso se verificou com maior ou menor força. "Começa a se mudar novamente o conceito do trabalho, a se falar em competitividade, em proteção ao capital e não mais à pessoa humana. Exemplo é a Lei da Falência. Antes dela, se garantia primeiro os direitos trabalhistas, hoje se garante primeiro as obrigações financeiras.".

 O ex-presidente da OAB observou que este é um processo que vai se ampliando e chega agora a seu auge, com a gestão Michel Temer. "O governante de plantão, eleito a partir do pato da Fiesp, nos dá esse presente com mais força, dizendo que é preciso transformar o trabalho em mera mercadoria e o trabalhador em custo de produção. Essa é a visão que se tem hoje do trabalho. Ninguém mais fala em proteção à pessoa humana, mas em proteção ao capital e ao capitalista. Eu pergunto, isso é uma evolução ou uma involução?", questionou.

Britto opinou que é preciso defender, sim, a modernização da legislação do trabalho, mas sob a perspectiva do trabalho como fator de dignidade e felicidade, e não como obstáculo.

Opressão sem disfarce

Apesar do cenário, o advogado se disse otimista com a resistência. Para ele, é importante que tenham "caído as máscaras". "Hoje, ninguém mais está disfarçando. No Brasil, há mais de 100 mil pessoas vítimas de trabalho escravo e a Comissão de Constituição e Justiça relativiza o conceito de trabalho escravo; em plena discussão sobre corrupção, estão propondo voltar ao financiamento empresarial de campanha, ou seja as pessoas estão se assumindo como são".

Ao citar um trecho do livro A arte da guerra, de Sun Tzu, o advogado destacou a importância de se conhecer o adversário. "Eles tiraram a máscara e é hora de mostrar também nossa força. É um momento de reação, enfrentamento. Por isso sou otimista. Vários companheiros estão se reunindo", avaliou.

Cezar Britto encerrou sua fala, mencionando uma frase da abolicionista norte-americana Harriet Tubman: "Libertei mil escravos. Podia ter libertado outros mil se eles soubessem que eram escravos". O advogado defendeu ampliar a resistência. "É com esses que devemos lutar, com os que não se percebem escravos", concluiu.

Resistir a todo custo

O presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo, falou em seguida. Ele afirmou que as mudanças que o governo propõe são, na verdade, uma "contrarreforma" que, sob o argumento da "modernização", visa a "acabar com a legislação trabalhista".

Segundo ele, trata-se de um processo que está relacionado à virada política vivenciada pelo país. "O golpe contra Dilma significou um golpe do capital contra o trabalho", disse. "Por trás da nuvem da modernização, nada mais se escondem além da flexibilização e da precarização. A lógica é jornada maior, salário menor", criticou.

Para o sindicalista, não há como sustentar a ideia de que aumentando a exploração do trabalhador será possível criar mais empregos, aumentar salário e construir um ambiente mais saudável para a classe trabalhadora. "Dizem que as mudanças são para gerar empregos, mas é a velha cantilena. A reprodução de um contrato precário de trabalho não vai gerar emprego nenhum, pelo contrário, vai levar a demitir. E vamos criar um exército de trabalhadores com piores condições, adoecidos, vítimas de acidentes graves".

Araújo avaliou que foi justamente o inverso - a melhoria das condições de vida do trabalhador - que contribuiu para o crescimento do país durante o governo Lula. "Chegamos ao patamar do crescimento chinês. Os 7,5% de crescimento do PIB de 2010 são o somatório de geração de emprego, ampliação da renda, valorização do salário-mínimo. Isso foi empoderando o Brasil. Chegamos a 2014 com apenas 4,5% de trabalhadores sem empregos, uma das menores taxas do mundo.".

Na sua fala, o sindicalista questionou o que aconteceu para o cenário mudar tão rápido. "Faltou um projeto. Ficamos devendo o debate das reformas. Porque, se tivéssemos feito, não estávamos correndo os riscos que estamos hoje", afirmou.

O presidente da CTB fez uma autocrítica, ao avaliar que, durante os governos do PT, o movimento sindical deveria ter feito mais pressão por novas garantias para o trabalhador. Como exemplo, ele citou a regulamentação do direito a greve dos servidores públicos.

