• Home
  • Nossa História
    • Nosso Time
  • Edições
    • Principios de 101 a atual
    • Coleção Principios - 1 a 100
  • Índice Remissivo
  • Contato

Revista Principios

  • Home
  • Nossa História
    • Nosso Time
  • Edições
    • Principios de 101 a atual
    • Coleção Principios - 1 a 100
  • Índice Remissivo
  • Contato

Capa

Edição 106 > Brasília – 50 anos

Brasília – 50 anos

Augusto Madeira
Twitter
FaceBook

Juscelino Kubitschek, o presidente “bossa nova,” previa a criação de Brasília como uma cidade modernista. A construção da nova capital é um marco fundamental do desenvolvimento de um país que marcha como grande promessa de nação neste início de século XXI

Em 21 de abril de 2010, Brasília completará 50 anos de sua fundação. O projeto de transferir a capital para o interior do país já era muito antigo naquela data. Esteve sempre em debate nos momentos mais importantes da vida política nacional, o que faz duvidar da versão segundo a qual a decisão da construção da nova capital foi tomada de improviso por Juscelino Kubitschek, em Jataí, Goiás, no primeiro comício de sua campanha presidencial.

Na verdade, esta ideia foi acalentada por mais de 150 anos até a sua concretização. A cada momento da vida nacional, forças políticas a impulsionaram e outras lutaram contra a sua realização, revelando as distintas visões de desenvolvimento para o Brasil nessas ocasiões.

A primeira vez em que a questão da nova capital foi colocada, de fato, em discussão ocorreu com a chegada da família real de Portugal ao Brasil, em 1808. A primeira medida tomada foi a escolha de uma nova capital. D. João VI decide fixá-la no Rio de Janeiro, frustrando os baianos que tudo fizeram para a Corte ficar em Salvador. Entretanto, a presença da família real no Brasil inaugura o debate em torno de uma nova capital.

Hipólito José da Costa, jornalista brasileiro exilado em Londres, após ter fugido da Inquisição portuguesa, defende nas páginas de seu Correio Braziliense – primeiro jornal de oposição à administração portuguesa –, o deslocamento da capital para o interior do país. Dentre as razões para a transferência, a necessidade de um desenvolvimento e povoamento maior do território brasileiro, com a criação de um sistema de comunicação que integrasse as diversas regiões e os diferentes portos marítimos.

Apesar das queixas do Rei em relação ao clima do Rio de Janeiro, a escolha desta cidade como capital é coerente com a lógica da política colonial portuguesa. Um Império marítimo só poderia ter um porto como capital. O Rio de Janeiro concentra toda a justiça e administração da colônia e da Monarquia tornando-se a Lisboa brasileira.

No período da Independência brasileira a questão da mudança da capital retorna à pauta.  A questão, então, seria marcar simbolicamente a passagem do Império português, colonial e marítimo, ao Império brasileiro, independente e continental.  A capital do Brasil independente deveria ser transferida para o interior e marcar a ruptura com a Metrópole? Ou deveria ficar no Rio de Janeiro para afirmar a vontade da inserção do Brasil no mercado comercial internacional?

José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, toma a frente deste debate. Ele apresentou a proposta de interiorização da capital brasileira no bojo de seu projeto de modernização para o país. Sustentava com quatro argumentos a mudança da capital: a segurança do Estado, o povoamento do território, o desenvolvimento do comércio interno e a preservação da unidade nacional. É também dele a ideia do nome da futura capital, conforme proposta apresentada na Assembleia Constituinte do Brasil: Petrópole ou Brasília.

O texto de José Bonifácio sequer seria debatido. Em 12 de novembro de 1823, Dom Pedro I dissolve a Assembleia Constituinte e o Patriarca é exilado na Europa. O Imperador bloqueia a mudança da capital e opta por um projeto geopolítico de inserção da jovem nação brasileira no mercado comercial internacional, com um porto como capital.

