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Brasil

Edição 106 > O câmbio continua matando: o Real e a livre flutuação cambial

O câmbio continua matando: o Real e a livre flutuação cambial

Lecio Morais
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No Brasil a questão cambial é fator estratégico, tanto econômica quanto politicamente. Para diminuir o custo fiscal dever-se-ia estabelecer regulamentação restritiva do mercado interno e uma nova redução na taxa básica de juros, de modo a evitar que o desenvolvimento brasileiro seja, mais uma vez, abortado

Nos anos 1970, quando o Brasil vivia sua crônica escassez de divisas e havia ameaça inflacionária, Mário Henrique Simonsen afirmava que se a inflação podia aleijar a economia, o câmbio a matava. Veremos neste artigo como Simonsen continua com razão.

A verdade é que a posição de dependência do Brasil, na periferia do sistema capitalista mundial, faz com que a questão do câmbio – seja pelo regime cambial seja pelos riscos a nossa solvência e liquidez em divisas – esteja sempre presente entre as principais preocupações de qualquer governo, embora o problema possa ser mais agudo em alguns momentos.

Hoje, mesmo contando com um volume inédito de reservas, a questão do câmbio se apresenta de forma particularmente aguda, mostrando-se mais visível agora na tendência à valorização do Real frente ao dólar. Mas o problema pode ser ainda maior. Se a valorização do Real é indesejável, também nos são prejudiciais os períodos de desvalorização brusca, que podem durar alguns meses ou mesmo semanas – como o que vivenciamos neste início de 2010 –, trazendo uma instabilidade que não permite o cálculo econômico e inibe as decisões de investimento.

Por isso, não há nenhum exagero em se afirmar ser o câmbio o principal problema da atualidade. Mas devemos ver o problema de um ponto de vista mais amplo, examinando-o no contexto das atuais relações do Brasil com o sistema capitalista mundial e considerando as mudanças vividas por esse sistema em meio à presente crise global.

Sistema em crise e as mudanças sistêmicas em curso

O momento atual é extremamente complexo por se situar em um processo internacional de grandes mudanças e também de crise. As mudanças sofridas pelo sistema capitalista mundial nas últimas décadas, tornadas particularmente visíveis neste começo de século, são de dimensões tectônicas. Envolvem um gigantesco deslocamento produtivo da bacia do Atlântico Norte para o Leste e o Sul asiáticos e uma globalização financeira que tem por base a liberdade de movimentação de capitais e uma inédita moeda internacional sem lastro – o dólar americano. Essas características da globalização vêm permitindo que, apesar do deslocamento do centro dinâmico da produção, o principal centro financeiro mantenha-se nos EUA.

O deslocamento produtivo e a emissão de um dólar sem lastro para financiar a demanda dos EUA vêm permitindo que os chamados emergentes, como o Brasil, acumulem reservas em dólar para financiar esse déficit, e ainda venham expandindo suas empresas pelo mundo – processo no Brasil ainda incipiente, mas já importante.

A crise financeira de 2008 fragilizou exatamente o centro financeiro americano, que até o momento não recuperou totalmente sua capacidade de financiar a acumulação sistêmica de capital, em especial nos EUA, na Europa e no Japão. Essa súbita fragilidade permitiu ver mais claramente as dimensões do processo de deslocamento produtivo para a Ásia, e também expor a decadência relativa da economia americana e as dificuldades dos EUA como líderes mundiais do sistema. Outra grande vítima da crise foi o paradigma teórico neoliberal dos mercados eficientes e “desregulamentados”.

As circunstâncias desse processo sistêmico permitiram até agora a alguns países da periferia, inclusive o Brasil, virem superando com vantagem o primeiro impacto da crise. No caso brasileiro, não só nos recuperamos bem como reduzimos nosso passivo externo líquido, medida pela posição internacional de investimento (1). Infelizmente, a vulnerabilidade externa – medida pela relação do passivo de curto prazo versus as reservas de divisas – continua muito elevada.

Ao mesmo tempo, os problemas desses países se avolumam, com novas “bolhas” de valorização de ativos se deslocando para seus mercados financeiros internos, valorizando suas moedas, com intermitentes e bruscas desvalorizações, criando novos desafios.

