Economia
Edição 108 > As perspectivas do capitalismo mundial
As perspectivas do capitalismo mundial
A crise impossibilita o retorno da economia ao seu rito regular como no passado. Apesar dos trilhões de dólares gastos, os indícios pessimistas fomentam as preocupações em todo o mundo. O risco de um novo agravamento é alto. A tormenta tem provocado asfixia mundial de crédito e dissolução do sistema bancário

A crise financeira mundial, iniciada em setembro de 2008, fez deslanchar o mais dramático processo de mudança do sistema capitalista desde seu alvorecer, há três séculos. Já é uma crise maior e mais profunda que a Grande Depressão. Diferente desta, que não afetou o núcleo do sistema bancário norte-americano – nos anos 1930 só quebraram pequenos e médios bancos, milhares até, porém, nenhum grande –, a atual crise levou à bancarrota os maiores bancos comerciais dos Estados Unidos, que só sobreviveram graças à injeção de trilhões de dólares do Tesouro e do FED, o banco central do país. Assim, do lado do passivo, esses bancos foram de fato estatizados.
Os economistas neoliberais não entenderam essa crise. Em seus modelos, os ciclos econômicos não deveriam existir mais, ou seja, o neoliberalismo com os mercados autorregulados deveriam levar à prosperidade perpétua. Contudo, também a maioria dos economistas progressistas deu e continua dando uma explicação equívoca para ela. Pela interpretação padrão, estamos numa crise cíclica do tipo Minsky, isto é, um ciclo recorrente de especulação que leva ao boom, do boom que inevitavelmente explode, o que leva a iniciativas de regulação por parte das autoridades financeiras, o que acaba sendo contornado de novo pelos especuladores, levando a novo boom e nova queda.
O ciclo Minsky existiu no passado. Ele está agora misturado na atual crise, mas não define a crise. A meu ver, esta não é a simples repetição de um ciclo especulativo, mas, sim, uma crise terminal do neoliberalismo, que acabará por levar a uma mudança paradigmática do capitalismo com o enterro cabal do liberalismo econômico. A razão é simples: a desregulação financeira iniciada nos anos 1980 mudou o funcionamento do sistema bancário comercial dos EUA, ou seja, do coração do sistema bancário mundial. O banco comercial tradicional captava recursos à vista e os aplicava a prazo. Na nova arquitetura dos anos 1980 para cá, ele se viciou em também aplicar somente em curto prazo.
A consequência dessa mudança é que os grandes bancos comerciais dos Estados Unidos, assim como os de Inglaterra, Alemanha e Japão, já não “criam” moeda nem estimulam o crescimento do lado real da economia. Ganham bilhões em serviços na transação com moedas (3 trilhões de dólares ao dia), na arbitragem com títulos públicos (o dinheiro que o Banco Central lhes empresta é mais barato que o ganho com a compra de títulos públicos) e na intermediação de debêntures e bônus. O acesso a estes últimos se limita a grandes empresas. Pequenas e médias têm crescentes restrições de crédito. De fato, no ano passado, os bancos contraíram o crédito nos EUA em 7,5%.
Essa contração do crédito, fazendo empacar a recuperação norte-americana, está mais ou menos clara nas estatísticas. O que é menos evidente é que, pela lógica atual do sistema bancário comercial, isso não pode ser muito diferente. Os bancos estão carregando ativos podres da ordem de 3,5 trilhões de dólares. Eles já foram beneficiários de uma mudança na legislação contábil que os dispensa de atualizar perdas futuras, mas é óbvio que não poderão escamotear dívidas vencidas. Assim, para ir dando baixa do ativo podre, na data do vencimento, terão de produzir imensos lucros a qualquer custo. Obviamente não será emprestando a pequenas e médias empresas, se têm melhor alternativa no mercado seguro dos serviços financeiros. Com isso, o lado da economia que efetivamente define uma recuperação do produto e do emprego, as PME, está condenado a não ter financiamento. Este é o quadro financeiro nos EUA. Vejamos agora seus efeitos no lado real nos próprios EUA e no mundo.