Em julho de 1840, Dom Pedro II, nascido no Brasil e com 14 anos de idade, ascende ao trono do Brasil. Parece estar sendo concluída a “brasileirização” do Brasil. A viabilização econômica da cultura do café – que toma lugar da cana-de-açúcar, do algodão e do tabaco – aumenta o papel da cidade e permite o fortalecimento das profissões urbanas. Francisco Adolfo de Varnhagem, visconde de Porto Seguro, historiador e diplomata próximo do Imperador, considerado o pai da historiografia brasileira, publica em 1849 Memorial orgânico, obra em que dedica várias páginas à questão da mudança da capital para o interior.

Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 o projeto de mudança da capital atinge consistência. Este debate está na pauta da Assembleia Nacional Constituinte e é consagrado como dispositivo constitucional. Conforme determinam os artigos 2 e 3 da primeira Constituição, no Planalto Central é estabelecida a futura capital federal.

Os debates sobre a organização do Brasil moderno são polarizados entre os defensores de um republicanismo liberal – sustentado por cafeicultores e grandes latifundiários – e os defensores de um republicanismo positivista – formado pelo corpo de oficiais militares e das classes médias urbanas.

Em 17 de maio de 1892 é criada por decreto a “Comissão de exploração do Planalto Central do Brasil”, cuja direção é entregue ao diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, Luis Cruls (1848-1908).  A Comissão Cruls, como ficaria conhecida, tem a missão de demarcar a área de 14 mil km2 para a instalação do novo Distrito Federal e selecionar na zona demarcada o melhor lugar para o estabelecimento de uma capital. É composta por 22 membros que, após percorrerem 4 mil quilômetros a cavalo, delimitam o retângulo do futuro Distrito Federal e indicam o sítio em que se localizaria a capital, justamente onde Cruls havia instalado seu acampamento, e onde hoje fica o Plano Piloto – no “vastíssimo vale banhado pelos rios Torto, Gama, Vicente Pires e Riacho Fundo”.

Em novembro de 1894 é eleito o primeiro presidente civil da República: Prudente José de Moraes Barros, representante da grande propriedade latifundiária de São Paulo, que põe fim à tentativa centralizadora dos presidentes militares. A orientação liberal que guia os passos da República civil não pode aceitar as despesas de tais quantias para transferência da capital. Além do mais, a recente potência econômica do Brasil não vê com bons olhos a instalação da capital no estado de Goiás que abriria um novo centro de desenvolvimento regional interior. Em resposta a essa inquietação de São Paulo, o estado de Minas Gerais, seu grande rival histórico, toma a decisão em 17 de abril de 1891 de dotar-se de uma nova capital. A nova cidade tem o nome de Belo Horizonte. O horizonte de Minas Gerais, nesse fim de século XIX, é o Oeste brasileiro.

Rodrigues Alves, grande proprietário de plantações de café em São Paulo, sucede em 1902 a Campos Sales na presidência da República. Ele anuncia a reforma urbana do Rio de Janeiro. O rápido crescimento da economia brasileira e a integração do país no mercado capitalista internacional exigem uma nova organização do espaço urbano da capital. A burguesia do café não pretende abrir mão do Rio de Janeiro, primeiro porto de mercadorias da América Latina, como capital do país. A transferência da capital fica como mera medida simbólica na Constituição.

Em novembro de 1930 triunfa o movimento que põe fim à Primeira República. A “Revolução de 1930” expressa, no plano político a mudança intelectual que tomou forma aos poucos nos anos 1920. A fundação do Partido Comunista do Brasil, em 25 de março de 1922, a Semana de Arte Moderna de 1922, a Coluna Prestes são fatos que anunciam o surgimento de um novo Brasil, em meio às mudanças políticas, econômicas, culturais e sociais do início do século XX. Getúlio Vargas apresenta-se como promotor de um Estado a serviço do interesse nacional em contraposição ao Estado oligárquico e regionalista.