O Brasil vem vivendo de forma típica esse momento internacional. Enfrentamos uma tendência à valorização do Real, às vezes interrompida por desvalorizações bruscas e por breves períodos. Também de forma típica, a tendência à valorização do Real não decorre de superávits nas transações de comércio e de rendas com o exterior, mas sim do fluxo de capitais financeiros de curto prazo, atraídos por ganhos especulativos com nossos elevados juros ou por aplicações em ações e outros ativos. As desvalorizações intermitentes, por sua vez, também não ocorrem em resposta a problemas econômicos internos que atingiriam o Real, mas sim em decorrência de reversões momentâneas de fluxos financeiros internacionais retornando ao dólar e aos títulos do Tesouro dos EUA. Outro determinante relevante desses movimentos de “altas” e “baixas” da moeda são as “expectativas de mercado”, geradas por movimentos especulativos em operações com derivativos, dentro e fora do país.

As soluções para a valorização e os custos da flutuação cambial

O problema mais visível, a tendência à valorização do Real, tem provocado “soluções” que dividem os especialistas em dois grupos, tanto fora como dentro do governo Lula. Uns continuam a advogar “medidas de mercado”, por uma ainda maior abertura financeira, pela imposição de limites ao endividamento e à expansão da despesa pública ou pela ação do Banco Central, como agente de mercado, a “enxugar” a entrada de dólar. Até comemoram a existência de um déficit em conta corrente, estimado em US$ 40 bilhões pelo BC neste ano, como um “fator positivo”, já que implicaria uma entrada negativa de divisas no país. Para outros, ainda, como a diretoria do Banco Central, a valorização não é um problema, acreditando-a como uma aliada em sua sagrada missão contra a inflação.

O segundo grupo, por sua vez, defende a adoção de medidas impositivas de intervenção do Estado, mesmo mantendo a flutuação do câmbio, para impor barreiras ao fluxo financeiro de dólares e uma regulamentação mais estrita do mercado interno de contratos de derivativos.

Até 2005, os “mercadistas”, agrupados em torno do ministro Palocci, ditaram – solitários – a política monetária e cambial. A partir de 2006, eles passaram a dividir o campo com outras forças, que chegaram à Fazenda junto com o ministro Mantega. Estes tiveram até agora vitórias isoladas. Dentre elas podemos citar o fim das emissões do Tesouro para sustentar a política monetária, que passaram a ser feitas exclusivamente pelo BC em operações de mercado aberto, embora em títulos do Tesouro; a adoção mais recente do IOF sobre a entrada de investimentos em títulos e ações; e a imposição, pela primeira vez, de regras de transparência para operações com contratos de derivativos.

Os “mercadistas” têm fracassado espetacularmente tanto em deter a valorização do Real, registrada desde 2004, como em evitar os bruscos e curtos períodos de desvalorização. Apesar do alto custo fiscal dessa orientação, ela só vem sendo efetiva para estabilizar a taxa cambial no dia a dia. A ação do BC na acumulação de reservas vem provocando uma explosão da dívida pública de curto prazo, criando um elevado custo fiscal e uma piora significativa do perfil da dívida. Afora as perdas iniciais da desvalorização de 1999, a flutuação do câmbio tem custado, desde 2002 até o final de 2009 – só em emissões de títulos compromissados pelo BC (2) –, R$ 454 bilhões, 15% do PIB. Apesar de este cálculo ser um valor subestimado desse custo, o ônus de estabilizar a flutuação cambial – inclusive a de curtíssimo prazo –, desde 2002, representa 38% do aumento da dívida mobiliária da União, o dobro do déficit bruto da Previdência Social de R$ 236 bilhões, acumulado no mesmo período. Uma conta nada barata.

Em contrapartida, o regime de flutuação propiciou a criação de um novo mercado de derivativos financeiros que se propõe proteger empresas expostas aos riscos cambiais de médio e longo prazo (operações de hedge), abrindo uma nova oportunidade para os agentes financeiros ganharem com a flutuação, tanto para cima como para baixo, em prêmios e taxas de corretagem. Desse modo, as grandes empresas exportadoras, por exemplo, utilizam os ganhos dessas perigosas operações financeiras para manter baixas, em dólar, suas vendas ao exterior.

