Homenagem
Edição 136 > Eduardo Galeano e as mãos da memória
Eduardo Galeano e as mãos da memória
Galeano sai da vida e fica na memória, na memória material e tangível formada pelos livros que escreveu, que continuarão a despertar consciências democráticas e avançadas

Crítico Ronald Wright, do suplemento literário The Times, de Londres, disse certa vez ser “impossível” definir o estilo de Eduardo Galeano. Poderia ter ido mais adiante e indagado: quem foi Eduardo Galeano- Jornalista- Filósofo- Historiador-
Galeano foi um autor que, mestre das palavras, criou uma forma de definir os latino-americanos. Ele não concordaria com o uso da palavra “criou”; na verdade, dizia ter sido nas ruas e nos cafés de Montevidéu que aprendeu o jeito de contar histórias que o consagrou. Pode ser. Foi o estilo que o ajudou a definir a América Latina e os latino-americanos.
Não é exagero dizer que somente um escritor uruguaio poderia fazê-lo. O Uruguai é uma espécie de esquina da América do Sul, traço de união entre os povos hermanos de tradição espanhola e aqueles, do outro lado do Chuí, herdeiros do legado português. Tudo isso misturado com as heranças africana e indígena, sobretudo o guarani.
Galeano unificou todos eles em seus escritos – os “latino-americanos” da tradição espanhola e também aqueles da herança portuguesa, os brasileiros. Somos todos latino-americanos, sentiu e ensinou.
Quem o conheceu não esquece a fineza no trato, a atenção e a gentileza que caracterizaram este homem de letras que se sentia em casa nas cidades de nossa terra. Um homem que sonhou com a liberdade, a igualdade, a solidariedade entre os povos do mundo e, em seus escritos, foi uma voz sensível e poderosa da gente que vive aqui.
Enfrentou a ditadura, as ameaças dos esquadrões da morte dos fascistas uruguaios, o exílio na Argentina e na Espanha (entre 1973 e 1985).
Ele fez da memória sua ferramenta constante. “A memória tem mãos”, disse em uma entrevista ao jornal Brasil de Fato no ano passado. Em outra ocasião, assegurou que a “memória guardará o que valer a pena”.
Foi com as mãos da memória que escreveu os quase quarenta livros que publicou desde 1963. Entre eles, o clássico de nossa esquerda, As Veias Abertas da América Latina (1971), que ajudou a despertar a consciência política da resistência e marcou a luta contra as ditaduras e o imperialismo dos EUA. Ou outro clássico, a trilogia Memórias de Fogo (1982). Livros indispensáveis que tiveram na memória a matéria-prima fundamental para a tomada de consciência libertária, socialista, solidária.
Um câncer levou Eduardo Galeano em 13 de abril de 2015, em Montevidéu. Ele tinha 74 anos de idade: sai da vida e fica na memória, na memória material e tangível formada pelos livros que escreveu, que continuarão a despertar consciências democráticas e avançadas. No futuro, quando as injustiças e contradições contra as quais ele lutou estiverem superadas, permanecerão como testemunhos de dignidade e resistência.
Galeano se foi, mas sua memória permanece!
*José Carlos Ruy é jornalista. Texto publicado originalmente no Vermelho (vermelho.org.br)