1. A situação mundial
Depois da forte contração generalizada no ano passado, os três principais blocos econômicos do mundo (EUA, União Europeia e Japão) se debatem com recessão ou com o risco de nova contração este ano. De fato, a economia norte-americana, a despeito do crescimento anualizado de quase 5,9% no último trimestre de 2009, até o momento não deu sinais de uma retomada vigorosa depois da queda de 2,4% no ano passado, sobretudo em relação a pequenas e médias empresas cujo desempenho tem forte impacto no mercado de trabalho. A expansão se limita às grandes corporações, que têm acesso ao mercado externo (asiático) e ao mercado financeiro mundial, através do mercado acionário e do lançamento de debêntures e bônus.
Sem recuperação firme nos Estados Unidos dificilmente a Europa Ocidental evitará uma nova contração este ano. Os riscos sociais e políticos são imensos. A Grécia é apenas um sintoma: revelou a inviabilidade de um sistema monetário baseado na moeda comum, o euro, gerido pelo BCE de forma inteiramente desvinculada do sistema fiscal, o que tirou qualquer possibilidade de atuação fiscal-monetária anticíclica dos governos nacionais diante da crise. Como se verá adiante, a ortodoxia econômica aplicada à Grécia é autofágica: as medidas adotadas para reduzir o déficit público certamente resultarão em mais déficit como relação do PIB, e em mais medidas contracionistas, já que o mercado exige taxas de juros crescentes para refinanciar sua dívida pública.
O que acontece na Grécia se repetirá em Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e na própria Inglaterra, embora, neste último caso, sendo o país fora da zona do euro, uma inevitável desvalorização da libra poderá adiar um pouco as consequências da crise, à custa da queda dos salários reais, porém sem efeito relevante sobre exportações. No Leste da Europa vários países apresentam aguda vulnerabilidade financeira e econômica. O receituário para enfrentar a crise que está sendo adotado parte de um diagnóstico de que se trata de um problema fiscal, não de um problema de demanda. Em grande parte está sendo imposto pela Alemanha – sob pretexto de o povo alemão ser contra qualquer medida para “salvar” a Grécia de seus excessos de gastos fiscais.
Acontece que a Alemanha, com seu fundamentalismo ortodoxo, está eliminando grande parte de seu próprio mercado, na medida em que mais de 40% de suas exportações, em tempos normais, são destinados à própria Europa, e nada menos do que 12% aos países do continente acima mencionado. Se a Grécia e os demais países a que pejorativamente chamam de PIIGS entrarem em bancarrota, a Alemanha e a França inexoravelmente seguirão atrás, com uma defasagem de um ou dois anos, ou até menos, porque não terão a quem vender grande parte de sua produção, em especial de máquinas e equipamentos. Todo o sistema financeiro europeu colapsará. Com a economia, seu sistema social acabará por entrar em crise; e vai se seguir logo a crise política.
Com o inevitável prolongamento da recessão nos Estados Unidos e na Europa, o Japão, que teve uma contração de 6% no ano passado, dificilmente poderá crescer e ter uma função relevante na recuperação do mundo. Assim, as três tradicionais locomotivas do crescimento planetário estão emperradas. Quem cresce no mundo é a China e a Índia. Como se verá adiante, embora essas duas economias estejam desempenhando um papel indutor do crescimento na Ásia e, marginalmente, também na parada da contração no Brasil, elas não têm como carregar todo o mundo nas costas.
2. Estratégias de saída pelo lado fiscal
Por espantoso que seja, as agências multilaterais – notadamente FMI, Comissão Europeia e OCDE –, assim como os economistas ortodoxos, mostram-se menos preocupados com a situação objetiva da União Europeia do que com os indicadores fiscais. A piora destes últimos foi resultado direto das medidas monetárias e fiscais que, no início da crise, foram acionadas para evitar o colapso do sistema bancário e financeiro. Contudo, essas medidas não foram suficientes para garantir uma retomada da demanda e do investimento, tendo tido efeito somente na órbita financeira em favor dos credores que se haviam enriquecido na voragem especulativa anterior. De fato, como visto no início, o sistema bancário comercial não voltou a uma função “normal”.
Como consequência, a quase totalidade dos países da UE explodiu os limites do déficit público (3% do PIB) e da dívida pública (60%) fixados como parâmetros para entrada e participação na Europa do euro. Se o déficit não garantiu a retomada, o que se faz necessário é uma nova rodada de déficit, pois com a demanda europeia em crise não há perspectiva de recuperação do investimento privado e também da demanda de exportações, em face da violenta contração (11% em volume e 25% em valor no ano passado) do comércio mundial. É, pois, o gasto público deficitário a única alternativa para a retomada do crescimento na Europa, favorecendo a retomada do comércio mundial.
