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Edição 136 > REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL Falsa solução no combate à violência
REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL Falsa solução no combate à violência
A injustiça social no Brasil tem sentenciado por séculos, com abandono e a falta de oportunidades, os pobres, as mulheres, os negros. Nestes universos os mais jovens são as vítimas preferenciais. Não permitamos que uma suposta maioria parlamentar, forjada pelo financiamento privado indutor desta pauta regressiva, violenta e fundamentalista, apague lampejos de esperança nestes jovens. É preciso dizer NÃO à PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal

Paira sobre o país uma nuvem de retrocesso político, mesmo após um processo democrático que legitimou o governo popular da presidenta Dilma e apontou caminhos para a mudança.
Em desatino por terem sofrido a quarta derrota consecutiva, as elites econômicas, nacionais e estrangeiras, e seus partidos marionetes formam um consórcio oposicionista, com o amparo luxuoso da mídia corporativa. Põem uma lupa na crise econômica mundial e tentam atribuir todas, mas todas as “culpas”, ao governo, ao PT e à esquerda no Brasil. Entenda-se por “culpas” os rigores pelos quais todo o mundo se amarga com a disfunção do sistema do lucro.
E nesta ambiência desfavorável às forças democráticas, ressurge no Congresso Nacional uma pauta regressiva, tentando descontinuar doze anos de incontestáveis avanços sociais.
A pauta é regressiva na política: segue a ameaça de pedido de impeachment da presidenta, golpes e que tais.
Regressiva nos direitos: com a aprovação na Câmara dos Deputados do PL 4.330, que generaliza os contratos terceirizados, rasgando a CLT, levando a justos protestos a magistratura do trabalho e os trabalhadores.
Regressiva nos costumes: com tentativas de imposições nos códigos legais de conceitos religiosos, comportamentais e nos pactos de vivência consolidados como cláusulas pétreas da nossa Constituição Federal.
Este é o caso da Proposta de Emenda à Constituição 171/1993, que trata da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, que teve a sua admissibilidade aprovada, no fatídico dia 31 de março, na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania, por 42 votos favoráveis contra 17. A partir daí foi instalada, pela presidência da Câmara dos Deputados, uma comissão especial para discutir o mérito do projeto.
Há méritos neste projeto-
Na compreensão de dezenas de especialistas em direito criminal, de centenas deles na temática da criança e do adolescente, e de milhares de militantes, entre os quais me incluo, que lutam pela ampliação de direitos para esta faixa da população, NÃO HÁ QUALQUER MÉRITO NA PEC 171/93.
Bem ao contrário, os dados revelam que a redução da maioridade penal representaria um verdadeiro retrocesso quanto aos direitos adquiridos com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Isto somado aos esforços de aprovação e efetivação de inéditas políticas para a juventude. Estas passaram pela expansão da inclusão no ensino em todos os níveis, incluindo a adoção de cotas sociais e étnicas, soluções técnicas para quem está fora do binômio série/idade como o Pronatec, até a recente aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) que, se posto em ação, mudará o cenário educacional em dez anos.
Somos todos contra a violência
A violência é uma realidade a ser enfrentada nesta sociedade de “massas”, elevada a uma potência desesperadora pelo fenômeno do tráfico de drogas e do crime organizado no Brasil e em boa parte do mundo. Os crimes hediondos nos aterrorizam. As famílias destroçadas merecem nosso apoio, solidariedade e busca por justiça.
Porém, a mudança de um código legal não pode ser movida pelo sentimento de vingança. O Parlamento não pode, não deve e não está autorizado pelo povo a comportar-se como um colegiado de justiceiros.
O debate racional, com base em dados científicos e da realidade concreta, deve balizar a decisão a ser tomada pelo Congresso Nacional. E neste terreno, os dados têm desmentido os argumentos dos que querem “dar uma resposta” à sociedade contra a violência, reduzindo a maioridade penal.
Vamos aos dados: O jovem brasileiro, especialmente o negro e pobre, é antes de tudo vítima frequente a ilustrar os mapas da violência. Dados do Mapa da Violência de 2014 apontam que, das 56.337 pessoas vítimas de homicídio no país em 2012, 30.072 eram jovens de 15 a 29 anos e, desse total, 23.160 (77%) eram negros (considerada a soma de pretos e pardos). E são dados da Unicef que comprovam que, dos 21 milhões de adolescentes que vivem hoje no Brasil, apenas 0,013% cometeu um ato com a intenção de tirar a vida de outra pessoa. Ou seja, dados exibidos por organismos insuspeitos estão aí para nos demonstrar que o jovem brasileiro, em sua esmagadora maioria, não é violento, não comete crimes e é, ao contrário, a principal vítima dos homicídios registrados no país.
É absolutamente falso o argumento de que jovens infratores ficam impunes.
O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Ou seja, as crianças e adolescentes de baixa renda – os reais atingidos por medidas repressivas – já são, na prática, criminalizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Hoje sofrem medidas de reclusão por até três anos e não têm garantias processuais penais, como remissão da pena pelo trabalho, sursis ou modificação do regime de cumprimento simplesmente porque, por um jogo retórico, a “medida socioeducativa” de internação não é considerada juridicamente uma penalidade, embora o seja na prática.
Os dados incontestes estão aí para mostrar que o jovem brasileiro, especialmente o pobre e negro, é vítima e não criminoso. Os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram vertiginosamente nas últimas décadas: 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinados, ou seja, 24 por dia!
A Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4ª posição, dentre os 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; número de 50 a 150 vezes maior que o de países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.
Por outro lado, de acordo com números do Ministério da Justiça, a reincidência nas penitenciárias para adultos é de 70% a 85%, enquanto no sistema socioeducativo, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é de 43%. Os números atestam que a inserção dos menores nas penitenciárias aumentará em quase duas vezes a possibilidade de o jovem reincidir, ao passo que no sistema socioeducativo sua possibilidade de recuperação é infinitamente superior, malgrado as péssimas condições, com raras exceções, de nossos estabelecimentos destinados a abrigar menores.
Como atuar para impedir esta falsa saída contra a violência-
Portanto, está chegada a hora de as organizações de defesa dos direitos humanos, da criança e do adolescente, da União Brasileira dos Estudantes (UNE), da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) – que sempre estiveram na linha de frente em defesa da juventude – contarem com todos os brasileiros e brasileiras de bom senso na luta contra a PEC 171/2003.
A juventude brasileira não precisa de mais cadeia. Precisa de mais escola, mais emprego, mais saúde, mais oportunidade.
A verdade é que o maior infrator é o ESTADO que, ao não cumprir a lei que vige, vulnerabiliza mais ainda o vulnerável.
Reafirmo a atualidade do ECA, que ao mesmo tempo em que protege pune com restrição de liberdade o menor em conflito com a lei.
Cumpri-lo e até especializá-lo é primordial para evitarmos o cometimento do erro da redução da maioridade penal, que já está sendo revogada em muitos países que a adotaram.
A injustiça social no Brasil tem sentenciado por séculos, com abandono e a falta de oportunidades, os pobres, as mulheres, os negros. Nestes universos os mais jovens são as vítimas preferenciais. Não permitamos que uma suposta maioria parlamentar, forjada pelo financiamento privado indutor desta pauta regressiva, violenta e fundamentalista, apague lampejos de esperança nestes jovens.
Entremos nesta luta em nome de uma sociedade menos armada, que desenvolva uma cultura de valorização humana, de paz e gentileza.
* Alice Portugal é deputada federal pelo PCdoB/BA e exerce seu quarto mandato na Câmara dos Deputados