Mas as instituições financeiras que efetuam essas operações de hedge não têm porte para suportar os custos implícitos nessas transações. Aí entra o Banco Central oferecendo operações de swap que anulam os riscos assumidos, atuando nesse caso como segurador final. Como os custos dos swaps do BC são transferidos ao Tesouro ao fim de cada semestre, o Estado brasileiro subsidia o mercado de derivativos e os grandes exportadores, diminuindo a pressão desses grupos econômicos contra a valorização do Real, dando a impressão de que a flutuação cambial só depende do “mercado” para funcionar.
Assim, enquanto os mecanismos são de “mercado”, os custos da flutuação cambial são públicos, tanto no curto como no longo prazo.

O fracasso da estratégia “mercadista”, longe de desanimá-los, faz com que seus autores advoguem medidas ainda mais radicais de liberação financeira e até a transformação do Real em moeda livremente conversível. Está em curso, inclusive, um “projeto Ômega”, patrocinado por entidades de instituições financeiras e pela Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F-Bovespa), a ser lançado em março deste ano, para transformar São Paulo em um distrito financeiro internacional para a América Latina (3). Esse projeto tem como condição necessária a transformação do Real em uma moeda livremente conversível.

O câmbio flutuante e suas condições de funcionamento
    
A manutenção de um regime de livre flutuação do câmbio como temos se fundamenta na experiência de estabilidade trazida por essa política às grandes economias capitalistas. Mas a flutuação cambial só fornece estabilidade cambial pelo fato de esses países sediarem também grandes centros financeiros em que se determina o valor dessas moedas no mundo. São sistemas financeiros tutelados por seus Estados, que os regulam e neles podem atuar como emprestadores de última instância – como vimos na recente crise.

Para países da periferia, como o Brasil, incapazes de influenciar o preço internacional de suas moedas, um regime de flutuação cambial será sempre artificial e fiscalmente oneroso. A flutuação será sempre “suja”, por falta de instituições financeiras poderosas que suportem os custos da flutuação do valor de sua moeda, ficando para o BC esse papel, que funciona apenas para a estabilidade de curtíssimo prazo. E a conta acaba sendo descontada contra o erário.

Esse princípio vale tanto mais caso se avance para a constituição do Real em uma moeda livremente conversível. A conversibilidade não significa apenas que transações internacionais possam ser denominadas ou pagas em uma moeda nacional, o que é vantajoso; mas, principalmente, que essa moeda poderá ser mantida em depósito, e emprestada por instituições nos grandes centros financeiros mundiais, implicando a criação de moeda fora do seu sistema financeiro nacional. Como contrapartida, a política monetária de um Estado com moeda conversível tem de lidar com a criação exógena de sua moeda e com a ação de agentes externos, fora de sua área de regulação.

Para os Estados das grandes economias centrais que influenciam na determinação dos movimentos financeiros internacionais e, consequentemente, do preço de sua moeda no exterior, manter a sua conversibilidade pode ter um custo possível e compatível com as vantagens por ela trazidas. Já para os periféricos, como o Brasil, seria uma perda de controle sobre a moeda nacional, o que só geraria desastres. Este não é o caminho.

Essa visão realista da composição de forças existentes no sistema capitalista internacional, mesclando poder econômico e estatal, faz com que – a depender da posição que os Estados-Nações ocupem nesse sistema – eles sejam diferentes, o que demanda, em consequência, soluções também diferentes. Isso é que explica a artificialidade e a ineficiência, no Brasil, dos mecanismos cambiais adotados pelos países centrais, mesmo no curto prazo. Essa constatação deve orientar, no nosso entender, uma solução para o regime cambial do Real.

O Brasil entre o dólar e o Yuan

A China, com um poder econômico e político já incomparável ao nosso, por um lado, seguiu seu próprio caminho, adotando um regime monetário de rígido controle administrativo (4). Por outro, esse regime da moeda chinesa vem prejudicando nosso comércio externo e afetando crescentemente nosso sistema produtivo.

Desse modo, a flutuação do Real faz com que o Brasil resulte preso num gigantesco movimento de pinças entre a desvalorização do dólar e um Yuan que a China mantém desvalorizado, em paridade fixa com o dolar, parecendo querer se transformar em fábrica do mundo. A ação dessa pinça vem restringindo nossa exportação, especialmente a de bens industriais, e tende a expandir as importações, ameaçando “primarizar” nosso sistema produtivo pela desindustrialização, transformando-nos outra vez em produtor e fornecedor de matéria-prima. Os números da balança de 2009 são eloquentes. Impedir esse processo é central para o Brasil, podendo inviabilizar a oportunidade, recentemente aberta, de sair da pobreza e de ascender na hierarquia do sistema internacional.