Acontece que a Europa do euro encontra-se numa arapuca financeira, construída em torno de uma moeda cujo emissor, o BCE, é desvinculado dos tesouros nacionais. É que o bloco não pode recorrer a políticas fiscal-monetárias anticíclicas, porque o BCE está impedido de comprar títulos emitidos pelos tesouros nacionais para facilitar o financiamento das dívidas nacionais. Com isso, os governos ficam reféns dos mercados, os quais, por sua vez, orientam-se pelas agências de risco. Essas agências, por seu turno, tomam como critério de classificação de risco os próprios parâmetros fiscais do Tratado de Maastricht e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que instituiu o euro.
Eis, pois, o roteiro da “racionalidade” financeira atualmente prevalecente na Europa: o Tratado de Maastricht e o Pacto de Estabilidade e Crescimento fixaram os parâmetros da política fiscal para os Estados membros (3% do PIB para o déficit público, 60% para a dívida pública); a crise gerada exclusivamente na órbita financeira levou à explosão desses limites; a economia real sofreu o impacto (retração de mais de 4% no ano passado), contribuindo para aumentar ainda mais a razão déficit/PIB; por cima desse impacto, recorre-se agora à contração fiscal, agravando a situação da economia real, sob pretexto de reduzir o déficit público feito para salvar os financistas.
Esse receituário ortodoxo que obedece exclusivamente à lógica de interesses do setor financeiro, que está sendo aplicado inicialmente na Grécia, aparentemente não difere do receituário tradicional do FMI de contração da demanda interna para gerar excedentes exportáveis. Mas há duas diferenças essenciais: primeiro, a Grécia, estando na zona do euro, não pode desvalorizar sua moeda para ampliar a demanda de exportações; segundo, e mais importante, o receituário do Fundo em geral se aplicava a um país em crise no meio de um mundo em expansão. Agora, o mundo todo está em crise. Que adianta cortar salários e reduzir o mercado interno se não há para quem vender lá fora?
A única saída possível é a saída rejeitada pelos ortodoxos: ampliar o gasto e o déficit público, a fim de expandir a demanda interna e o investimento. O Japão tem feito isso, de forma irregular, e o fato de não ter se recuperado não deve ser debitado ao excesso do gasto fiscal, mas à irregularidade dele. Além disso, em lugar de o país financeiramente debilitado ter de recorrer ao mercado privado para financiar esse déficit, países superavitários, como Alemanha e França, ou mesmo o FMI, teriam de emprestar os recursos necessários. Em última instância, isso resultaria favoravelmente ao próprio país credor, na medida em que a recuperação dos devedores é uma condição fundamental para a recuperação dos mercados. Contudo, a Alemanha rejeita tal solução.
Claro, isso implicaria romper com cânones ortodoxos e das agências de risco. Em consequência, o roteiro a ser vivido pela Grécia e pelos países que se seguirem já está escrito: o corte dos gastos públicos e dos salários, assim como a elevação dos impostos – com o objetivo fantasioso de reduzir o déficit público e gerar excedentes exportáveis –, redundará em mais contração do PIB e mais déficit. Isso porque a demanda interna vai desabar, sem ser compensada pela elevação da demanda externa. A queda do PIB arrastará para baixo a receita pública e ambas, como dito, resultarão em maior relação déficit/PIB, exigindo mais contração.
3. Estratégias de saída pelo lado financeiro
Os problemas financeiros da economia mundial estão concentrados, sobretudo, nos EUA e, em menor escala, na Inglaterra e na Alemanha. As medidas de socorro adotadas no auge da crise, tanto pelo FED quanto pelo Tesouro norte-americano, resultaram numa inundação de liquidez nos mercados financeiros em todo o mundo, sustentada pela reduzida taxa básica do FED (0,25% ao ano) e do BCE (1%). Neste caso, ainda não se fala seriamente em estratégia de saída, porque os indicadores reais da economia norte-americana continuam apontando recessão e risco de deflação. Contudo, essa liquidez farta não se traduz em expansão de crédito para a economia, sobretudo as PME.
