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Brasil

Edição 135 > Reforma Política, cláusula de barreira e a Constituição Federal

Reforma Política, cláusula de barreira e a Constituição Federal

Orlando Silva e Wladimyr Camargos
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A existência de partidos políticos que defendam bandeiras das minorias e representem visões antagônicas e não conformem maioria é própria das sociedades de alta complexidade, como a brasileira. Tentar restringir a participação política destas agremiações de menor sufrágio com cláusulas de barreira é, no mínimo, uma tendência reducionista

Mais uma vez está em discussão na Câmara dos Deputados uma proposta de reforma política com clara orientação para que se restrinja a representação parlamentar de partidos políticos nos âmbitos nacional, regional e local. O principal texto em debate na comissão especial criada para analisar o tema foi elaborado pelo ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) e apresentado através da PEC 352-A, de 2013. Dentre outros aspectos, propõe-se emendar a Constituição Federal para inclusão de pontos afeitos ao instituto denominado -cláusula de barreira-.

A proposição se divide em duas travas ao funcionamento partidário e à representação parlamentar: (1) a vedação de acesso ao financiamento público de campanha, hoje existente através do -fundo partidário-, além do direito à chamada -propaganda eleitoral gratuita- em rádios e TVs a partidos que não tenham alcançado sufrágio mínimo de 5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, distribuídos em ao menos 1/3 dos estados onde tiverem recebido o piso de 3% do total em cada um; e (2) a proibição de se fazer representar na Câmara dos Deputados, nas assembleias estaduais e nas câmaras municipais e do Distrito Federal quando o partido político não tiver obtido o mínimo de 5% dos votos válidos para a casa parlamentar respectiva.

Em 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PCdoB (ADI 1351-3/2007) contrária a dispositivos da Lei nº 9.096, de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), que criava mecanismos de constrição ao funcionamento partidário e de representação parlamentar através do instituto conhecido por -cláusula de desempenho- - para muitos, mera sinonímia da -cláusula de barreira-. Por unanimidade, os membros do STF acompanharam a orientação do relator, ministro Marco Aurélio Mello, declarando a inconstitucionalidade dos pontos da Lei dos Partidos Políticos que criavam as regras de restrição às agremiações partidárias.

Para muitos, a posição do STF teria sido baseada na simples regra da supremacia da Constituição, ou da hierarquia das normas. Em se tratando do caso em específico, a leitura mais aligeirada tendia à impossibilidade de se reformar o sistema eleitoral para a adoção da -cláusula de desempenho- sem a devida previsão do instituto no texto constitucional. Esta suposição, ou interpretação incorreta da posição do STF na ADI já mencionada acima, é justamente o ponto de apoio encontrado pelos defensores das restrições partidárias que se tenta implementar através da reforma política em trâmite na Câmara dos Deputados. A saída jurídica encontrada por estes parlamentares seria emendar a Constituição Federal, de modo a garantir a não interferência do Supremo na -vontade do legislador-.

Há nesta concepção, todavia, uma clara opção por se continuar a desrespeitar nossa Carta fundamental. A ementa do acórdão que resultou do julgamento da ação de inconstitucionalidade proposta pelo PCdoB não faz qualquer menção ao art. 17 da Constituição Federal (CF). Cinge-se apenas a proclamar a incompatibilidade entre o texto constitucional e lei que -afaste o funcionamento parlamentar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário-, em razão da gradação de votos obtidos pela agremiação partidária.

O próprio voto condutor do julgamento, proferido pelo ministro Marco Aurélio, declarou a inconstitucionalidade da lei muito mais baseado em princípios constitucionais do que propriamente no que consta no art. 17 da CF. Buscou, assim, justificar sua posição por considerar como desrespeitados os fundamentos da própria República, localizados no inciso V e no parágrafo único do art. 1º da CF, quais sejam: o pluralismo político e a soberania popular. Posicionou-se também o magistrado pela repulsa à criação de partidos de primeira e segunda classes, o que seria direta ofensa ao princípio da igualdade, resguardado pela Constituição em seu art. 5º, caput.

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio frisou ainda a desarmonia entre a cláusula de desempenho e o sistema principiológico que é resguardado pela Constituição Federal de 1988

Resumindo, surge com extravagância maior interpretar-se os preceitos constitucionais a ponto de esvaziar-se o pluripartidarismo, cerceando, por meio de atos que se mostram pobres em razoabilidade e exorbitantes em concepção de forças, a atuação deste ou daquele partido político (1).

Conforme já mencionado anteriormente, a decisão do STF se deu por unanimidade dos ministros presentes, sendo que todos, sem exceção, basearam seus votos em princípios constitucionais considerados como cláusulas pétreas, senão vejamos os seguintes exemplos: ministro Gilmar Mendes: art. 1º, caput - cláusula democrática, e art. 5º, caput - igualdade; ministro Ricardo Lewandowski: art. 1º, V - pluralismo político, art. 5º, caput - igualdade, e art. 5º, IV e IX - liberdade de expressão; ministra Cármen Lúcia: art. 1º, caput - cláusula democrática, art. 1º, V - pluralismo político; e ministro Eros Grau: art. 1º, V - pluralismo político, art. 5º, caput - igualdade e art. 5º, XVII, XVIII e XIX- direito de associação.

