Homenagem
Edição 135 > Arte “subversiva” de Abelardo da Hora em exposição
Arte “subversiva” de Abelardo da Hora em exposição
Maior artista expressionista brasileiro, o ativista cultural comunista pernambucano morto em 2014 recebe homenagem póstuma em mostra com 101 obras, entre esculturas, desenhos, pinturas e maquetes de projetos finalizados ou ainda por fazer. Em entrevista à Princípios, seu filho destaca as inúmeras violências sofridas pela família conforme os governos ditatoriais se sucediam, aprisionando e torturando o artista por sua militância em favor de uma arte e de uma cultura que chegasse ao povo

A Caixa Cultural São Paulo inaugura no dia 7 de março, sábado, às 11 horas, a mostra individual de Abelardo da Hora (1924-2014), com 101 obras que trazem ao público a faceta inquieta e generosa do artista pernambucano.
Dentre as esculturas, os desenhos, pinturas e maquetes destacam-se os bronzes Menino de Mocambo, de 1969 e A Fome e o Brado, de 1947, a série de 22 desenhos de bico de pena de 1962 e o poema Meninos do Recife, além da maquete e fotos da polêmica Torre de Iluminação Cinética, instalada na Praça da Torre, no Recife, em 1961 e destruída pelo regime militar em 1964.
Em entrevista a Princípios, Abelardo da Hora Filho explica que a escolha das obras foi limitada pelas condições logísticas da Caixa Cultural, que não poderiam ser de grande porte, volume ou peso, características de uma grande parte das esculturas. Apesar disso, ele garante que a exposição é impressionante pelo alcance do acervo e comovente pela temática.
Conhecido e admirado pelo temperamento ao mesmo tempo generoso e irreverente, o artista e ativista cultural celebrizou-se internacionalmente a partir dos anos 1960 com obras de temática social que denunciavam a miséria brasileira e a exclusão, sendo considerado pela crítica especializada o maior escultor expressionista do Brasil.
Foi essa veia política que fez com que Abelardo fosse perseguido durante o período da ditadura militar. Integrante do então clandestino Partido Comunista, o artista contava que havia sido preso mais de 70 vezes. Abelardinho conta que, desde o cancelamento do Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1945, seu pai se envolveu numa contestação que começou a torná-lo um subversivo para os governos. O concurso existia desde os tempos do império, e seu cancelamento foi uma grande decepção para o pernambucano, que tinha todas as chances de vencê-lo aquele ano.
Idealizou e criou com Hélio Feijó e outros, a Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR) e, em 1952, fundou o Atelier Coletivo da SAMR do qual foi professor e diretor. Foi também um dos idealizadores do Movimento de Cultura Popular (MCP), criado na gestão do então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, entre 1960 e 1962. Esse movimento refletia um sentido altamente engajado e seu objetivo era -ampliar a politização das massas, despertando-as para a luta social-, conforme preconizavam seus participantes, entre os quais o célebre educador Paulo Freire, o escritor Ariano Suassuna, entre outros intelectuais.
Durante os anos de 1957 e 1958 expôs em vários países. Possui obras nos acervos de museus como MASP em São Paulo, no MAC/USP em São Paulo, no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, entre outros espaços na Bahia, na Paraíba, em Pernambuco, no EuroMuseu, além de prédios e praças públicas, museus, galerias e espaços de arte nos Estados Unidos, China e Argentina.
Lançou, em 1962, o álbum de desenhos Meninos do Recife e em 1967, a coleção de desenhos Danças brasileiras de Carnaval, na Galeria Mirante das Artes, em São Paulo. Segundo o filho, sua preocupação social, tanto na arte, como na vida, nunca foi abandonada, embora também seja famoso pelas musas do amor que esculpiu. O Instituto Abelardo da Hora realiza, com dificuldades, um trabalho educativo para crianças e adolescentes de Recife que visa à educação para a arte.
Integrante do então clandestino Partido Comunista desde 1948, Abelardo e sua família conheceram a prisão, a tortura e perseguição do regime de exceção que sobreveio ao golpe civil-militar de 1964. A cada Ato Institucional baixado pelos militares, e sob quaisquer outros pretextos, o artista -subversivo- era preso, contabilizando mais de 70 prisões desde 1947 quando fazia propaganda política em comício do Partido.
O filho relata que, desde os primeiros problemas políticos, ainda na década de 1940, Abelardo era tratado como vagabundo, como todo artista era visto pelas elites atrasadas daquele tempo. Para a família, segundo ele, foi uma vida muito difícil, só compensada pelo otimismo e personalidade dinâmica e carismática do pai. Abelardinho lembra de como os amigos de pelada e papagaio se afastaram dele, como se tivesse uma doença, conforme o pai era considerado um subversivo, pouco depois de ter ocupado o cargo de secretário de Cultura do Recife. A família não tem imagens fotográfica de infância, pois a cada prisão, a polícia destruía e queimava tudo. A obra Meninos do Recife foi queimada em praça pública, junto com a obra do educador Paulo Freire.
Vendo a situação difícil do artista após o golpe, Pietro Maria e Lina Bo Bardi sensibilizam-se e acolhem Abelardo e família em São Paulo, onde passa a trabalhar na extinta TV Tupi, a partir de 1964. Cheio de saudade de sua terra, ele retorna ao Recife em 1968, dedicando-se à pesca enquanto cursa a Faculdade de Direito de Olinda. Nos anos 1970 volta a trabalhar em seu estúdio.
Ao morrer, no ano passado, o artista deixou um busto do camarada Gregório Bezerra inconcluso, sem poder vê-lo instalado na praça Casa Forte, onde ele foi arrastado e deixado em carne viva para a população ver. Abelardinho lamenta que o pai não tenha visto o busto ser colocado ali, embora haja um esforço da Comissão da Verdade local para isso, com forte resistência dos moradores do bairro nobre recifense. À época da tortura escandalosa de Bezerra, ambos ficaram presos na mesma cela minúscula, que não permitia nem sentar, nem deitar com conforto.
Outra obra que deve resgatar aquele período é a reconstrução da Torre de Iluminação Cinética. A obra era como um móbile gigante que ao ser tocada pelo vento, se movia, criando imagens, que os militares identificavam como sendo o ícone comunista da foice e o martelo.
Abelardo deixou o Partido Comunista à época do golpe, por considerar que o enfrentamento aos militares deveria ser pela luta armada, embora fosse quase impossível para ele continuar militando sem risco de morte. Mas, segundo o filho, ele nunca se afastou dos camaradas e dos seus ideais, apenas se desencantando com a militância orgânica.
Cezar Xavier é jornalista e editor executivo do Portal Grabois.