Não há solução à vista para essa situação. O projeto de regulação que o presidente Obama mandou para o Congresso, embora extremamente importante para disciplinar o funcionamento do sistema bancário, não tem nenhum mecanismo capaz de obrigar os bancos a saírem do curto prazo e voltarem para o longo prazo, em especial para o financiamento das pequenas e médias empresas, as grandes empregadoras na economia. Aparentemente, a única solução à vista suscita escândalo: a socialização do sistema bancário, emulando os dois únicos países crescendo fortemente no mundo hoje, China e Índia. Ambas têm planejamento central e sistema bancário totalmente ou quase totalmente público. Algo semelhante, caracterizando uma mudança paradigmática no sistema, será necessário para salvar o capitalismo produtivo dos excessos do capitalismo financeiro. Não importa que isso, hoje, seja considerado um absurdo. O que importa é saber o que farão os norte-americanos se a estagnação durar cinco ou mais anos, enquanto China e Índia estiverem disparadas na frente!
Note-se que também o Brasil evitou uma derrocada maior de sua economia graças, em parte, ao sistema bancário público, que responde por quase 50% do mercado de crédito. Enquanto o crédito dos bancos públicos aumentou em torno de 27% no ano passado, o do setor bancário privado limitou-se a menos de 5%. Talvez tendo em vista essas considerações, há cerca de duas semanas, numa entrevista ao The Wall Street Journal, o investidor George Soros sustentou que o grande erro do presidente Obama foi não ter estatizado o sistema bancário descapitalizado logo no início da crise.
4. Estratégias de saída pelo lado real
É óbvio que os estrategistas econômicos dos países industrializados mais avançados não estão olhando exclusivamente para o lado financeiro da crise. O prolongamento dela para além do que muitos analistas – não este – prognosticaram, força a elaboração de uma nova estratégia para o lado real. Ela parece basear-se nos seguintes pressupostos, alguns factuais, outros ideológicos: primeiro, admite-se haver uma crise generalizada de demanda interna; segundo, assinalam-se como esgotados os mecanismos de estímulo fiscal-monetários dessa demanda; terceiro, apela-se para a demanda de exportações.
Note-se que há um grande consenso contra medidas protecionistas, conforme reiteradas manifestações desde a primeira reunião do G-20 depois da crise. Trata-se de uma espécie de trauma coletivo que vem desde a Grande Depressão, quando o protecionismo contra importações foi apontado como uma das razões da Segunda Guerra. Entretanto, se não se pode restringir importações, e assim mesmo deve-se ampliar a demanda e o investimento interno sem estímulo fiscal, o único caminho que resta é o aumento das exportações. Mas, se a recessão é mundial, vai-se exportar para quem?
Claro, a resposta imediata é para a China e, em menor escala, para a Índia. Pode a China ser uma fonte de demanda que satisfaça o apetite exportador do resto do mundo? Bem, ela é uma economia de 4 trilhões de dólares; as economias de EUA, UE e Japão juntas somam 35,5 trilhões de dólares. Quatro trilhões podem puxar 35,5? Além disso, a China está começando a botar o pé no freio. Seus principais bancos receberam ordem do Conselho de Estado para reduzir os financiamentos à economia real. Há muitos setores com alto nível de ociosidade, inclusive o siderúrgico e o de cimento.
Se não houver um acordo cooperativo global pelo qual os países, conjuntamente, criem mecanismos de sustentação da demanda fora do marco da ortodoxia financeira, muito provavelmente caminharemos para uma situação de dumping generalizado nos mercados, o exato oposto do protecionismo restritivo de importações, porém com efeitos sociais e políticos similares. Nesse caso, a China, com seu vasto potencial de produção com mão-de-obra barata, pode vir a tornar-se um problema, não uma solução. O papel positivo que ela pode jogar é o de ampliar seu mercado interno; contudo, o resto do mundo também tem de ampliar o seu, para continuar comprando da China.
5. Uma estratégia para a América do Sul
Evidentemente, não haverá acordo cooperativo mundial em curto prazo em matéria econômica. Por isso, a América do Sul tem de preparar-se para o pior. Em curto e médio prazo, se nada fizermos, seremos afogados por uma avalanche de exportações de manufaturados, de máquinas e equipamentos, e de bens de alta tecnologia de EUA, UE (principalmente Alemanha), Japão e China. Isso liquidaria nosso embrionário parque industrial e nossa principal fonte de empregos de qualidade. Seria um desastre social, pois o aumento que se espera da exportação de commodities minerais e agrícolas estará longe de compensar a perda de empregos na área industrial e de serviços correlatos.