Segundo ele, o atual ambiente de ataque aos direitos é complexo e desafiador para os trabalhadores. "O tempo fechou, enfrentamos um tsunami. Como nos comportar? O movimento sindical precisa fazer uma releitura. Ficamos devendo mais pressão. A classe trabalhadora é a principal força motriz no processo de transformação. A gente devia ter tido mais atitude, abraçado a justiça do trabalho, ser radicais na postura. Agora, é preciso resistir a todo custo", encerrou.

Desvirtuando a negociação coletiva

Encerrando as exposições da segunda Mesa do Seminário, o presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Roberto Parahyba, sublinhou o cenário já difícil em que se insere a reforma trabalhista de Temer. Ele destacou que o Brasil continua a conviver, por exemplo, com o trabalho infantil e o trabalho análogos ao da escravidão. E apresentou números que refletem a discriminação de gênero e raça. Não brancos, mulheres e jovens são maioria entre os terceirizados e trabalham mais para receber menos que os celetistas.

Segundo ele, mesmo com esta "triste realidade", o Brasil de Temer segue "na contramão da história" e daquilo que está dito na Constituição sobre os direitos dos trabalhadores.

Parahyba centrou sua fala no projeto que coloca o negociado sobre o legislado. Para ele, a proposta em debate no Congresso desvirtua a própria natureza da negociação coletiva do trabalho, ao permitir que ela seja utilizada para retirar direitos.

"Todo mundo é a favor de negociação coletiva. Mas isso não autoriza a conclusão de que há espaço, no âmbito infraconstitucional, para a edição de uma lei que desfigura a própria natureza da negociação coletiva, que é promover a melhoria das condições sociais dos trabalhadores. Usar a negociação coletiva para piorar e rebaixar a condição de vida e trabalho das pessoas descaracteriza a razão de ser da negociação coletiva".

De acordo com o advogado, a negociação coletiva é um instrumento que existe para promover a democratização de riqueza no âmbito da sociedade civil e a inclusão socioeconômica dos trabalhadores. "Você não pode simplesmente rasgar esse papel para transmutar sua essência, para ela virar um mecanismo de rebaixamento das condições dos trabalhadores.".

O presidente da Abrat defendeu que, ao invés de fortalecer o instrumento da negociação coletiva, o objetivo final do projeto é mesmo reduzir direitos trabalhistas.

Um aspecto observado por Parahyba é o fato de que, para fortalecer a negociação, teria de haver igualdade entre os entes contrapostos. Isso implicaria o fortalecimento dos sindicatos.

"Quando se fala em negociação coletiva, implica adotar o princípio da liberdade sindical e aprendemos que, para isso, tem que impedir atos antissindicais, tem que viabilizar exercício da atividade sindical, impedir a influência indevida do empregador sobre o empregado. Tem que ter medidas protetivas, que não existem no Brasil", ressaltou.

Entidades qualificam reforma como retrocesso histórico

No último dia 19 de abril, às vésperas da votação da Reforma Trabalhista na Câmara dos Deputados, as posições externadas no Seminário Democracia e Direitos dos Trabalhadores ganharam reforço de uma nota pública assinada por cerca de 40 entidades de classe que integram a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas). No documento, as entidades alertam para os prejuízos do substitutivo apresentado pelo deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), no Projeto de Lei (PL) n. 6.787/2016 que dispõe sobre a reforma trabalhista.

Para as associações, trata-se do maior projeto de retirada de direitos trabalhistas já discutido no Congresso Nacional desde o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). "Trata-se de um ataque que passa pela supressão de direitos materiais e processuais hoje constantes de lei (CLT) e até mesmo no que deixa de ser aplicado do Código Civil na análise da responsabilidade acidentária, optando-se pela tarifação do valor da vida humana, em vários pontos passando também pela evidente agressão à jurisprudência consolidada dos Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do Trabalho", diz a nota.

Em outro trecho, o documento afirma que "São criadas/ampliadas novas formas de contratos de trabalho precários, que diminuem, em muito, direitos e remuneração, permitindo, inclusive, pagamento abaixo do salário-mínimo mensal, o que concorreria para o aumento dos já elevados níveis de desemprego e de rotatividade no mercado de trabalho.".