Em 31 de dezembro de 1939, em seu discurso de fim de ano, Getúlio Vargas anuncia que “O verdadeiro sentido da brasilianidade é a marcha para o Oeste”. O objetivo é fazer coincidir a unidade política com a unidade econômica do Brasil. O meio para resolver os problemas do interior é implementar e orientar as correntes migratórias para novas zonas econômicas estabelecidas pelo Estado: as regiões Centro-Oeste e Norte.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento da nova Constituição de 1946, o tema da transferência da capital volta a debate. Discutem-se três alternativas de localização para a nova capital: a cidade de Goiânia, o Triângulo Mineiro ou o retângulo Cruls. Conforme estabelece o artigo 4º das Disposições Transitórias, a capital da União seria no Planalto Central.

Juscelino Kubitschek elege-se presidente do Brasil em 1956 com o lema “cinquenta anos em cinco”. E, realmente, de 1956 a 1961, o país apresentou um crescimento econômico vigoroso. A base para isso foi o crescimento da produção industrial de 80% no período. De 1957 a 1961, houve uma taxa de crescimento real de 7% ao ano. Sua política ficou conhecida como nacionalismo desenvolvimentista. Lançou um Plano Nacional para o Desenvolvimento e o símbolo escolhido para seu ambicioso Programa de Metas foi a construção da nova capital no interior do país, Brasília.

O presidente “bossa nova” utiliza a estrutura política definida por Getúlio Vargas para chegar ao poder. A aliança do PSD, partido tradicionalista e ruralista, e do PTB, partido com base nos sindicatos. Juscelino identifica a modernidade com o programa desenvolvimentista, ou seja, com a difusão racional e generalizada da industrialização e da urbanização pelo conjunto do território.

O projeto do Plano Piloto da nova capital é escolhido em concurso nacional de arquitetura. O vencedor é Lúcio Costa, que assim explica a solução encontrada para seu projeto: “Nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz […]. Trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial”.
Oscar Niemeyer, o arquiteto que encantou o Brasil com as obras da Pampulha, dos tempos do prefeito de Belo Horizonte Juscelino Kubitschek, já tinha sido escolhido pelo próprio presidente para criar os principais prédios e monumentos. Ao lado dele, foram mobilizados muitos dos maiores artistas de então, Roberto Burle Marx, Athos Bulcão, Alfredo Ceshiatti e Bruno Giorgi, dentre outros.

Oscar Niemeyer é um caso à parte na construção de Brasília. Os principais prédios são de sua autoria: o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional, os prédios dos Ministérios da Justiça e Relações Exteriores, a Catedral, a capela Nossa Senhora de Fátima, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio da Alvorada, considerado sua obra-prima.
 
Tomada a decisão política de construir a nova capital, e realizado seu projeto urbanístico e arquitetônico, é chegada a hora de concretizar a ideia, de erguer a cidade. Entram em cena os milhares de trabalhadores de todo o país que transformaram um sonho em realidade.

Brasília é o retrato do Brasil do fim dos anos 1950. O país entra na era da civilização industrial rompendo abruptamente, sem transição ou planejamento, com uma economia agrícola de origem colonial. É um país marcado por profundas desigualdades. Esta contradição marcará a construção e o desenvolvimento da nova capital.

O grande projeto de construção civil atrai pessoas de todo o país em busca de trabalho, principalmente do interior de Goiás, dos municípios das fronteiras de Minas Gerais e de Mato Grosso, e do Nordeste, que teve o fluxo incrementado com as levas de flagelados expulsos pela grande seca de 1958. Ao todo cerca de 70 mil operários se deslocaram para construir a nova cidade: os candangos.

