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Edição 130 > Reforma Urbana, questão essencialmente política

Reforma Urbana, questão essencialmente política

Luciano Siqueira*
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Na frente do movimento social, urge retomar a bandeira da Reforma Urbana com força, associada às demais reformas estruturais democráticas. Sem a pressão popular, nenhuma dessas reformas se concretizará. E na frente eleitoral, de partidos políticos de esquerda e progressistas, cabe incluir com destaque as reformas estruturais, em especial a urbana, na plataforma da presidenta Dilma e de candidatos em nível federal e estadual

A afirmação que dá título a este artigo parece óbvia, mas é necessária. Em mais de cinco décadas, o movimento social e a comunidade técnica (urbanistas em especial) - por caminho difícil, sinuoso, mas progressivo - produziram conteúdo programático sobre a questão urbana consentâneo com as necessidades objetivas do desenvolvimento do país na atualidade. Entretanto, os poderes Executivo e Legislativo, nos três níveis federativos, têm se mostrado lenientes na viabilização da Reforma - que segue atrasada e claudicante. As manifestações de junho do ano passado, em que mais de um milhão de brasileiros foi às ruas reclamar das condições de vida nas cidades, em particular da má qualidade dos serviços públicos, recolocaram o tema na ordem do dia.

A realização da 5ª Conferência Nacional das Cidades, por seu turno, em novembro do ano passado, se propôs retomar a empreitada. Como a própria presidenta Dilma assinalou na ocasião, -foram os movimentos populares que lutaram pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e que por sua vez possibilitou a implantação do Minha Casa Minha Vida. Foi a luta que levou à criação do Ministério das Cidades. Muito foi feito, mas as pessoas têm pressa-.

O impasse urbano

Na verdade, na sequência da -explosão urbana-, que mudou radicalmente a distribuição espacial da população brasileira (em 1940 residiam nas cidades apenas 31% dos brasileiros; por volta dos anos 1980, nelas já se encontravam mais de 75% da população; e em 2000, 82%, segundo os critérios do IBGE), o crescimento populacional sob a estagnação econômica (as chamadas -décadas perdidas-) impôs às cidades novos desafios. A gama de dinâmicas - demográfica, social, econômica, urbana e ambiental - que impulsiona alterações no perfil da ocupação e do uso do território levou ao agravamento das desigualdades socioespaciais.

Como indicam as estatísticas disponíveis, o crescimento das metrópoles perde terreno para as cidades de porte médio (de 100.000 a 500.000 habitantes), tanto do ponto de vista da produção de riquezas como da população. Isto num ambiente crescentemente explosivo, sob rebaixamento de políticas sociais e de primazia de políticas de alta concentração da renda e da riqueza e de exclusão social, que marcou os anos 1980 e 1990 e se estendeu pelos dois governos FHC. Como menciona o texto de referência da 5ª Conferência Nacional das Cidades, verifica-se hoje, -de um lado, o aprofundamento da periferização das grandes metrópoles, com o aumento populacional nos municípios da fronteira metropolitana e expansão das favelas e loteamentos irregulares; de outro, o aparecimento de núcleos de classe média e condomínios fechados na periferia, tornando o espaço urbano mais complexo, desigual e heterogêneo.- (1).

Acresce que, conforme demonstra Marcelo Neri (2), entre 2003 e 2013, com a retomada do crescimento econômico e a adoção de políticas sociais inclusivas, cerca de quarenta milhões de brasileiros ingressaram na chamada -classe média-, incorporando-se ao sistema de produção de bens e serviços e ao mercado de consumo - e, como consequência, ampliando significativamente as demandas por serviços públicos de qualidade.

Nesse contexto, acirra-se a contradição entre as muitas modalidades de acumulação e reprodução do capital (o capital imobiliário principalmente) e a necessidade de acesso a bens e serviços, pela maioria da população, que viabilizem a cidade como direito de todos e ambiente mais humano de convivência.