Vale a pena também registrar algumas passagens escolhidas, dos votos dos ministros que declararam a inconstitucionalidade da cláusula de desempenho. A ministra Cármen Lúcia enfatizou a incompatibilidade deste instituto com a própria fundamentação republicana de nossa nação, exposta no art. 1º da CF:

-(...) essa cláusula fere enormemente a Constituição, não apenas no artigo 1º; fere no caput do artigo 1º: o Estado não é democrático quando eu voto, e o meu eleito já entra sabendo não poder ter a participação que eu queria que ele tivesse-.

Esta foi a mesma linha seguida pelo ministro Eros Grau:

-Uma lei tão adversa à totalidade que a Constituição é, tão adversa a esta totalidade que o mesmo partido político pelo qual poderá ter sido eleito o Chefe do Poder Executivo será, sob a incidência de suas regras, menos representativo do que os demais partidos no âmbito interno do Parlamento.

Múltipla e desabridamente inconstitucional, essa lei afronta o princípio da igualdade de chances ou oportunidades, corolário do princípio da igualdade. Pois é evidente que seria inútil assegurar-se a igualdade de condições na disputa eleitoral se não se assegurasse a igualdade de condições no exercício de seus mandatos pelos eleitos.-

E, finalmente, a posição do ministro Gilmar Mendes que, apesar de não demonstrar contrariedade com o instituto da cláusula de barreira per se, insurgiu-se contra a forma como ele havia sido aprovado através da Lei dos Partidos Políticos de 1995:

-Realmente, a fórmula, ainda que compartilhemos do pensamento político, da teleologia quanto à necessidade de governabilidade - esse é um dos pensamentos, um -leitmotiv-, desse tipo de fórmula -, é evidente que aqui há um comprometimento da própria cláusula democrática. Não tenho, portanto, nenhuma dúvida quanto à inconstitucionalidade dessa chamada cláusula de barreira à brasileira-.

Seria o caso de se arguir se a aprovação pelo Congresso Nacional de um texto modificativo da Constituição Federal, no sentido de nela introduzir a cláusula de barreira, ou de desempenho, não seria um ato tido como inconstitucional. Não é mero exercício de sofisma afirmar que sim. É possível o controle constitucional pelo Judiciário sobre as próprias emendas à Constituição. Nessa linha, há jurisprudência do STF que declara a tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais:

-O STF já assentou o entendimento de que é admissível a ação direta de inconstitucionalidade de emenda constitucional, quando se alega, na inicial, que esta contraria princípios imutáveis ou as chamadas cláusulas pétreas da Constituição originária (art. 60, § 4º, da CF). Precedente: ADI 939 (RTJ 151/755)» (ADI 1.946-MC, relator ministro Sydney Sanches, julgamento em 29-4-1999, Plenário, DJ de 14-9-2001.)

Se o precedente acima reforça a imutabilidade das cláusulas pétreas, também há que se verificar que o ponto fulcral do julgamento do STF sobre a adoção da cláusula de desempenho em 2006 encontra-se, como se viu, na constatação de que sua existência fere de morte os princípios constitucionais da soberania popular, do pluripartidarismo, da liberdade de associação e da livre manifestação. Mais do que isso, seria uma verdadeira afronta à preservação dos preceitos fundamentais que protegem a igualdade jurídica, a isonomia constitucional, a -igualdade de chances-.

Estes são fundamentos tão essenciais ao Estado Democrático de Direito, à democracia liberal, que foram resguardados pelo constituinte de 1988 como imutáveis, não sendo passíveis, consequentemente, de serem retirados ou modificados via emenda constitucional. Trata-se da tese já exposta pelo STF de que não cabe ao constituinte derivado (parlamentares eleitos já sob a égide de um novo regime constitucional) contrariar a vontade do constituinte originário, ou, em nosso caso, aquele que serviu à Assembleia Constituinte instalada em 1987, naquilo que se considera como o núcleo duro constitucional.

Este é um debate político e jurídico de tal modo tão arraigado à cultura liberal que surgiu justamente com a própria construção do Estado constitucional norte-americano no final do século XVIII. Refratários à ideia de que uma maioria facciosa de ocasião pudesse vir a desvirtuar a vontade dos -pais fundadores- dos Estados Unidos da América, os delegados à Convenção da Filadélfia de 1787 concluíram por um modelo de rigidez constitucional. A possibilidade de emenda à Constituição Estadunidense é resguardada por um processo complexo e tortuoso, sujeito à formação de amplas maiorias e ratificações pelos estados que compõem a União.