A questão cambial para o Brasil não é apenas um problema econômico, mas sim um problema político estratégico do Estado brasileiro. O problema não está propriamente na tendência à valorização do Real, mas sim em um regime de taxa flutuante funcionando em um ambiente de liberdade de entrada e saída de capitais.
 
Hoje, essa política artificial e de alto custo fiscal é sustentada interna e externamente por uma coalizão de forças políticas e econômicas poderosas, que obstruem a sua reforma imediata. A introdução do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na entrada de investimentos financeiros bem como a regulação inicial feita pelo BC sobre os mercados de derivativos são importantes, mas não suficientes.

Os EUA, observando nosso problema, pretendem nos cooptar como aliado para pressionar a China a valorizar o Yuan. Essa mesma operação foi feita antes com o Japão, no final da década de 1980, e resultou na estagnação da economia japonesa desde então. Para o Brasil, essa aliança não interessa. A valorização do Yuan poderá também paralisar o crescimento chinês, lançando o mundo – e a nós próprios – em uma depressão duradoura. Já uma desvalorização progressiva do Real pode nos colocar em linha com os chineses, mantendo nossa economia em crescimento, incentivando ao mesmo tempo uma crescente agregação de valor em nosso sistema produtivo.

Mesmo não podendo simplesmente, agora, adotar o “modelo” chinês de administração cambial, o Brasil deve impor outras barreiras à entrada de divisas, uma regulamentação restritiva do mercado interno de moeda e derivativos e uma nova redução na taxa básica de juros, restringindo a flutuação do Real em longo prazo. Assim, diminuiremos o custo fiscal e iniciaremos uma progressiva desvalorização da moeda. Este nos parece ser o único caminho – embora difícil – para evitar que nosso desenvolvimento seja abortado, condenando-nos à periferia por mais um século. Como vaticinava Simonsen, embora em circunstâncias um tanto diferentes, o câmbio continua a matar.

Lecio Morais é economista e mestre em Ciência Política, atua como assessor técnico na Câmara dos Deputados.


Notas

(1) A posição internacional de um país mede os direitos e obrigações que este tem em relação ao resto do mundo, incluindo as suas propriedades no exterior e a dos estrangeiros em sua economia, em títulos ou ações, empréstimos concedidos ou recebidos, bem como as reservas internacionais. O Brasil, como os países periféricos, sempre apresenta passivos maiores que seus ativos. A novidade é o saldo do passivo líquido – que antes da crise, em junho/2008, alcançou um máximo de US$ 656 bilhões – ter-se reduzido para um mínimo de US$ 279 bilhões em dezembro/2008. Mesmo tendo crescido desde então – chegando em dez/2009 a US$ 537 bilhões – ainda encontra-se bem abaixo do período anterior à crise. Mesmo o passivo de curto prazo mantendo-se elevado, também se reduziu de um pico de US$ 357 bilhões, em jun/2008, para US$ 254 bilhões em dez/2009.
(2) Operações compromissadas são transações com títulos do Tesouro em que o BC faz a venda do título com compromisso de recompra em data certa e valor prefixado. São operações típicas de mercado aberto, em que a autoridade faz o controle fino da liquidez bancária, equivalendo a 1% ou menos do valor da dívida pública total. Após a perda do direito de emitir títulos próprios em 2000, o BC passou a fazer esse tipo de operação para controlar a liquidez e as reservas internacionais, em especial a partir de 2002, extrapolando o uso original do instrumento. Por essa razão, é possível ter o valor dessas operações como custo da política monetária e, em especial, da manutenção do regime de flutuação cambial.
(3) Ver Valor Econômico, de 15-01-2010, “Regulação financeira e o projeto Ômega”.
(4) Diz-se que uma taxa de câmbio é administrada quando seu valor é determinado ou significativamente influenciado por medidas legais, como acontece na China e em alguns outros países. Há regimes em que a administração da taxa de câmbio é parcial, havendo restrições legais convivendo com as “forças do mercado”, seja pela imposição de tributos ou outras restrições de certos tipos de investimento – como defendemos aqui – ou pela adoção de faixas com valores máximos e mínimos, na qual a taxa cambial pode variar, caso do Real até janeiro de 1999.
 

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