Uma luta prolongada e oscilante

À semelhança das demais reformas estruturais, a Reforma Urbana percorre trajetória prolongada, que já dura cinco décadas. Tem como ato inaugural o Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, ocorrido em 1963, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, onde se formulou as bases de um Projeto de Lei. Perde força na primeira década do regime militar; recrudesce nos anos 1970, com a disseminação do movimento de associações de bairros por moradia, regularização dos loteamentos clandestinos, pelo acesso aos serviços de educação e saúde e pela implantação de infraestrutura nas áreas de ocupação; e nos anos 1980, no frigir do processo constituinte, toma impulso com a criação do Movimento Nacional pela Reforma Urbana. Acumula expressivas vitórias com a aprovação, em 1979, da Lei 6.766, que regula o parcelamento do solo e criminaliza o loteador irregular; com a introdução do capítulo temático específico na Constituição de 1988 (artigos 182 e 183) (3) e, onze anos após, com a promulgação da Lei nº 257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade - que, no dizer de Raquel Rolnik (4), é -o marco regulatório da política urbana no Brasil inserido no âmbito das reformas políticas e jurídicas anunciadas pela Constituinte de 1988.-

Vale anotar que do Seminário do Quitandinha ao Movimento Nacional pela Reforma Urbana e o Fórum Nacional pela Reforma Urbana (criados nos anos 1980), dá-se uma evolução conceitual importante - do planejamento territorial e da moradia à inclusão de questões novas, impostas pelo crescimento desordenado e desigual das cidades, como a crise de financiamento do Estado, a expansão das zonas de ocupação ilegal, a expulsão branca da população de menor renda para as cidades periféricas, a fragmentação socioterritorial, a ineficiência das políticas públicas em vigor - acentuando a defesa dos denominados direitos urbanos, a função social da propriedade e a introdução de instrumentos de participação na gestão pública.

Desse modo, a emenda popular apresentada à Assembleia Constituinte, que reuniu 131 mil assinaturas (5), traduz esse avanço conceitual. Abarca a regularização fundiária das -ocupações-, a observância da função social da propriedade, programas habitacionais prioritariamente para atender à população de baixa renda, transporte urbano como direito do cidadão, com tarifas compatíveis com a massa salarial; além de mecanismos de gestão democrática da cidade - conselhos democráticos, audiências públicas, plebiscitos, referendo popular, iniciativa legislativa e veto às propostas do Legislativo.

Segue avançando com a assunção de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, quando se cria o Ministério das Cidades, precisamente destinado a implementar os propósitos essenciais da Reforma Urbana, que chegou a esboçar um Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano voltado, com ênfase na habitação de interesse social, ao saneamento e à regularização fundiária.

Já no segundo governo Lula, em decorrência de alterações na composição da coalizão governista, mediada pela correlação de forças no Parlamento, o Ministério das Cidades transfere-se a uma direção conservadora e gradativamente se exime da agenda que deveria favorecer a Reforma Urbana - destacadamente a instauração, mediante Projeto de Lei, de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano.

Concomitantemente, no âmbito da sociedade, a bandeira da Reforma, se não foi arriada, passou a tremular mais timidamente, inclusive nas mãos de líderes e organizações populares, circunstancialmente empenhados em viabilizar projetos locais de habitação, financiados pelo Ministério, tão necessários quanto absorventes e diversionistas. Fato emblemático é que nas manifestações de junho de 2013 não se viu uma faixa ou um cartaz sequer pleiteando a Reforma Urbana - mesmo quando organizações populares e democráticas passaram a delas tomar parte -, a despeito de que as reivindicações expostas, na ocasião, de modo tosco e dispersivo, fossem parte essencial do conteúdo da Reforma.

Nessa mesma linha, o tema comparece pouco ou se faz ausente no discurso de governantes, dirigentes do movimento social, parlamentares - permanecendo quase circunscrito aos círculos de pesquisadores e urbanistas. O Partido Comunista do Brasil, contrariando a regra, tem sustentado, desde a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987-88 e em seu Programa (6), a Reforma Urbana como uma das reformas estruturais - ao lado das reformas Agrária, Tributária, Educacional, Política, da Mídia e do Judiciário - imprescindíveis ao processo civilizatório brasileiro, consubstanciando um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.

