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Resenhas

Edição 112 > Conhecimento e renovação da cultura marxista

Conhecimento e renovação da cultura marxista

A. Sérgio Barroso
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Dois instigantes fatos jogaram luz de intenso brilho à cultura marxista no Brasil, no último março.

Esteve conosco o pesquisador alemão Rolf Hecker [1], há 30 anos estudioso da MEGA (Marx-Engels- Gesamtausgabe), um gigantesco compêndio de todos os escritos até agora encontrados de Marx e Engels. Novos nexos da teoria revolucionária, aprofundamentos e traduções revisadas certamente tornarão mais vasta a fortuna editorial da ciência social mais avançada do nosso tempo.

Bem à ribalta, exibiu-se no Rio de Janeiro e em São Paulo a Ópera dos vivos, espetáculo teatral escrito e dirigido por Sérgio de Carvalho. Trata-se duma estética das forças e fraquezas humanas circundantes ao golpe de 1964, de franca inspiração brechtiana [2]: se expulsa a pontapés a obesa alienação artística contemporânea fabricada pelos -mercados-.

Pois bem, mais uma grata surpresa: esses dois -movimentos- aparecem perfeitamente integrados em Cultura, Arte e literatura. Textos escolhidos - Karl Marx e Friedrich Engels, coletânea organizada e traduzida com esmero pelos pesquisadores José Paulo Netto e Miguel Yoshida. Porque, além das maravilhosas passagens - inúmeras inéditas a leitores brasileiros - de dois gigantes do pensamento revolucionário, a compilação traz, a meu juízo, um enfoque introdutório de particular significado.

Notadamente no Prólogo do raramente conhecido marxista russo Mikhail Lifschitz assoma uma desveladora interpretação das concepções teórico-metodológicas de Marx e Engels cotejadas com o vagalhão das confluências culturais [3].

Assinalando que aqueles dois não ignoravam ser as -tendências dogmáticas- no movimento operário uma consequência da -invasão de literatos e professores- que então surfavam no crescimento dos partidos revolucionários de massas, Lifschitz identifica que a -concepção vulgar da teoria revolucionária- termina por reduzi-la a um -somatório de conclusões abstratas- (p. 40). Bem como registra numa correspondência de Engels a Lafargue a incômoda presença dum -motim de literatos- esquerdistas encharcados de ideias revisionistas, depois reconhecidas pelos ditos como ideias -que oprimem a individualidade criadora-, escreve Lifschitz (ibidem).

Curioso perceber a atualidade da angular em que o marxista russo buscava captar o futuro do desenvolvimento da teoria: Marx e Engels -eram implacáveis-, inclusive com companheiros de luta (como W. Liebknecht) quando neles identificavam -a menor tendência a abordar dogmaticamente os fenômenos da realidade- - enfatiza (p. 41).

Para Lifschitz, apesar da estatura de Lafargue, F. Mehring ou G. Plekhanov, o desaparecimento dos fundadores do socialismo científico coincide com o declínio do marxismo da época da II Internacional. Não à toa procederam-se os -ataques dos revisionistas contra o método dialético, contra a teoria da revolução social e outros pontos importantes da obra de Marx e Engels- (ibidem); a problemática sofreu decidido enfrentamento por Lênin, afirma.

Ademais, nesta densa e inusual aproximação ensaística à estética marxista, Mikhail Lifschitz deixa clara a visão histórica de Marx e Engels, avessa à exploração do lamento sentimental -diante da decadência dos direitos patriarcais e da poesia do passado-. Ao contrário, neles há uma nova estética assentada nos impulsos das transformações econômicas revolucionárias da sociedade mercantil capitalista, onde, numa perspectiva histórica abrangente, -estes progressos são úteis também para o progresso artístico da humanidade- (p. 59). Assim, o tema nuclear de que o fim da propriedade privada traria o desaparecimento do -maior obstáculo para o florescimento da criação artística- constituiria -a ideia principal da estética histórica de Marx e Engels-, conclui Lifschitz. (p. 61).

Conteúdos e conexões à criação artística

São incontáveis as referências dos pensadores comunistas a interlocutores e grandes autores da criação artística e literária, espalhados mundo afora - o que empresta formidável riqueza à coletânea.

Breves exemplos: numa carta a Margaret Harkness (1888), Engels opina que Balzac - -que considero um mestre do realismo maior que todos os Zola do passado, do presente e do futuro- - apresenta em Comédia humana, a -mais extraordinária história realista da sociedade francesa- (p. 69). Ou ainda, novamente Engels no artigo -Como não [se] deve traduzir Marx-: para se traduzir um livro como O Capital, -não basta conhecer o alemão literário. Marx recorre livremente a expressões da vida cotidiana e a giros idiomáticos de dialetos provinciais. (...) suas citações são extraídas de uma dezena de idiomas- (p. 94).

Marx, onde em passagens dos Manuscritos econômico- filosóficos de 1844 já anuncia que o dinheiro -é, pois, o objeto como possessão eminente-; assim como a -universalidade de sua propriedade é a onipotência do seu ser- - então funciona como ser todo-poderoso -, analisa que Shakespeare (em Tímon de Atenas) -descreve de maneira excelente a verdadeira natureza do dinheiro- (p. 143-45) [4]. Num trecho de A Ideologia Alemã, ao comparar a construção artística de Rafael, Leonardo da Vinci e Tiziano, Marx encontra a influência de Roma sobre Florença, em Rafael; as de Da Vinci pela situação florentina; e, depois, as de Tiziano pelo -desenvolvimento, totalmente distinto de Veneza- (p. 167). Rafael - diz Marx -, tal como qualquer outro artista, estava sob -influência do progresso técnico da arte (...) da organização da sociedade e da divisão do trabalho em sua localidade- (ibidem).

Mas, em se tratando do essencial, Cultura, arte e literatura não poderia esquecer uma contribuição de Engels ainda hoje desconhecida para muitos seguidores da teoria marxista, no que tange às determinações econômicas de -última instância- à ideologia. De fato, impossível explicar o florescimento excepcional das filosofias francesa e alemã, (séculos XVIII-XIX), se comparado ao desenvolvimento do capitalismo originário inglês. Porque o -desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso, literário, artístico etc. se funda no desenvolvimento econômico. Mas esses elementos interagem entre si e reatuam também sobre a base econômica- [5].

A. Sérgio Barroso é médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp e diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois.

Notas

1- Princípios entrevistou o professor Hecker para a próxima edição.

2- Como bem diz Fredric Jameson, -em Brecht é menos uma questão de situar um dado indivíduo numa classe social preexistente, com seus valores ideológicos e aparência específicos, do que transcender o duplo padrão de eventos individuais e coletivos. É como se recontar eventos individuais enquanto históricos não fosse uma técnica satírica mas também um novo modo de autoconhecimento- (O método Brecht, Vozes, 1999, p. 91).

3- O estudo traz ainda Introdução aos escritos Estéticos de Marx e Engels, instrutivo ensaio de G. Lukács.

4- Marx transcreve do poema de Shakespeare: -Metal desgraçado, oh ordinária meretriz do gênero humano, Que semeia discórdia entre os povos- (p.144).

5- F. Engels, Carta a H. Starkenburg, 25 de janeiro de 1894. (Cultura..., p. 104-5).

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