Essa ameaça não é uma especulação vaga. No relatório sobre a União o presidente Obama anunciou um programa produtivo com o objetivo de dobrar as exportações dos EUA em cinco anos, gerando 2 milhões de empregos. A quem ele venderá, e a qual preço? Não será para Europa e Japão, que estão e continuarão muito provavelmente estagnados. Uma parte vai para a China. Mas certamente os norte-americanos não descuidarão do mercado latino-americano. O mesmo se pode esperar de Alemanha, França e Itália: todos preferirão uma estratégia de esmagamento da estrutura industrial ainda nascente na América Latina a abrir mão em casa de seus princípios ortodoxos em economia.
Nossa estratégia de defesa e de superação da crise, a maior já vivenciada pela humanidade na história do capitalismo, não tem muitos graus de liberdade. Não podemos fechar o mercado de nossos países, individualmente: seríamos sufocados pelas sanções da Organização Mundial do Comércio. Contudo, o que não podemos fazer sozinhos podemos fazer conjuntamente. Todos os países da América do Sul estão na mesma situação. Aqueles que ainda não têm uma estrutura industrial relevante, que são quase todos, fora Argentina, terão de abrir mão da esperança de tê-la no contexto de uma invasão de manufaturados estrangeiros, acima do que já está ocorrendo. A saída é nos juntarmos.
Se construirmos uma Comunidade Econômica Sul-Americana no âmbito da Unasul, mediante aprofundamento do projeto de integração do sub-continente já em discussão na sociedade civil e no segundo escalão do governo, podemos levantar barreiras alfandegárias adequadas para todo o bloco num horizonte razoável de tempo, o que nos permitiria sobreviver à tempestade iminente. É preciso que o Brasil, como líder do bloco, atue de forma generosa e benevolente com os mais fracos, para seu próprio benefício estratégico futuro. Mais importante: é fundamental que se parta para um projeto de efetiva integração produtiva e social, superando os impasses no âmbito comercial que emperram o Mercosul, de uma forma que a integração seja realmente atraente para todos.
A integração produtiva pressupõe o levantamento e seleção de 50 a 60 grandes projetos regionais e a articulação dos esquemas de financiamento. Envolveria a exploração e industrialização de recursos naturais, a especialização produtiva, o desenvolvimento integrado de cadeias produtivas, a integração energética, e os projetos logísticos. A integração social, tal como vem sendo discutida no Centro Internacional Celso Furtado e no IPEA, deve ancorar-se num projeto abrangente para eliminação da fome no subcontinente e num Programa de Emprego Garantido/Trabalho Aplicado, para, simultaneamente, reduzir o desemprego, o subemprego e as péssimas condições de vida nas periferias metropolitanas.
Note-se que o Brasil, sozinho, tem na fronteira agrícola, na fronteira mineral e na cadeia produtiva do petróleo, importantes bases produtivas que lhe trazem muitas vantagens comparativas internacionais. Contudo, esses setores, isoladamente, mesmo que venham a desenvolver-se em ritmo acelerado, não podem compensar as perdas de emprego e de renda que se observariam no resto da economia caso nos expuséssemos de forma desarmada à competição internacional. Esses trunfos que o Brasil tem devem ser usados, sim, no sentido de favorecer o projeto de uma comunidade econômica sul-americana, em benefício de todos. É o caso, por exemplo, da cadeia do petróleo, a ser aberta à exploração conjunta com outros países da América do Sul.
Obs. Um estudo feito por acadêmicos e pesquisadores de Wall Street, citado pelo Wall Street Journal, mostra que a emissão de títulos garantidos por ativos nos Estados Unidos caiu de 50,1 bilhões de dólares no terceiro e segundo trimestre do ano passado para 28,7 bilhões no quarto. Já o volume de commercial papers em circulação caiu de 1,3 trilhão em setembro para 1,1 trilhão em janeiro último. Em geral, as condições de crédito se estreitaram a despeito da taxa de juros perto de zero e da injeção de 1,7 trilhão de dólares no mercado pelo FED. A emissão de títulos garantidos por ativos, que em 2006 atingiu 700 bilhões de dólares, ficou limitada a 168 bilhões de dólares no ano passado. E o volume geral de crédito no ano passado se retraiu em 7,5%, sinalizando um estreitamento do mercado interno que reforça, por um lado, as tendências recessivas da economia e, por outro, a busca da saída exportadora, que um ensaio especial da The Economist definiu como “exportar ou morrer”.
J. Carlos de Assis é economista e professor, autor de A Crise da Globalização.