Essa trajetória oscilante se insere, em boa medida, na tradição brasileira de reformas que, sob vigência da ordem democrática, sempre trilharam caminho cumulativo - e não de ruptura -, prolongado, sujeito a conquistas e a retrocessos, dependente da correlação de forças e do grau de mobilização social - como o próprio processo de superação do modelo neoliberal, que transcorre há onze anos, a partir do primeiro governo Lula.

Em consequência, têm prevalecido a dispersão e a compartimentação de políticas públicas com incidência urbana (habitação, saneamento, mobilidade, sustentabilidade ambiental etc.). Assim tem sido quando, no período Lula-Dilma, muitos investimentos são feitos em infraestrutura urbana e, inclusive, com as chamadas -medidas anticíclicas- adotadas com a eclosão da crise global em 2008, especialmente a isenção fiscal parcial à indústria automobilística e o Programa Minha Casa Minha Vida - privados de efetivos mecanismos preventivos do caos urbano.

Como bem observa Ermínia Maricato, com o programa Minha Casa Minha Vida, -o governo federal pela primeira vez na história do Brasil aportou subsídios para atender a população de baixa renda-, porém induziu uma explosão no preço dos imóveis, que acabou drenando o subsídio e desencadeando absurdo aumento do preço do metro quadrado dos imóveis, que em três anos chegou a 151% em São Paulo e 185% no Rio de Janeiro (7).

Nessa linha de desarticulação das políticas urbanas, estima-se a existência de mais de 3,5 milhões de moradias de interesse social, que podem ser consideradas -não-inclusivas-, situadas em ambientes de -não-cidade-, porque a política habitacional, no caso, não interagiu adequadamente com as políticas de saneamento, mobilidade e de geração de emprego e renda.

Afetando diretamente a mobilidade urbana, os automóveis comparecem com 65,9% da atual frota brasileira de veículos automotores; as motos com 26,2%; enquanto outros tipos de veículos representam 7,9% - um fator de agravamento da mobilidade urbana nas grandes e médias cidades (8).

Oportunidade para avançar

O agravamento dos problemas urbanos e o incremento da insatisfação popular constituem, junto com as eleições gerais deste ano, ambiente social e político propício.

Na frente governamental, se é certo que a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade, a Lei de Consórcios Públicos (que possibilita quatro tipos de consórcios: entre municípios; entre os municípios e o estado; entre o estado e a União; entre os três entes, União, estado e município para intervenções urbanas), o Plano Nacional de Habitação, a Lei Federal de Saneamento Básico, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10), a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12) constituem um arsenal jurídico-formal avançado; todavia, ainda há um vácuo institucional a ser preenchido, para superar a fragmentação e a compartimentação dessas políticas públicas.

A instituição do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU) - pactuado desde a 2ª Conferência Nacional das Cidades, em 2005 (9) - através de Projeto de Lei a ser encaminhado ao Congresso Nacional, impõe-se como mecanismo necessário à concretização da Reforma Urbana.

O SNDU permitirá que a gestão pública opere segundo diretrizes que integrem as políticas setoriais de incidência urbana; assegurem a integração vertical entre os entes federados, definindo claramente níveis de responsabilidade; escoimem o emaranhado de dispositivos legais (na esfera municipal, sobretudo) de obstáculos à plena aplicação do Estatuto da Cidade; direcionem recursos para as políticas urbanas de modo equilibrado, no espírito do Pacto Federativo, dando sustentabilidade às ações e aos projetos no âmbito dos estados e municípios; e valorizem as Conferências e os Conselhos como instrumentos de gestão democrática e participativa.

E como corolário da instituição do SNDU, a formatação de um projeto estratégico para as cidades brasileiras, que considere as interfaces das ações de regulação do uso e ocupação do solo, da habitação, do saneamento ambiental integrado, da mobilidade, do transporte público e da segurança do cidadão. 