As jornadas de trabalho eram longas e exaustivas, muitas vezes aos domingos e feriados, o que fazia ocorrer muitos acidentes de trabalho, tudo sob a pressão de entregar a obra no prazo marcado para a inauguração, 21 de abril de 1960 – era o chamado ritmo Brasília. Os trabalhadores, solteiros na maioria, tinham poucas opções de lazer e enfrentavam condições precárias de alimentação, desencadeando revoltas e protestos reprimidos com brutalidade.

Com a organização sindical ainda incipiente e uma ambiguidade jurídica sob a quem competia a fiscalização nas normas trabalhistas, os órgãos de mediação do conflito entre o capital e o trabalho (Ministério do Trabalho e Justiça Trabalhista) ficaram ausentes, transformando a Brasília daquele período em “terra sem lei”.

Mas a questão da habitação é que gerou o maior conflito durante a fase de construção, e mesmo posteriormente. Sem planejamento e alimentado pela ideia de que ao final da construção os trabalhadores retornariam a seus lugares de origem, o projeto de dar à população meramente uma fixação provisória durante a construção – a Cidade Livre (ou Núcleo bandeirante) para o comércio, e a Candangolândia para área de acampamentos – faliu desde o início.

A imensa população sem local destinado para moradia e sem condições de voltar para suas cidades de origem encontrou como alternativa as “invasões”. A Cidade Livre e o Núcleo Bandeirantes que deveriam deixar de existir cresceram e tornaram-se cidades. Em razão das invasões outras cidades-satélites foram surgindo. Na inauguração já havia 8: Planaltina, Brazilândia, Cidade Livre (hoje, Núcleo Bandeirante), Cruzeiro, Taguatinga, Paranoá, Sobradinho e Gama.

 Mais tarde foi criada a Comissão de Erradicação das Invasões, a CEI, que originou a Ceilândia, hoje a maior cidade-satélite do Distrito Federal.

A palavra de origem africana candango tinha o significado de “ordinário”, “ruim” – como eram designados, no interior do país, os trabalhadores braçais de baixa qualificação.  Durante a construção de Brasília, ela ganhou novo sentido. Foi assumida pelos trabalhadores com orgulho, e passou a significar o entusiasmo com o projeto de construção da nova capital, e do operário trabalhador e criativo que empreendeu um projeto histórico. O monumento feito por Bruno Giorgi para a Praça dos Três Poderes, inicialmente denominado Os Guerreiros, foi adotado pelo povo com o nome de Os Candangos. E assim ficou. O próprio autor rendeu-se à denominação popular e rebatizou sua obra.

Brasília é fruto das tensões econômicas, sociais e políticas que conduziram os destinos do Brasil como nação independente. Ela é expressão da vitória da corrente histórica mais ligada ao desenvolvimento do país e da construção de uma nação soberana. Sua construção comprovou as teses do Patriarca da Independência e ocupação do interior e articulação do país, a “marcha para o Oeste”, o desenvolvimento do Centro e do Norte do país. Brasília é hoje capital federal, mas também o centro de uma região dinâmica e próspera.

Brasília não poderia deixar de ser portadora das melhores virtudes de nossa sociedade, mas também reprodutora de suas deformações e contradições. Vive no ano de seu cinquentenário um grande escândalo político. Esta crise é, com toda certeza, passageira, mas a construção da nova capital –, sonho e obra de gigantes da nossa nacionalidade – continuará a ser por muito tempo um marco fundamental do desenvolvimento de um país que marcha como grande promessa de nação neste início de século XXI.

Augusto Madeira é advogado, chefe de gabinete da liderança do PCdoB na Câmara dos deputados e presidente do PCdoB/DF
 

voltar

Editora e Livraria Anita Garibaldi - CNPJ 96.337.019/0001-05
Rua Rego Freitas 192 - República - Centro - São Paulo - SP - Cep: 01220-010
Telefone: (11) 3129-4586 - WhatsApp: (11) 9.3466.3212 - E-mail: livraria@anitagaribaldi.com.br