O maior expoente dentre os -pais fundadores-, acerca do debate entre a restrição dos ímpetos da maioria pós-constitucional, foi James Madison. Logo após a Convenção da Filadélfia, iniciou-se um período de grande luta política e debates em torno da ratificação da constituição pelos estados confederados. Os defensores de uma República federativa, dentre eles Madison, em confronto com os que propugnavam por uma mera confederação, publicaram vários artigos, depois reunidos em uma coletânea intitulada Os Federalistas. No chamado -Federalista nº 10-, Madison discutia o direito ao qual o constituinte originário de Filadélfia teria de vincular as gerações vindouras contra a opressão da maioria sobre os direitos assegurados às minorias. É como se já imaginasse as precipitações que no futuro poderiam se canalizar para a ameaça à integridade da União, à soberania nacional dos EUA e à própria constitucionalização da federação que se pretendia ver criada. A solução apontada por Madison naquele momento foi a adoção de mecanismos de filtragem da representação popular.

O filósofo norueguês Jon Elster alcunhou esta forma de preservação dos valores originais da nação como -pré-compromisso constitucional-. Em seu livro Ulisses Liberto, este autor compara a situação de um pré-compromisso constitucional à alegoria em torno de Ulisses, na Odisseia, quando ordenou aos marujos que o atassem ao mastro do barco e pusessem cera em seus ouvidos para que não fosse encantado pelo -canto das sereias-. Em outras palavras, o constituinte originário impôs ao constituinte derivado formas de controle para que as maiorias de ocasião não pudessem, perante o -canto das sereias-, submeter as minorias e desvirtuar a essência da constituição da nação.

Ainda que a historiografia tenda a apontar a defesa empreendida por Madison e demais federalistas como elitista e protetiva de seus interesses de classes contra as maiorias não proprietárias, a Revolução Norte-Americana deixou como indiscutível legado os fundamentos universais à proteção jurídica à existência e representação de minorias políticas. Isto, aliado ainda ao controle de constitucionalidade também formulado na fase de consolidação da nação estadunidense, foi incorporado à tradição constitucional brasileira. Em 1988, com a redemocratização do país, o sepultamento do bipartidarismo criado pela ditadura militar e o consenso em torno da necessária adoção de mecanismos de controle da maioria em seus impulsos eliminatórios dos direitos das minorias, houve ampla previsão pela nova Constituição de mecanismos de prevenção à opressão política por grupos majoritários contra os de menor representação.

A existência de partidos políticos que representem visões antagônicas e não conformem maioria é própria das sociedades de alta complexidade, como a brasileira. Tentar justificar a vedação de funcionamento parlamentar e ao acesso aos mecanismos públicos de financiamento e divulgação de atividades partidárias às agremiações de menor sufrágio como panaceia para a resolução de problemas da baixa representatividade de partidos majoritários e malversação de recursos públicos é, no mínimo, uma tendência reducionista. Não se resolvem problemas próprios da contemporaneidade meramente na tentativa de redução da complexidade que nos cerca. A vida em sociedade continuará complexa e a forma plúrima de representação social, mormente através do pluripartidarismo que marca a história da democracia brasileira, é meio avançado de se enfrentar os dilemas que nos são apresentados. A postura pela -exclusão do outro- representa ameaça à democracia.

Há que se recordar que a proibição de registro e funcionamento do Partido Comunista do Brasil no passado se deu através de manobras jurídicas. A proteção dada pela Constituição Federal atual à organização e plena representatividade dos parti­dos políticos assenta-se na reação do constituinte de 1988 justamente a este tipo de desmando, de golpe branco, resguardando como cláusulas pétreas constitucionais os direitos de as minorias poderem também algum dia se constituírem em maioria.

* Orlando Silva é deputado federal e presidente do Comitê Regional do PCdoB em São Paulo. Wladimyr Camargos é advogado, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás e doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília

NOTA

(1) As citações referentes à ADI 1351-3/2007 podem ser encontradas na publicação eletrônica da íntegra do respectivo acórdão, disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp-docTP=AC&docID=416150

Referências Bibliográficas

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra, Portugal: Almedina, 2003.

ELSTER, Jon. Ulisses liberto: estudos sobre a racionalidade, pré-compromisso e restrições. Tradução de Cláudia Sant-Ana Martins. São Paulo: UNESP, 2009.

HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro - estudos de teoria política. Tradução de George Sperber, Paulo Astor Soethe e Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2002.

_____________. -A political constitution for the pluralist world society--. In: Sociology Colloquia Series: Fall 2005. EUA: Yale University, 2005.

MÜLLER, Friedrich. Quem é povo- A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Nauman. São Paulo: Max Limonad, 1997.

ROSENFELD, Michel. A Identidade do Sujeito Constitucional. Tradução de Menelick de Carvalho Netto com revisão técnica de Maria Fernanda Salcedo Repolês. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

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