Ademais, avançar na superação dos condicionantes macroeconômicos herdados da Era FHC, que persistem, para financiar o desenvolvimento. Reordenar a vida nas cidades, requalificando os serviços públicos essenciais, assegurando oportunidades de trabalho, acesso à educação pública de qualidade e à atenção á saúde, implicam pesados investimentos. Assim, no bojo de -uma nova arrancada por mais democracia, mais desenvolvimento e progresso social- (10), arrostando a permanente pressão da oposição conservadora, faz-se necessário criar um sistema de intermediação financeira através da rede pública de bancos, destacadamente o BNDES, para deslocar recursos para setores-chave como infraestrutura, incluindo as grandes intervenções urbanísticas. Adotar política macroeconômica indutora de crédito com taxa de câmbio que permita competitividade internacional e exploração de todas as potencialidades das Parcerias Público-Privadas (PPPs), conforme sugere Renato Rabelo (11).

Na frente do movimento social, urge retomar a bandeira da Reforma Urbana com força, associada às demais reformas estruturais democráticas, fundindo-a às pautas reivindicatórias de associações e conselhos de moradores, sindicatos, entidades científicas, acadêmicas, culturais e estudantis e organizações democráticas e populares em geral, movimentos de mulheres, negros, ambientalistas, LGBT, além de partidos políticos de esquerda e progressistas. Sem a pressão popular, nenhuma dessas reformas se concretizará.

Na frente eleitoral, durante a campanha que se avizinha, cabe incluir com destaque as reformas estruturais - a Reforma Urbana em especial - na plataforma da presidenta Dilma, de candidatos progressistas a governador e ao Parlamento, em nível federal e estadual, dando conteúdo avançado ao novo pacto político e social a emergir das urnas.

* Luciano Siqueira é médico, escritor e vice-prefeito de Recife.

Notas

(1) -Quem muda a cidade somos nós: Reforma Urbana já!- - texto para lançamento da 5ª Conferência Nacional das Cidades. Conselho Nacional das Cidades, Brasília, 1º de março de 2013.

(2) NERI, Marcelo. A nova classe média - o lado brilhante de nossa pirâmide. São Paulo: Saraiva, 2011.

(3) Senado Federal: Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

(4) ROLNIK, Raquel. 10 anos do Estatuto da Cidade - das lutas pela Reforma Urbana às cidades da Copa do Mundo. In: www.raquelrolnik.wordpress.com

(5) Jornal da Constituinte, Brasília, 30 de agosto, 1987.

(6) Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Programa Socialista. In: www.pcdob.org.br

(5) MARICATO, Ermínia. -Reforma Urbana: Limites e Possibilidades. Uma Trajetória Incompleta-. In: RIBEIRO, Luiz César de Queiroz & SANTOS JR. Orlando Alves dos (orgs.). Globalização, Fragmentação e Reforma Urbana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.

(7) -Nossas cidades são bombas socioecológicas-. Entrevista de Ermínia Maricato à revista Teoria e Debate. In: www.teoriaedebate.org.br - edição 115, agosto de 2013.

(8) RODRIGUES, Juciano Martins. Crise da mobilidade urbana: Brasil atinge marca de 50 milhões de automóveis. Observatório das Metrópoles, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia. Novembro, 2013.

(9) Resoluções da 2ª Conferência Nacional das Cidades. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Ipea, Brasília, dezembro de 2005.

(10) Resolução Política do 13º Congresso do PCdoB: Batalhar pelas reformas estruturais, fortalecer o Partido, assegurar a quarta vitória do povo! Brasília, novembro de 2013. In: www.pcdob.org.br

(11) RABELO, Renato. Projeto para uma nova etapa de desenvolvimento. Fundação Maurício Grabois, Seminário de Estudos Avançados da Escola Nacional do PCdoB. São Paulo, julho de 2013. In: www.fmauriciograbois.org.br

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