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Internacional

Edição 106 > As raízes da dolorosa solidão do Haiti

As raízes da dolorosa solidão do Haiti

Tiago Nery
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No dia 12 de janeiro de 2010 um grande terremoto provocou uma catástrofe no Haiti com um saldo negativo de mais de 200 mil mortos. Entretanto, não foi o movimento das placas o responsável por esta tragédia. O Haiti e seu povo sofrido são vítimas de decisões e imposições políticas
 

No clássico As veias abertas da América Latina, Eduardo Galeano (2000, p.79) se referiu assim à situação do Haiti: “o país nasceu em ruínas e não se recuperou jamais: hoje é o mais pobre da América Latina”. Infelizmente, transcorridos quase 40 anos desde sua publicação – o livro é de 1971 – a realidade haitiana continua a mesma. Diante da nova tragédia é compreensível muitos haitianos estarem fartos das promessas daqueles que dizem representar a “comunidade internacional”, que há muito relegou o país a uma situação de terrível solidão.

Na cobertura feita pela imprensa sobre o último desastre, que matou dezenas de milhares de pessoas, há poucas análises sobre as causas estruturais e históricas que levaram o Haiti à situação de miséria. Em meados do século XVIII, o país, então uma colônia francesa, se converteu no principal produtor de cana do Caribe. Em 1791, tem início a primeira grande revolução social do nosso hemisfério, quando 400 mil escravos africanos se sublevaram contra 30 mil proprietários brancos (CASTRO, 2010). Na luta por liberdade e independência, destacou-se a figura do líder haitiano Toussaint Louverture.

Em fevereiro de 1794, em plena Revolução Francesa, a Convenção aboliu a escravatura em todas as colônias. A situação na ilha era de extrema gravidade, pois diversas partes do seu território se encontravam ocupadas por ingleses e espanhóis. Até então, Louverture tinha sido o principal adversário dos franceses, lutando com o apoio espanhol. Ao perceber que a Espanha e a Inglaterra somente lhe concediam honrarias, mas jamais descartariam o regime escravagista, Louverture aliou-se à França.

A partir de 1801, Napoleão consegue resolver suas controvérsias com Espanha, Holanda e Inglaterra em relação à questão colonial. Em 1802, a França promulga lei que restabelece a escravidão em todos os seus territórios. Em seguida, Napoleão envia o general Leclerc – que aprisionará Louverture, mas não deterá o processo de libertação, consumado sob a liderança de Dessalines –, que levou as tropas francesas a assinarem rendição incondicional em 1804 (SEITENFUS, 1994).

A França nunca aceitou a humilhante derrota e só reconheceu a independência haitiana em 1825, em troca de uma gigantesca indenização em dinheiro. Em 1915, tropas dos EUA ocuparam o país, onde permaneceram até 1934. Entre 1957 e 1986, durante a chamada “Era Duvalier”, o Haiti sofreu com as ditaduras sanguinárias de Papa Doc e Baby Doc. A imposição da agenda ditada pela Guerra Fria pelos EUA gerou um saldo de mais de 30 mil pessoas assassinadas, meio milhão de haitianos exilados e o colapso social e político do Haiti (SADER; JINKINGS, 2006).

Nas primeiras eleições livres do Haiti, em 1990, Jean-Bertrand Aristide foi eleito presidente à frente do movimento popular Lavalas (“avalanche”, em crioulo). Em seus discursos, ele defendia a reforma agrária, a distribuição de renda e outras reformas progressistas. No ano seguinte o governo foi derrubado por um golpe militar e Aristide exilou-se nos EUA. No entanto, este voltou do exílio com um projeto oposto: expandir o neoliberalismo no Haiti em troca de sua permanência no cargo. Em 2004, durante seu segundo mandato, ele foi deposto pelos EUA, com o apoio da França. Em seguida, iniciou-se a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), que conta com a participação de diversos países, com destaque para a liderança exercida pelo Brasil (SADER; JINKINGS, 2006).

Seguindo o receituário neoliberal, o FMI proibiu os subsídios à produção nacional do arroz. O Haiti passou da condição de produtor à de importador do produto, os agricultores se transformaram em mendigos ou balseiros e o país passou a ser um dos quatro mercados mais importantes para o arroz subsidiado dos EUA (GALEANO, 2002). Atualmente, segundo relatou o professor da UnB, Antonio Jorge Ramalho – em entrevista ao jornal Valor Econômico (15-01-2010) –, 2/3 do PIB são constituídos por remessas de haitianos do exterior.

O Haiti e seu povo sofrido não foram vítimas da natureza, mas de decisões e imposições políticas. Em um de seus últimos livros, o geógrafo Milton Santos denunciou o comportamento hipócrita de instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o FMI: “atacam-se, funcionalmente, manifestações da pobreza, enquanto estruturalmente se cria a pobreza ao nível do mundo” (SANTOS, 2007, p.73).

O Haiti é o único Estado independente constituído por africanos fora da África, uma República negra nas Américas. Sua emancipação compreendeu não apenas a luta contra a metrópole, mas também a luta contra os senhores. Assim, o Haiti foi o primeiro país do mundo a abolir a escravidão e o primeiro a tornar-se independente na América Latina. Este exemplo jamais seria perdoado pelas grandes potências e por suas elites colonialistas e racistas.

Tiago Nery é mestre pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC/RJ


Referências Bibliográficas:

CASTRO, F. La lección de Haití, 2010. Disponível em: http://www.granma.cu/espanol/2010/enero/vier15/reflexiones.html. Acesso em: 15 Jan. 2010.
GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. 39ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
____________. O teatro do bem e do mal. Porto Alegre: L&PM, 2002.
SADER, E. & JINKINGS, I. (coord.), em LATINOAMERICANA: enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, 2006.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 14ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2007.
SEITENFUS, R. Haiti: a soberania dos ditadores. Porto Alegre: Solivros, 1994.

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