O texto cita ainda que o substitutivo, "além do mais, busca a cada momento criar dificuldades e travas para o reconhecimento de responsabilidades do empregador, como o faz nas novas limitações que impôs aos artigos 2º e 3º da CLT, podendo esconder nesses novos termos as obrigações de grandes empresas que já tiraram ou venham a tirar proveito de mão de obra escrava.".

 A nota termina pedindo aos congressistas que rejeitem a reforma. Mas, dias depois, o plenário da Câmara dos Deputados, ignorando todos os argumentos contrários, aprovou por maioria simples o substitutivo de Rogério Marinho.

Pesquisa do Dieese comprova impactos negativos da Reforma

Outra importante entidade que desnudou o caráter regressivo da Reforma foi o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). "O projeto representa um "retrocesso da proteção social ao trabalho aos primórdios do processo de industrialização no país", afirma o Dieese em análise sobre o texto. Para o instituto, na prática o projeto de lei, se implementado, resultará em "drástica redução de direitos e no desmantelamento do sistema de relações de trabalho" em vigor desde o surgimento da CLT, em 1943.

Segundo a análise do instituto, disponível no endereço goo.gl/AeQfYu (URL encurtada) a proposta governista trará "substancial redução do papel do Estado em relação à proteção ao trabalhador, o que deve piorar as condições de vida e trabalho", além de reduzir a capacidade de negociação dos sindicatos, em um cenário econômico extremamente adverso. "O projeto, portanto, reverte de forma cabal, os fundamentos legais, políticos e ideológicos que orientaram, até agora, as relações entre Estado, capital e trabalho no país."

Em resumo, para o Dieese, o projeto institui um marco regulatório "altamente favorável aos interesses das empresas". Com isso, reverte a lógica que inspirou a criação da legislação trabalhista, de caráter mais protetivo ao trabalhador, "ainda que permeada por uma visão conservadora a respeito dos direitos coletivos de organização e representação".

O instituto destaca cinco fundamentos do projeto: revogação do princípio de proteção ao trabalhador perante o empregador; redução do poder de negociação e de contratação coletiva dos sindicatos; autorização para o rebaixamento de direitos previstos em lei; ampliação de possibilidade de contratos atípicos e de trabalho autônomo; e restrição à atuação do Poder Judiciário e também do acesso dos trabalhadores à Justiça.

Reforma escrita por lobistas de empresas

Liszt Vieira, professor da PUC-Rio e doutor em Sociologia sintetizou de forma cáustica, em artigo publicado na imprensa, outros pontos do substitutivo aprovado na Câmara que ele julga necessário denunciar: a) demissões coletivas para contratar pessoas com menores salários; b) trabalho temporário, para sempre; c) jornada de trabalho maior, o que diminui o salário; d) meia hora de almoço, em homenagem a Charles Chaplin em Tempos Modernos; e) imposição de uniformes; f) fim de transporte de empregados; g) parcelamento de férias em 3 vezes, segundo o interesse do empregador; h) diluição de seus direitos pela terceirização, a empresa contratante não terá mais responsabilidade; i) demissão para contratar terceirizados sem carteira assinada, sem direitos, com salário menor; j) em caso de grávidas, é o médico da empresa quem define se o local de trabalho é ou não insalubre; k) fim da Comissão de Conciliação Prévia, o que o patrão negociar vale mais que a lei; l) a rescisão será do jeito que o empregador quiser, o sindicato não participa mais; m) a Justiça do Trabalho não será mais gratuita, o trabalhador terá de pagar até honorário de perito. Se não tiver dinheiro, não reclame.

O professor lembra ainda que "lobistas de associações empresariais são os verdadeiros autores de uma em cada três propostas de mudanças apresentadas por parlamentares na discussão da Reforma Trabalhista. Todos os textos defendem interesses patronais, sem consenso com trabalhadores".

O site de notícias The Intercept Brasil examinou as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto na comissão especial da Reforma Trabalhista. Dessas propostas de "aperfeiçoamento", 292 (34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).

O projeto agora está tramitando no Senado, onde espera-se que a pressão dos trabalhadores contra o desmonte da CLT seja mais forte que o lobby empresarial e consiga barrar este retrocesso.

Da redação, com informações dos portais Grabois, Vermelho e CTB.

Colaboraram Cláudio Gonzalez, Cezar Xavier e Dayane Santos

 

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